Sobre o currículo do curso
Fevereiro de 2021. Estou numa sala de cirurgia no último estágio do curso, prestando atenção na operação, quando, subitamente, ouço um barulho: “Pá!” bem forte, logo ao meu lado.
Quando olho de novo, percebo que estão ajudando o estudante de medicina a se sentar numa cadeira. Ele desmaiou porque a visão da barriga aberta do paciente foi um pouco demais.
Nesses últimos tempos estou mais acostumada a ver pacientes com covid desmaiando, então foi um alívio perceber que, pelo menos dessa vez, não era a covid o motivo.
Não é incomum que estudantes desmaiem durante cirurgias ou outros procedimentos. Já ouvi até histórias de estudantes desmaiando devido à visão, toque ou o odor dos cadáveres nas aulas de anatomia ou dissecações. Mas não pense que isso é apenas coisa de estudante. Já li relatos de médicos e enfermeiros experientes vomitando ou desmaiando diante da visão de certas coisas. Principalmente em situações de guerra ou catástrofe, claro, mas nem precisa ser esse o caso.
Por outro lado, não é nem um pouco incomum ver médicos e enfermeiros durante uma cirurgia conversando alegremente sobre o que vai ter para o almoço no refeitório do hospital naquele dia. Isso não é nem um pouco absurdo, considerando que existem algumas cirurgias que podem durar até umas 12 horas seguidas.
Eu mesma já desmaiei talvez quase dez vezes ao longo da minha vida, embora a maior parte tenha sido por motivo de doença ou jejum prolongado. Até agora não desmaiei durante uma cirurgia ou procedimento em um paciente, mas é bem possível que aconteça no futuro e eu não vejo nenhum problema nisso. Alguns consideram erroneamente como sinal de fraqueza, mas eu considero apenas uma reação normal do corpo, às vezes mais fisiológica do que psicológica, embora costume ser uma combinação das duas.
Existe esse mito de que se uma pessoa não gosta de ver sangue, ela não “serve” para a área da saúde. Mas isso não é verdade. Caso você não goste de ver sangue, significa apenas que você é uma pessoa saudável que possui reações normais: nosso cérebro associa o sangue a um ferimento ou doença, então nada mais natural em ter ao menos um pouco de aversão.
Claro, existem aqueles estudantes que realmente adoram sangue. Eu tinha uma colega na enfermagem que dizia: “Ai, que legal, como eu amo sangue!”. Colegas vampiros existem em todos os cursos da área da saúde.
Eu comecei o curso de enfermagem num meio termo: eu não amava e nem odiava sangue. Era meio indiferente. Com o tempo aprendi a gostar um pouco, embora sem atravessar a barreira do vampirismo.
Inclusive, esse ano teve uma cirurgia no quadril da ortopedia em que um paciente perdeu muito sangue. Ajudei a técnica de enfermagem a esvaziar os baldes de sangue (sim, baldes) e a contar as dezenas de compressas, para medir a perda sanguínea. Resultado: o paciente perdeu seis litros de sangue. Eu nem sabia que uma pessoa podia perder seis litros de sangue e sobreviver. Claro que houve transfusão ao longo da cirurgia. O paciente era alto, jovem e tinha sofrido um acidente de moto. No dia seguinte, fui visitá-lo na sala de recuperação e confesso que fiquei muito feliz ao vê-lo saudável e sorridente.
Eu teria não somente dezenas, mas centenas de histórias para contar de coisas incríveis, tanto tristes quanto felizes, que vivenciei ao longo do curso de enfermagem. Esse ano, por exemplo, recebemos na sala de cirurgia uma adolescente filha de traficante que levou um tiro na boca e na mão (ela perdeu um dedo) por causa de vingança. Durante meu estágio na ala psiquiátrica do hospital há dezenas de histórias inacreditáveis, incluindo pacientes que engolem pregos. Eu e meus colegas atendemos um paciente com esquizofrenia que tinha alucinações e matou o namorado da mãe com um machado. Na entrevista com o paciente deveríamos determinar se ele realizou o crime durante um episódio de alucinação e nossa avaliação faria diferença no período que ele permaneceria na prisão após seu julgamento. Tenho até agora o chaveiro de tecido que ele fez e me deu de presente.
Uma coisa que me marcou durante meus estágios é que sempre que eu ia atender algum paciente com câncer ou alguma doença terminal, na maior parte das vezes eles diziam que estavam em paz em relação à doença porque tinham fé em Deus (muitos deles eram inclusive analfabetos). Sem dúvida esses testemunhos foram importantes para que eu aumentasse minha própria fé, vendo com meus próprios olhos tantas vezes como uma fé forte fazia toda a diferença quando estamos diante da morte.
Sou muito grata pela maravilhosa oportunidade de ter feito esse curso. Aprendi muito, tanto na parte técnica e teórica, como na parte humana, com lições que irei levar por toda minha vida.
Ao longo do curso assisti aulas e palestras com profissionais das mais diferentes áreas. A maior parte das minhas professoras eram enfermeiras, mas também tive aulas com médicos, biólogos, farmacêuticos, nutricionistas, fisioterapeutas, psicólogos, biomédicos, dentistas, profissionais da saúde coletiva, administração, física, estatística e outros. É um curso realmente interdisciplinar e que te dá uma formação generalista. Também tive colegas de diferentes cursos e dois professores de outros países: um de Portugal e um da Colômbia, além de uma estagiária da Espanha.
A enfermagem é um dos cursos da universidade com maior número de mulheres. Acho que mais de 90% dos alunos são do sexo feminino. Há mais de cem anos, desde que Florence Nightingale estabeleceu os primeiros cursos de enfermagem, a maior parte das enfermeiras são mulheres.
Eu particularmente acho isso muito legal, pois estar num curso de enfermagem é quase como estudar numa universidade feminina. Quase todos os seus professores e colegas são mulheres. As autoras dos livros de enfermagem são mulheres. As grandes referências e pessoas famosas que realizaram inovações na área de enfermagem nas últimas décadas (por exemplo, criaram uma nova escala para medir a dor em pacientes com demência ou criaram um novo diagnóstico de enfermagem) são mulheres. Isso é muito inspirador.
Não é fácil ser mulher e estudar no colégio e na universidade grandes descobertas em diferentes áreas do conhecimento (matemática, física, química, biologia, etc) somente tendo como referência nomes masculinos. Se você é homem, talvez ache que essa seja uma questão sem tanta relevância, mas para uma mulher ou um negro faz toda a diferença estudar sobre cientistas, filósofos, presidentes, etc, que foram ou são mulheres e negros. Inclusive, durante o curto período que fiz o curso de filosofia, um professor contou que uma vez criou uma disciplina somente para estudar o trabalho de filósofas mulheres negras africanas. Achei o máximo!
É claro que eu sou totalmente a favor que homens façam enfermagem. Acho ótimo que homens façam cursos “tradicionalmente femininos” e que mulheres façam cursos “tradicionalmente masculinos”. Isso quebra paradigmas.
A maior parte dos meus professores e colegas foram muito legais e grandes exemplos para mim. Lembro de alguns em particular que eu pensava: “Parece que nasceu para ser enfermeira! Quem dera um dia eu me torne uma enfermeira assim tão admirável!”. Eu também gostava muito quando pacientes me diziam: “Tu tens bem jeito de enfermeira!”.
Claro que não existe isso de “nasceu para isso” ou “tem jeito disso”, pois eu acredito que qualquer pessoa pode se tornar qualquer coisa que quiser, contanto que seja fisicamente possível nesse mundo.
Nós crescemos ouvindo professores, família e amigos nos dizendo que “Temos jeito para tal profissão” e é óbvio que ficamos felizes de escutar coisas assim, embora fiquemos tristes quando alguém nos diz: “Essa profissão não tem nada a ver com você”.
Meu conselho: se escutar alguém te dizer que certa profissão tem a ver com você, aceite o elogio com alegria, mas não acredite que só por causa disso aquela é a única profissão possível para você. Se, ao contrário, alguém te disser que você não serve para certa profissão, ignore-o e faça o que quer fazer. Ninguém te conhece tão bem quanto você mesmo (a não ser Deus). Alguns podem alegar que você está dentro de você e pode ficar cego para enxergar certas coisas que pessoas muito próximas de você enxergam. Mas quem vai ter que conviver com aquela profissão depois é você e não os outros. Então não faz sentido escolher uma profissão só para agradar alguém.
Eu escolhi a enfermagem sem ter nenhuma influência significativa de professores, família, amigos ou outras pessoas próximas ao meu redor (pelo menos que eu me lembre). Eu conhecia apenas freiras ou monjas que eram enfermeiras, ou autoras de livros que eu lia. Eu também me interessei pelo catolicismo exclusivamente por causa de livros que eu lia e não por influência de professores, família ou amigos, já que a maior parte das pessoas ao meu redor são ateístas ou não ligam para religião. De certa forma, essa é uma fonte de orgulho para mim, pois catolicismo e enfermagem são coisas que descobri “por mim mesma”e realmente mudaram minha vida.
Claro que no fundo não existe isso de algo que você descobriu totalmente sozinho, pois livros são escritos por pessoas. Então se você leu um livro e aquilo te mudou, foi aquela pessoa que te mudou. Mas pelo menos eu sei que não escolhi a enfermagem ou o catolicismo para agradar alguém, pois era algo que eu realmente queria. Então posso ficar em paz comigo mesma, sem o desejo de culpar ninguém caso a decisão não desse certo. Eu posso assumir toda a responsabilidade.
Evidentemente, você tem a liberdade de mudar de profissão ou religião a qualquer momento. Mesmo nas épocas da minha vida em que já mudei ou que eu vá mudar, sempre serei grata por todos os aprendizados que tive em todos os cursos, profissões e religiões que já passei e que ainda passarei.
Nesse texto eu fiz alguns comentários sobre o que eu penso a respeito do currículo do curso de enfermagem. Algumas coisas que escrevi lá eu vou repetir aqui, mas outras não. Nesse post pretendo selecionar apenas algumas disciplinas do currículo e comentar sobre elas. Depois, falarei de forma mais geral.
Aqui, caso tenha curiosidade, você pode ver o currículo completo do curso por semestre.
Anatomia
Pode-se dizer que essa é a disciplina mais “mística” dos cursos da área da saúde. É uma disciplina que cruza a fronteira da vida e da morte. Mesmo alunos que começam um curso e o abandonam no primeiro mês e não tiveram a oportunidade de atender pacientes, terão a oportunidade de tocar em ossos, músculos, vísceras e pele morta, sem precisar cometer um crime para isso.
Anatomia são aquelas aulas em que os alunos abrem os seus armários no corredor, vestem os jalecos brancos e tiram fotos em grupo com os jalecos para colocar nas redes sociais. No primeiro semestre todo mundo acha o máximo usar um jaleco, porque é novidade.
Os cadáveres usados nas aulas de anatomia foram doados voluntariamente (diferente dos velhos tempos em que se roubavam cadáveres de cemitérios ou se usava o cadáver de condenados à morte). Desde o primeiro dia de aula, os professores ressaltam que devemos ter respeito pelos corpos mortos (que eles chamam de “peças”). É proibido tirar fotos lá dentro, fazer piadas ou brincadeiras. É raro termos cadáveres novos para estudar, então normalmente estudamos nos antigos mesmo, com cheiro forte de formol. A não ser que sua universidade seja rica, então talvez você tenha sorte de conseguir um novo.
Os autores de livros de anatomia são célebres, como Netter ou Sobotta. O professor de anatomia logo nos mandou, já no primeiro dia de aula, comprar a edição mais recente do Netter. Eu comprei e tenho até hoje, junto com vários outros livros de mais de mil páginas que adquiri ao longo do curso para estudar, embora a maior parte eu tenha consultado ou retirado na biblioteca.
As provas de anatomia são notoriamente difíceis. Os professores de anatomia normalmente são cirurgiões. Eu precisava estudar no mínimo umas 30h para cada prova de anatomia e mesmo assim geralmente não era o bastante para uma nota alta. Meus colegas gravavam áudio de todas as aulas e para estudar eu os escutava de novo e novo. Fazia anotações, estudava no livro, via vídeos, estudava nos cadáveres, enfim. Eu até sonhava com os nomes dos ossos, músculos e inserções.
Essa disciplina é quase um ritual de iniciação e serve também para apavorar os alunos e botar para correr do curso quem acha que todas as disciplinas da faculdade serão tão difíceis quanto essa. Nas provas o professor coloca na sua frente diferentes peças e você tem uns 30 segundos para escrever os nomes. Inclusive, tive uma prova oral no curso de anatomia 2, que foi realmente terrível. Depois daquela prova, eu achei que eu estava pronta para enfrentar qualquer coisa na vida. No dia que eu estiver numa guerra, eu vou lembrar dessa prova de anatomia e encontrarei paz no meu coração. Eu pensarei: “Ainda bem que estou aqui nessa guerra e não na prova oral de anatomia 2”.
Biofísica
Essa disciplina eu fiz no Campus do Vale, que fica bem longe de onde moro. Lembro de ter que acordar bem cedo no inverno para pegar um ônibus e ir para o outro lado da cidade. Lembro também que eu tinha uma colega de Brasília que não estava acostumada com invernos frios e, diferente do resto de nós, estava feliz de estar lá no frio congelando com temperatura de 4 graus, de luvas e cachecol.
As aulas e provas dessa disciplina eram bem difíceis. Até hoje eu não entendo biofísica direito. Tínhamos aulas práticas no laboratório também.
Em apenas um dia de aula, muitas vezes eu e minhas colegas pegávamos o ônibus diversas vezes, porque tínhamos aulas em diferentes partes da cidade. Isso nos fazia perder tempo, mas tínhamos que nos acostumar e correr de um lado para outro. E nos cansávamos de explicar: “Professor, alguém botou na grade horária duas aulas seguidas em dois campus diferentes, então por favor, dê uma tolerância de chegada de pelo menos 15 minutos”.
Bioquímica
Professora super querida que nos deixava sair alguns minutos mais cedo e que terminou a disciplina algumas semanas antes, graças a Deus, nos deixando tempo livre para estudar para as outras provas. Era comum nos primeiros semestres do curso termos prova toda semana. Às vezes até umas três provas por semana.
Aprendi bastante bioquímica com essa disciplina. É importante para entender fisiologia. Eu tenho a última edição do livro do Lehninger.
Aliás, esqueci de dizer que o professor de anatomia 1 nos fez ler um livro sobre a história da anatomia em inglês. Nós nos dividimos em grupos e fizemos uma apresentação de Power Point (nós fazíamos apresentações de Power Point em quase todas as disciplinas. O nervosismo já nem era tanto, de tantas dezenas ou centenas de apresentações que fizemos ao longo do curso) sobre famosos anatomistas. Fui sorteada para falar sobre o John Hunter. Na época eu não fazia nem ideia de quem era esse cara, então eu comprei uma biografia dele para ler.
Li esse livro no meu primeiro semestre de enfermagem e desde então sou fã do John Hunter. Eu já li provavelmente centenas de biografias ao longo da minha vida, mas acho que essa é minha favorita. De todas as pessoas que já viveram, talvez ele seja a que mais admiro. Tanto pelas coisas que ele fez como porque a vida dele era totalmente maluca. Ele é o exemplo de uma pessoa que realmente ama o que faz e por isso me inspira.
Histologia
Tivemos aulas teóricas e também práticas em laboratório, com microscópios em que observávamos as lâminas. Em todas as aulas fazíamos desenhos coloridos do que víamos nas lâminas. Como eu adoro desenhar, eu amava essas aulas.
As provas de histologia também eram famosas, pois tínhamos que passar rapidamente por diferentes microscópios e tínhamos um tempo limite para escrever o nome do que víamos em cada um.
Normalmente a professora não corrigia as provas assim que terminávamos, mas lembro que naquela prova específica a professora tirou a folha da minha mão e corrigiu ali mesmo. Por sorte, foi bem a prova que eu gabaritei e a professora me devolveu toda feliz e me fez ficar feliz também.
Antropologia
Alguns currículos de cursos de enfermagem têm aula de sociologia em vez de antropologia, o que também é interessante. Mas eu amei ter aula de antropologia. Achei um diferencial especial no nosso currículo. A professora era maravilhosa. Eu amava tanto as aulas que não faltei nenhuma, mesmo quando teoricamente eu não precisava mais ir, porque já estava passada.
Aprendi várias coisas sobre a visão da área da saúde em diferentes culturas, homens, mulheres, negros, LGBT, religiões, tribos indígenas, etc. Abriu minha mente.
Tinha até uma disciplina opcional no curso em que os alunos visitavam uma tribo indígena. Meu colega me contou como foi legal a experiência. Infelizmente não consegui me matricular nessa, pois depois a professora que dava essa disciplina se aposentou.
Ecologia
Normalmente também não há essa disciplina em cursos de enfermagem, então também foi um diferencial no nosso currículo.
O professor era de Portugal e as aulas dele eram nada menos que fantásticas. Ele sabia tudo sobre… tudo. Ele recomendou vários livros em suas aulas e eu comprei e li pelo menos uns cinco livros que ele recomendou.
Eu era fã dessa disciplina e sentia o maior prazer em estudar para as provas. Outras colegas não gostavam dessa disciplina e eu nunca entendi direito o motivo (em compensação, elas às vezes gostavam de matérias que eu não curtia muito).
Fisiologia
Outra disciplina importantíssima e difícil. A professora era ótima, mas sempre nos fazia ficar na sala dez minutos depois do horário. Tínhamos várias aulas práticas.
Muitos citam a fisiologia ao lado da anatomia como as duas disciplinas básicas que você deve dominar para entender a área da saúde. Eu tenho esse livro aqui, que também é famoso na área:
Eu nunca li inteiro nenhum dos meus livrões de mais de mil páginas da área da saúde, mas alguns eu já li algumas dezenas ou centenas de páginas. Mas a maior parte eu usava para consultas, para estudar e para fazer trabalhos.
É claro que na prática você vai bem nas provas se decora os slides das aulas em vez de ler os livros. Na faculdade existe uma diferença entre decorar coisas para ir bem nas provas e esquecer logo depois, e realmente ler e aprender o conteúdo das disciplinas.
Esse é um longo assunto que eu vou deixar para outra hora. Sim, tem coisas que você tem que decorar e pronto, não tem que entender e esperar decorar “naturalmente”. Mas há métodos mais e menos efetivos para tudo isso.
Nutrição
Eu aprendi coisas importantes nessa disciplina. Por outro lado, como eu já li dezenas de livros de nutrição, vi que infelizmente algumas coisas de nutrição eles ensinam errado em sala de aula, o que é uma lástima. Mas isso acontece no mundo todo. A área da nutrição é um caldeirão de polêmicas.
Mas com certeza nessa aula aprendi coisas de valor sobre assuntos diversos que normalmente não se encontram em todos os livros de nutrição, como medir e pesar bebês e crianças, nutrição para bebês, consistência dos alimentos para doentes que não podem comer alimentos sólidos, etc.
Imunologia
Disciplina importante e interessantíssima. Amei essa professora, perfeita em todos os sentidos. As aulas dela eram interessantes, as provas acessíveis e ela era maravilhosa como pessoa. Isso tudo tornou o aprendizado de imunologia muito mais divertido para mim. Era um prazer ir nessas aulas e aprender, e não motivo de tensão.
Fundamentos filosóficos do cuidado em enfermagem
Uma disciplina de filosofia voltada à enfermagem, na qual víamos alguns aspectos teóricos da enfermagem. Estudávamos principalmente filósofos que falaram da área da saúde em seus escritos, como Michel Foucault, Heidegger e outros.
Lembro que uma vez fui fazer uma apresentação de Power Point sobre a aids. Para isso eu pesquisei bastante sobre a história da aids e li uns três livros do Foucault para falar do que ele escreveu. Mas a professora me interrompeu no meio da apresentação para contestar algumas coisas que eu disse e deu uma polêmica, haha. Ainda bem que minhas colegas me defenderam. Foi um momento emocionante.
Mas ela era uma professora legal. Lembro que uma vez eu estava sentada num banco na Escola de Enfermagem lendo um livro e ela simplesmente tirou o livro da minha mão para ver o que era: “Clube da Luta” de Chuck Palahniuk.
Infelizmente essa professora morreu recentemente de covid-19. Eu fico feliz de ter tido a oportunidade de ter aulas com ela. Ela era um exemplo de pessoa que realmente fala o que pensa e me inspirou a ter coragem.
Microbiologia
Disciplina fantástica. Eu tive aulas de laboratório no microscópio com a mesma professora que foi a orientadora da minha irmã (minha irmã tem mestrado em microbiologia).
Lembro que nessa disciplina tínhamos que ler artigos científicos e depois apresentar os artigos no Power Point. Essa matéria me ajudou a estudar artigos. O artigo que apresentei era sobre MRSA (Staphylococcus resistente à meticilina).
Sistemas de informação e registros em saúde
Tínhamos essas aulas numa sala de informática. Nela aprendemos como mexer em alguns sistemas de computador direcionados a fazer registros de enfermagem.
Também aprendemos como fazer pôsteres para apresentar em eventos de iniciação científica. Nós montamos um grupo e fizemos uma dessas apresentações.
Essa aula era às 7h da manhã, horário terrível, mas era uma aula tranquila.
Saúde mental
Tivemos duas disciplinas com esse nome, correspondentes a aulas de psicologia e psiquiatria. Aprendemos sobre Freud e cia. Saúde Mental 2 foi mais prática, pois realmente atendemos pacientes psiquiátricos internados. Algumas colegas atuaram nos CAPS (Centro de Atenção Psicossocial). Como peguei o grupo de estágio hospitalar, pegamos os casos mais pesados.
Toda semana tínhamos que fazer uma apresentação sobre alguma condição psiquiátrica e decorar os significados de todos aqueles termos difíceis (obnubilado, por exemplo. Vários dos termos eu já nem lembro mais).
Embriologia
Bem importante. Foi a mesma professora da disciplina de imuno, então foi tranquilo. Toda semana fazíamos de dever de casa desenhos para entregar, era bem divertido (ou pelo menos eu achava, já que eu gosto de desenhar).
Farmacologia
O terror!! Brincadeira. Meus professores eram muito bons, farmacêuticos, e sabiam muito. Tanto farmaco 1 como 2 foram excelentes. Mas eu não ia bem nas provas, já que era muita decoreba de centenas de termos com os quais eu não tinha familiaridade.
Lembro que teve uma prova em que o professor colocou dezenas de caixas de remédios na nossa frente e tínhamos que responder questões da prova procurando coisas nas caixas. Achei bem criativo, mas foi difícil.
Patologia
Outra disciplina tão importante que só iremos perceber a real importância bem depois.
Mais um monte de termos novos para decorar. Mas a coisa pelo menos tinha um sentido. Estudamos bastante sobre câncer nessa disciplina também, embora eu ache que devêssemos ter uma disciplina apenas sobre câncer, outra só sobre diabetes, outra só sobre aids, outra só sobre vacinas, etc. E como ter tempo para ter tanta disciplina? Em vez de ter semestres na universidade deviam ser trimestres, como já ocorre em dezenas de universidades pelo mundo. Assim se otimiza o tempo.
Pesquisa em enfermagem
Um pesadelo de disciplina, mas foi importante. Eu não pretendo ir para a área da pesquisa, mas nessa disciplina nós fizemos um TCC em grupo. É difícil pensar em algo pior que isso (a prova oral de anatomia foi um rival de peso). Já é difícil fazer um TCC sozinho. Um TCC em grupo parece que vai facilitar nossa vida, mas só dificulta, com a divergência de opiniões.
Os meus colegas do grupo eram legais, mas a maioria eram técnicos de enfermagem e tinham pouco tempo de preparar as apresentações. Tínhamos que fazer uma apresentação de Power Point toda semana e sempre ficava tudo para a última hora. Então toda semana na noite antes do dia da apresentação eu ficava muito tensa, sem saber se daria tempo de completarmos a apresentação para o dia seguinte (às vezes terminávamos na biblioteca faltando cinco minutos para começar a aula. Não é por acaso que alguns colegas meus se entupiam de ritalina e rivotril).
Bioestatística
Não me pergunte o que eu aprendi nessa disciplina, porque eu não sei. Eu só passei nas provas. Tivemos que comprar esse livro, que foi escrito por uma professora da nossa universidade:
Toda semana meu pai me dava aulas particulares de matemática (ele é muito bom em matemática) e me explicava as coisas que eu não entendi durante as aulas.
Bioestatística é muito útil para os alunos que pretendem ir para a área da pesquisa. Como eu já disse, eu não pretendo. Reconheço a importância e algumas aulas tiveram seus bons momentos. Eu aprendi uma coisa ou outra, mas eu não estava assim tão interessada.
Infelizmente meus professores sabiam tanto que tinham dificuldade de traduzir em termos mais simples para nós, meros mortais. Essa é uma história comum: professores que sabem demais, pensam que todos os alunos já compreendem os conceitos básicos e resolvem partir para os temas mais difíceis.
Parasitologia
As aulas que muitas colegas minhas achavam nojenta, enquanto outras amavam de paixão. Eu estava no meio termo: nem amava e nem odiava, mas achava muito úteis.
Como eu pretendo fazer trabalhos humanitários no futuro, para mim essa disciplina é muito importante, então eu me dediquei a estudar. Aprendi bastante. Em toda aula estudávamos novos bichinhos e vermezinhos lindos. A professora era ótima e apaixonada pela disciplina. Dá prazer aprender algo quando vemos a paixão do professor.
Cuidado em enfermagem ao adulto
Tivemos duas dessas disciplinas. Foi nosso primeiro estágio no hospital, no quarto semestre. Adulto 1 teve carga horária de 300 horas. Tínhamos 4h de estágio por dia, de segunda a quinta. Naquela época eu achava 4h muito. Depois que os estudantes fazem plantões de 12h, eles acham isso quase nada.
Tive duas professoras nesse estágio: uma super querida e outra bem rigorosa. Mas as duas sabiam muito.
Antes de começar as aulas práticas tivemos muitas aulas teóricas com slides, com muita coisa para decorar. Pela primeira vez tivemos que comprar nosso uniforme branco de enfermeira: uma blusa branca, um colete branco (mais uma blusa branca de lã para o inverno), uma calça branca, calçado branco. Somos orientadas a usar calcinhas de cor bege e não calcinhas com estampas de bichinhos, pois elas aparecem por baixo da calça branca e as professoras diziam: “Os pacientes já estão doentes, então vocês não querem deixá-los malucos”.
Teoricamente as mulheres podem usar saias brancas em vez de calças também (já vi uma enfermeira no hospital de saia), mas isso é cada vez menos comum no Brasil. É mais prático usar calça. Mas há alguns países em que as enfermeiras ainda usam saias e inclusive o quepe tradicional.
Nesse semestre ainda não havia vestiário separado para estudantes do sexo masculino e feminino no hospital. E nós sempre temos que ficar de calcinha e sutiã na frente das colegas (eu não me importo), mas eu ficava com um pouco de pena dos rapazes, que eram minoria na turma, e tinham que ficar só de cueca na frente das garotas.
Nessa disciplina tivemos muitas aulas de laboratório e com manequins para aprender a fazer os procedimentos (troca de curativo, punção, sondagem vesical, etc), dar banho e outras coisas.
Então durante o estágio fizemos na prática o que aprendemos no laboratório. Demos banho de leito nos pacientes, levamos ao banheiro, trocamos curativos, preparamos medicamentos e aplicamos, aprendemos a mexer na bomba de infusão, a usar o estetoscópio, a medir glicemia, etc.
Foi muita informação para um estágio só e eu fiquei meio assustada no começo. Foi meio traumático, inclusive. Teve uma vez em que eu fui aplicar morfina num paciente e perguntei para minha professora se eu devia aplicar todo o conteúdo da seringa. Ela se recusou a responder, virou-se e saiu do quarto. O paciente me disse:
— Mas essa tua professora é meio megera, hein?
Ainda tivemos que pegar um caso clínico de um paciente e montar uma apresentação para a turma, além de entregar um trabalho escrito super detalhado, nas normas da ABNT.
Foi uma disciplina realmente inesquecível, em muitos sentidos.
Epidemiologia
Outra disciplina importante, embora mais importante ainda para quem vá seguir na área da pesquisa (essa não sou eu).
Mas foi boa, aprendi coisas valiosas. Eu acho epidemiologia muito interessante (viva John Snow!). Agora, durante a pandemia, a epidemiologia está sendo ainda mais valorizada.
Cuidado em enfermagem às mulheres e aos recém-nascidos
Nessa disciplina foi a primeira vez que eu vi um parto normal e uma cesárea. Foi muito emocionante, derramei lágrimas nos dois.
Eu queimei meu filme com a professora logo nos primeiros dias de estágio. Não consegui entrar no primeiro dia no hospital porque meu cartão não passou na catraca e não fui autorizada a entrar por algum motivo, mesmo eu dizendo que era estudante e que meu cartão estava com problemas. No segundo dia de estágio resolvi o problema com o cartão, mas tive uma cólica terrível e acabei saindo mais cedo no segundo dia de estágio. O problema foi que não avisei a professora (pois naquele instante ela estava fazendo algo importante e eu não queria atrapalhá-la), então ela me deu um sermão no terceiro dia de estágio.
Eu raramente chegava atrasada ou saía mais cedo de aulas ou estágios. Mas todo mês, quando chega o dia da minha menstruação e cólica, eu rezava para não cair num dia de estágio, pois já tive muitas experiências ruins ao combinar estágio + menstruação (numa ocasião quase desmaiei no estágio porque a cólica ficou forte demais. Também já tive que sair mais cedo de uma aula de anatomia por causa disso e fiquei agonizando deitada num banco no corredor. Falando nisso, já cochilei num sofá da universidade dezenas de vezes quando faltava uma meia hora entre uma aula e outra, nas ocasiões em que eu ia dormir tarde para estudar para uma prova).
Obstetrícia é uma das áreas mais importantes da enfermagem. Você simplesmente tem que saber, não tem meio termo. Em posto de saúde, por exemplo, o que mais chega são pessoas com doenças sexualmente transmissíveis e mulheres grávidas. Tem que ter isso na ponta da língua.
Cuidado em enfermagem ao recém-nascido, criança e adolescente
Neo e pediatria. Eu não sou muito fã da área da pediatria, mas eu gosto de neo. Perdi a conta de quantos banhos eu e minhas colegas demos em bebês.
Também atendi muitas crianças com fibrose cística nesse estágio. É bem triste, porque elas costumam morrer cedo, ainda adolescentes ou jovens adultos. Tem até aquele filme (e livro) de ficção sobre isso, “A cinco passos de você”.
Genética
Muito legal a disciplina! Adorei preparar o Power Point de genética. O trabalho do meu grupo foi sobre anemia falciforme. Lembro que retirei dois livros da biblioteca sobre isso e me dediquei a fazer os slides.
Eu acho incrível que a anemia falciforme proteja as pessoas da malária.
Cuidado em enfermagem na saúde coletiva
Tivemos três dessas disciplinas, boa parte prática, com estágios em unidades básicas de saúde. Lembro de um estágio interessante em que fizemos uma apresentação sobre doenças sexualmente transmissíveis em algumas escolas da região.
Fazíamos muitas visitas domiciliares, visitando as pessoas em suas casas. Muitas casas são de uma pobreza imensa. Ficam em becos escuros, sem janelas. No chão há um monte de comida jogada, sujeira, incluindo um monte de fezes de gatos e cachorros. Pilhas de panelas e pratos nas mesas e pias por lavar, por semanas. Um monte de moscas e insetos. Crianças na casa que jamais escovaram os dentes na vida e não querem começar a escovar. Pessoas na casa com pressão alta, diabetes, aids e mais um monte de doenças, que não estão se tratando direito. Pessoas que recusam vacinas. Enfim, é difícil saber por onde começar a conversar e explicar. E temos que respeitar se uma pessoa recusa um tratamento, é claro.
Administração
Eu não gosto de administração, embora eu reconheça que é importante. Essa disciplina também foi meio traumática para mim. Estudamos Henry Ford e outros caras.
Sobre meus dois últimos estágios curriculares e TCC, eu já falei a respeito nesse texto.
Eu não falei sobre todas as disciplinas do curso aqui, mas acho que falei da maior parte.
Sou muito agradecida pela oportunidade incrível de poder fazer um curso universitário. Embora não pareça, uma parcela mínima da população mundial tem uma graduação. É um privilégio para poucos, então é um privilégio que devemos aproveitar, se tivermos a oportunidade.
Nem sempre eu valorizei graduações. Antigamente eu achava que não eram assim tão importantes. Mas eu mudei de ideia após me envolver com religiões. Ao visitar mosteiros e conventos budistas e católicos que proibiam que suas freiras e monjas fizessem um curso de graduação (mas permitem que os monges homens façam), eu passei a reconhecer como é incrível e como eu tenho sorte de ter a chance de morar num país que oferece cursos universitários, às vezes de graça e às vezes pagos, mas que oferece.
Eu também li muitas histórias de países em guerra e de pessoas pobres de países distantes que não tinham universidades em suas cidades ou países, ou que as universidades foram destruídas por bombas. Inclusive, 13 anos atrás eu tive um namorado de um país da África que contou que só havia uma universidade no país todo e que essa universidade só oferecia uns três cursos. Por isso ele veio para o Brasil estudar com uma bolsa de estudos, pois se esforçou para obter notas altas.
Os brasileiros costumam criticar muito o Brasil, mas eles precisam aprender a valorizar mais aquilo que possuem. Nenhum país é perfeito e, comparando com a maior parte dos países do mundo, nós temos muito.
Mas, claro, nenhum curso universitário é perfeito. Todo currículo tem problemas, tanto que eles são atualizados regularmente. Na época que entrei na enfermagem havia recém começado o novo currículo (que, na minha opinião, melhorou algumas coisas e piorou outras).
Eu não sou uma especialista no assunto, mas já li alguns livros sobre educação. Se eu fosse a responsável por elaborar o currículo de enfermagem, aqui estão algumas mudanças que eu faria no curso:
1- Três anos de duração
O curso de enfermagem dura 3 anos na Inglaterra e na Austrália; 4 anos nos Estados Unidos, Canadá e África do Sul; 5 anos no Brasil. Não sei sobre os outros países.
Há vantagens e desvantagens em tornar o curso mais longo ou mais curto. Há perdas e ganhos, não se pode ter tudo.
Vamos pegar o exemplo da Inglaterra. Lá uma graduação de enfermagem dura 3 anos porque, pelo que eu saiba, não existem mais técnicos de enfermagem lá.
O que aconteceria num país sem assistentes e técnicos de enfermagem e no qual a graduação de enfermagem durasse 5 anos, como no Brasil? Obviamente, o país entraria em colapso. Simplesmente não haveria enfermeiros o bastante.
A tendência em todos os países é que no futuro o curso técnico de enfermagem seja eliminado, assim como a profissão de assistente de enfermagem já foi eliminada em boa parte dos países. Isso porque eles querem qualificar cada vez mais seus profissionais. Por quê?
Os estudos mostram que os enfermeiros tendem a cometer mais erros quanto menos estudo possuem. Faz sentido que em uma graduação de 5 anos de enfermagem se aprenda mais do que numa graduação de 3 anos e que ela seja mais valorizada pela maior duração. Porém, é preciso ter um equilíbrio.
No mundo ideal, não haveria mais técnicos de enfermagem, somente graduações de enfermagem com 5 ou até 6 anos de duração. Isso aumenta o aprendizado teórico, prático e diminui os erros.
Mas nós não vivemos num mundo ideal e isso é difícil para muita gente entender. O que interessa é o que funciona na prática e não na teoria. Não adianta você criar, por exemplo, um sistema novo de governo ou política que seja lindo no papel, mas que na prática produza um caos.
Estamos na época da pandemia e o mundo está um caos com falta de médicos e enfermeiros em todos os países. Porém, sempre houve falta de médicos e enfermeiros em todos os países, bem antes da pandemia. Mesmo nas capitais dos países mais ricos, o que dirá em países que nem sabemos o nome. Também há falta de fisioterapeutas, farmacêuticos, psicólogos, etc, mas vou tentar me focar no problema da enfermagem aqui.
Vão acontecer outras pandemias e guerras no futuro. A situação da atual pandemia não é uma exceção ou um caso excepcional. A história mostra isso. “Nossa casa está em chamas” disse Greta Thunberg bem antes da pandemia. Ainda assim, querem nos fazer acreditar que temos muito tempo a desperdiçar brincando na faculdade, como se não tivéssemos urgência de criar novos profissionais nas mais variadas áreas.
Em primeiro lugar, cursos longos são para a elite. Pessoas de classe média baixa, ou seja, em geral a maior parte da população, precisa trabalhar para se sustentar desde cedo. Algumas pessoas de classe média também. Como essa pessoa vai conciliar trabalho junto com um curso que dura 5 ou 6 anos?
Você não está qualificando os profissionais de um curso ao aumentar a duração deles. Você está somente dizendo: “Esse curso é para ricos, pobre não entra aqui”.
Aumentar a duração de um curso automaticamente aumenta o número de homens brancos e ricos nele. Ou seja, aumenta a desigualdade social. Como uma mulher grávida e com filhos, que precisa trabalhar, pode fazer um curso universitário longo? (Vi várias colegas minhas tendo que trancar a faculdade quando engravidaram ou quando tinham que cuidar de um filho pequeno e não tinham com quem deixar. Isso é muito injusto). Como uma mulher negra da periferia, independente de ter filhos ou não, vai conseguir se manter e estudar ao mesmo tempo? Quantas horas ela perde num ônibus por dia para chegar na faculdade? Ela vai se sentir segura numa parada de ônibus às quatro da manhã, tendo que pegar plantão no hospital antes das 7h da manhã?
Claro, para tudo isso existem cotas, casa de estudante, auxílio refeição e mais um monte de coisas, mas essas coisas existem para corrigir outras coisas que já estão erradas em sua base. Então, além de dar todos esses auxílios, deve-se começar a pensar em mudar a base. E na minha opinião, a longa duração de alguns cursos é parte do problema e não da solução.
Uma vez eu escutei numa palestra que na Austrália o curso de enfermagem dura apenas 3 anos porque quase todos os estudantes, assim que saem da graduação, iniciam uma pós-graduação (mestrado ou especialização).
Isso faz muito mais sentido do que criar uma graduação de 5 anos que te impede de trabalhar durante mais dois anos. No máximo, você pode trabalhar como estagiário e ganhar 400 reais por mês.
Não é muito melhor tanto para o estudante individualmente quanto para o país uma graduação de 3 anos? A pessoa já começa a ganhar um salário após 3 anos. O hospital ou posto de saúde já ganha um novo enfermeiro para cobrir a falta deles.
A formação do enfermeiro é generalista e é importante que seja assim, para que ele tenha experiência em várias áreas. Mas depois que escolhe sua área de atuação, ele pode se especializar e deve ser incentivado a isso.
OK, mas um curso que dura apenas 3 anos pode ensinar a um enfermeiro tudo que ele precisa saber? É aí que entra minha segunda sugestão.
2- Cursos universitários com trimestres e não semestres
Com trimestres em vez de semestres, um curso universitário pode ser feito na metade do tempo sem faltar nenhuma disciplina no currículo.
Assim como temos o exemplo de países como Inglaterra e Austrália para provar que um curso de enfermagem de 3 anos funciona sem prejuízo na aprendizagem, temos o exemplo de dezenas ou talvez centenas de universidades pelo mundo que trabalham com trimestres em vez de semestres. Muitos colégios fazem isso e sabemos que funciona.
Eu não estou propondo aqui uma teoria que não foi testada na prática, mas algo que já foi exaustivamente testado com sucesso. Então eu não preciso provar que minha proposta funciona, pois nós sabemos que sim.
Uma das maiores críticas que eu tenho ao curso de enfermagem é o fato de que muitas disciplinas apenas se arrastavam sem necessidade no decorrer dos meses. Há disciplinas teóricas que só precisamos saber o básico, pois não iremos usar na prática da profissão. Não há necessidade de estendê-la por seis meses, apenas esperando o dia de estudar para a prova e acabar com aquilo. É uma perda de tempo desnecessária.
Na visão dos professores, seis meses é pouco tempo para ensinar tudo o que eles acham que precisamos saber. Tudo bem, eu não sou professora e nunca fui. Não tenho o ponto de vista de um professor. O que eu apresento aqui é apenas o ponto de vista de uma estudante. Confesso que pode haver limitações na minha visão, exatamente porque não tenho experiência lecionando.
Mesmo assim, é normal que estejamos interessados e empolgados em saber algo no início da disciplina e com o passar das semanas vamos perdendo o interesse. Para tornar o estudo mais direto e focado, nada mais natural do que nos atermos direto ao ponto. Isso funciona em colégios. Trimestres funcionam bem para impedir a dispersão dos alunos.
Inclusive, já estudei uma vez num colégio (Leonardo da Vinci) que funcionava num esquema de bimestres e não trimestres. Isso era ainda mais efetivo. Estudávamos o conteúdo e tínhamos a prova quase em seguida. Tudo ainda estava fresco na memória.
Mas vamos um passo de cada vez. Primeiro proponho mudar para trimestres. Não sei se há universidades que funcionam com bimestres.
No caso dos estágios de enfermagem, arrastá-los ao longo de seis meses era tão ruim ou ainda pior do que as disciplinas teóricas. Em alguns estágios, bastava um ou dois meses para termos noções gerais. Era inútil prosseguirmos repetindo as mesmas coisas mil vezes, até a exaustão. Com a exceção de procedimentos, que devem mesmo ser repetidos dezenas ou centenas de vezes até serem dominados.
Mas é cansativo termos a mesma rotina, em vez de explorar outros andares e áreas do hospital. Devíamos rodar pelo menos alguns dias por todas as áreas. Não adianta fazer 300 ou 400 horas de estágio num andar só. Seria muito melhor, por exemplo, fazer 50h em 6 ou 8 andares diferentes, para ter aprendizados mais variados.
Algumas colegas reclamam que preferem ficar com os mesmos pacientes por mais tempo em vez de mudar. Eu sou do tipo que gosta de aprender mudando também. Talvez isso também dependa do estilo da pessoa de trabalhar.
3- Aulas práticas desde o primeiro semestre/trimestre
Eu já li vários livros sobre história da enfermagem e da medicina. No começo, as enfermeiras estudavam apenas poucos meses, depois 1 ou 2 anos, com aulas principalmente práticas. Começou-se a notar uma lacuna nas profissionais e viu-se a necessidade de ter aulas teóricas. Algo parecido ocorreu aos estudantes de medicina. Antigamente quem faziam as cirurgias eram os barbeiros-cirurgiões, que estudavam apenas a prática e nada de teoria. Depois se viu a necessidade do estudo teórico também.
Portanto, a história nos mostra que um bom profissional deve saber tanto teoria quanto prática. Claro, a prática é mais importante, pois significa o que a pessoa fará de fato. Sem prática um enfermeiro ou médico pode ser um cientista ou professor, mas não um profissional que atende pacientes. Sem teoria é possível ser um enfermeiro ou médico, mas com lacunas graves. Aprende-se um pouco da teoria com a prática, mas é fundamental ter estudado em livros para deixar tudo claro.
Sendo assim, o foco do curso de enfermagem deve estar sempre na prática (de preferência mais da metade do curso deve ser prático), mas a teoria também deve estar presente.
Atualmente o curso de enfermagem de 5 anos no Brasil estrutura teoria e prática de uma forma meio estranha. Nos primeiros três semestres estuda-se teoria loucamente. Mata-se o aluno com umas oito disciplinas por semestre só de teoria. Enfiamos provas e provas toda semana goela abaixo.
Então, subitamente, no quarto semestre há a primeira prática. Pega-se o aluno totalmente verde e o obrigamos a realizar um monte de procedimentos de uma vez só. Um tipo de terapia de choque, o que foi para mim de fato. É como jogar um aluno dentro da jaula do leão, fazê-lo ter uns três ataques cardíacos e perder um braço e depois argumentar: “Viu, esse sistema funciona. Da próxima vez que você for jogado na jaula do leão, não terá medo, pois já passou pelo pior”. É esse o argumento usado para justificar esse método.
Nos semestres iniciais do curso às vezes passeamos pelo hospital ou visitamos um posto de saúde por um ou dois dias só para dar um oi. Ou seja, é oito ou oitenta: ou fazemos uma visita de um dia, ou nos colocam para fazer procedimentos por longas horas. Não tem meio termo?
Se eu fosse presenteada com a chance de montar um currículo de enfermagem, eu colocaria, desde o primeiro semestre, metade das disciplinas teóricas e metade práticas. Ou dois terços práticas e um terço teóricas, desde o início.
O aluno vai aos poucos conversando com os pacientes. Ele vai perdendo o medo de hospital. Acompanha um profissional o dia todo, seguindo-o e observando-o (isso se chama “shadowing” em inglês). Pouco a pouco faz os procedimentos mais simples, com o auxílio da enfermeira. Faz uma parte dos registros mais simples.
Eu não sou a favor de jogar um balde de água fria na cabeça. Entupir o aluno de provas e depois entupi-lo para decorar mil e um procedimentos e nomenclatura hospitalar com a qual não tem familiaridade nenhuma.
Atualmente, algumas das mais famosas universidades do mundo, além de usar o sistema de trimestres, fazem com que os alunos de medicina e enfermagem já tenham aulas práticas desde o primeiro trimestre.
Ou seja, eu não estou trazendo nenhuma ideia genial aqui. Apenas estou descrevendo como funcionam as coisas nessas universidades. Observou-se que os alunos entendem a teoria com muito mais facilidade quando ela é combinada com experiência clínica desde o início.
4- Retirar disciplinas desnecessárias e acrescentar disciplinas necessárias
Após ter terminado o curso de enfermagem, eu observei diversas lacunas no meu aprendizado, tanto práticas quanto teóricas. Claro, isso é normal em qualquer curso e em qualquer pessoa. Nenhum curso é perfeito e ensina tudo.
E você não pode pegar o exemplo do melhor aluno da turma para provar que um curso é bom. Afinal, o melhor aluno da turma (ou seja, o que tira notas mais altas, o que não necessariamente significa que ele seja o “melhor” em tudo), além de provavelmente estabelecer uma rotina de estudos todo dia, muito possivelmente estuda por conta própria coisas que não foram ensinadas na universidade, para complementar seus estudos e preencher as próprias lacunas sozinho. Além do mais, em muitos casos esse aluno vem de uma família de mais poder aquisitivo, não precisa trabalhar e tem mais tempo livre para fazer estágios opcionais, monitoria, iniciação científica e todo tipo de coisa para complementar seu currículo.
Para provar que o currículo de um curso é bom, é preciso ter o raciocínio oposto: mostrar que até o pior aluno do curso (que não é de fato o pior, mas tira notas mais baixas) está aprendendo. Mostrar que inclusive o aluno de menor poder aquisitivo, com menos tempo livre, que tem que cuidar dos filhos e trabalhar, consegue se beneficiar com o currículo. Afinal, o curso deve ser feito tendo em vista ensinar a maior parte dos alunos (mais pobres e sem tempo livre) e não ser feito direcionado apenas a uma elite privilegiada, rica e incrivelmente disciplinada.
Em geral, os professores jogam toda a culpa nos alunos, alegando que eles não estudam porque são preguiçosos. Sim, os alunos também devem se dedicar, mas fará toda a diferença se o professor tiver uma boa didática, se os trabalhos, provas e a própria estrutura do curso (relevância das disciplinas, horas-aula, etc) estiver adequada.
Nós sabemos que a anatomia e a fisiologia são a base do curso. Portanto, na minha opinião, devíamos estudar essas disciplinas do início ao fim do curso, ou ao menos nos dois primeiros anos. Por exemplo, num curso de 3 anos com trimestres, no primeiro ano estudaríamos anatomia 1, 2, 3 e 4. E fisiologia 1,2,3 e 4. No segundo ano, talvez anatomia 5, 6, 7, e 8. E fisiologia 5, 6, 7 e 8.
Em cursos de medicina, talvez na USP, se não me engano, a fisiologia é tão importante que a disciplina não se chama fisiologia, sendo dividida em disciplina sobre o sistema respiratório, outra disciplina só sobre o sistema digestório e por aí vai. A anatomia também poderia ser dividida em anatomia da cabeça e pescoço, anatomia dos membros superiores, etc. Ou anatomia dos ossos, anatomia dos músculos, etc.
Isso faz diferença porque conforme você adquire experiência clínica e cirúrgica, sua visão sobre a anatomia e a fisiologia mudam. E você precisa sempre revisitar essas disciplinas.
Ah sim, esqueci de dizer que fiz três disciplinas opcionais no meu curso de enfermagem. Uma foi radiobiologia, a outra libras e uma terceira de bioquímica aplicada a casos clínicos. Na radiobiologia eu estudei o efeito da radiação nos seres humanos, voltado para a área de enfermagem. Tive essa aula com um professor da Colômbia, que fez parte do seu curso de física na Rússia e na Alemanha, então ele sempre tinha histórias interessantes para contar. A disciplina de libras eu tive com uma professora surda. Eu já tinha noções da linguagem de sinais, pois aprendi o básico no colégio, mas foi muito legal aprender coisas novas na universidade. Eu já atendi tanto pacientes surdos quanto cegos, então acho que um conhecimento básico de libras e principalmente da cultura dos surdos é fundamental.
O curso de enfermagem da minha universidade tinha um currículo bem fechado, com pouca chance de escolher disciplinas diferentes. Às vezes pode ser bom um currículo mais aberto, para já ir encaixando disciplinas extras conforme sua área de interesse e futura área de atuação.
Disciplinas como biofísica, bioquímica e histologia são importantes para o estudante de enfermagem, mas acredito que baste apenas um trimestre de aulas de cada, para termos apenas noções. Em compensação, sugiro focar mais na parte da patologia e farmacologia, por exemplo.
Na prática clínica, temos que saber os nomes dos medicamentos. Temos que saber os nomes das doenças, seus sintomas e tratamento. É nisso que o curso precisa focar.
Além disso, devíamos ter uma disciplina apenas para pronto-socorro e emergência. Uma disciplina só de UTI. Felizmente temos uma disciplina só de obstetrícia, mas acho que tínhamos que fazer mais partos.
Se alguém chamar um enfermeiro na rua um dia para ajudar, provavelmente será para prestar cuidados de primeiros socorros. Então ele tem que saber fazer uma RCP (reanimação cardiorrespiratória), parar um sangramento, cuidar de uma queimadura, de um afogamento, saber fazer um parto de emergência. E se houver uma pandemia ou guerra e um enfermeiro for convocado, experiência em emergência e UTI são cruciais.
Na hora da emergência, não vai fazer diferença se você souber a fundo bioquímica e sim se sabe resolver a situação (eu gosto de bioquímica e exatamente porque sei o quanto ela é importante, que estou usando até mesmo ela como exemplo).
Tínhamos que ter uma disciplina só de vacinas. Uma só de doenças tropicais. Tínhamos que estudar mais casos clínicos e discuti-los. Enfim, são muitas coisas que poderiam melhorar.
Conclusão
Eu me diverti no curso de enfermagem. Parecia que eu estava em outro mundo, num tipo de história de fantasia, numa universidade feminina estudando para ser maga ou clériga, para adquirir poderes de cura especiais.
E, de fato, a ciência é muito semelhante à magia. E eu pretendo prosseguir meus estudos em Hogwarts, após talvez um ou dois anos de prática. Como estamos num momento de pandemia, primeiro quero ajudar nessa parte. E depois nós veremos. Afinal, estou ansiosa para botar em prática tudo que aprendi.
Só achei desnecessária toda a pressão dos professores, dando discursos moralistas e nos fazendo estudar desesperadamente para provas, tornando meus colegas viciados em café e em remédios. Sem falar nesses turnos ridículos de hospital. Antigamente os estudantes faziam, sei lá, 40 horas seguidas de trabalho. Isso foi uma tradição americana que veio de John Hopkins, porque o reitor dessa universidade era um viciado em drogas, por causa disso conseguia ficar sem dormir vários dias seguidos e achava que todos os alunos dos cursos de saúde tinham que fazer o mesmo (infelizmente essa história é real).
É meio idiota ter que fazer um curso de cinco anos sem dormir direito, se matando de estudar e fazendo turnos longos no hospital, incluindo às vezes noites, madrugadas e de manhã bem cedo. Se um curso não permite nem mesmo que os próprios alunos tenham saúde, como eles esperam formar profissionais que dão saúde para seus pacientes?
Se for na vida real, você se vira com o que dá. Mas numa universidade, não tem motivo para dificultar a vida dos alunos de propósito. Alguns podem alegar que esse pensamento deriva do treinamento militar. Se você estiver treinando médicos e enfermeiros para a guerra, até que esse raciocínio faz o mínimo de sentido, mas o objetivo de uma universidade geralmente é treinar civis.
De qualquer forma, se você quer treinar bons profissionais para atuar em épocas de pandemia e catástrofes, faz mais sentido dar a eles cursos extras de primeiros socorros em vez de deixá-los sem dormir por motivo nenhum, só para provar que os alunos são “durões”. Inclusive eu já li o volume 1 do “War Surgery” da Cruz Vermelha (e estou lendo o 2) e lá é dito especificamente o quanto boas noites de sono são importantes para que os profissionais prestem um atendimento adequado aos pacientes nas guerras.
Eu não falei aqui sobre a questão das provas e trabalhos (sistema de avaliação) e sobre o sistema de rodar alunos. Esse é um tema polêmico e difícil. Também não falei muito sobre os famosos trabalhos em grupo. Como esse texto já está grande, preferi não ir a fundo nisso, mas tenho minhas opiniões a esse respeito também.
Sou grata à minha faculdade e aos meus professores por ter aprendido tanto. Aprendi muito em estágios, em vídeos, livros, etc, tudo ajudou. Não, o curso não é perfeito, mas tenho certeza que saí dele uma pessoa melhor do que quando entrei. Tenho confiança e segurança suficientes de que posso fazer um bom trabalho. E espero ter a humildade de admitir quando eu não souber algo e sempre ir atrás pesquisar e procurar a resposta. O processo de aprendizado nunca acaba, mas continua por toda a vida.