Religião e Disciplina

Wanju Duli
23 min readNov 3, 2020

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Quando algumas pessoas ficavam sabendo sobre minha conversão para o cristianismo alguns anos atrás, havia vários tipos de comentários interessantes. Um deles era algo como: “Eu era católico, mas deixei de ser na adolescência. Boa sorte nessa sua nova jornada”. E outro comentário que me chamava a atenção era: “Ah, nossa, se converteu ao cristianismo! Isso é tipo sério, né? Você vai ter que ir na igreja todo domingo”.

Quanto ao primeiro comentário: é verdade que eu não fui criada num lar católico e não passei a infância indo para a igreja todo domingo, como muitos brasileiros da minha geração. Mas isso não significa que eu não tenho uma história com o cristianismo. Eu não comecei a ser cristã do nada e não comecei do zero. Já estudei em colégios cristãos, já tive aulas de religião e decidi ler a Bíblia inteira pela primeira vez aos 17 anos.

Sete anos atrás eu decidi me crismar na Igreja Católica por motivos principalmente práticos. Eu estava com muita vontade de fazer retiros em mosteiros católicos, pois até então eu só tinha feito retiros em mosteiros budistas. E eu descobri que muitos locais para retiros católicos só aceitavam receber pessoas batizadas e crismadas, que tivessem pelo menos um ou dois anos de vivência católica após a crisma, indo à igreja todo domingo, rezando todo dia, etc.

Eu tinha intenção de me tornar católica naquela época? Não sei ao certo. Eu queria apenas fazer um retiro. E quanto mais difícil e exclusivo parecia o acesso àqueles mosteiros, mais vontade me dava de ir até lá para descobrir como era. Por isso eu fiz tudo: crismada, indo à igreja, rezando. Tudo isso porque eu queria ser aceita naqueles conventos e mosteiros difíceis de entrar.

Então eu finalmente consegui fazer meu retiro. Gostei tanto que não fiz apenas um. Eu fiz mais de cinco. Mas se eu achava que meu coração passaria por toda essa experiência sem se mover, eu estava completamente enganada.

Eu tinha uma visão do cristianismo antes de adentrar tão profundamente nesse mundo. Depois de ler mais de 300 livros de cristianismo, fazer tantos estudos da Bíblia e tantos retiros, rezar o rosário, orações, confissões, etc, algo mudou em mim. Eu entendi um pouco mais porque tanta gente é cristã e ama o cristianismo.

Para mim o cristianismo é especial porque foca muito na questão do amor e da humildade, mas não se trata de um amor qualquer. É um amor tão forte que você quer morrer pelo outro, como Cristo. Eu me encantei particularmente com as histórias dos santos e mártires. Claro, cada pessoa gosta do cristianismo por motivos diferentes. Mas esses foram os meus.

Nós vivemos num mundo em que há muitos problemas, principalmente porque pensamos primeiro (ou às vezes quase exclusivamente) em nós mesmos, família, amigos e pessoas próximas. Quando Cristo nos convida a amar nosso inimigo isso é incrível. Os mártires cristãos (e de outras religiões) estavam prontos a morrer por desconhecidos.

Todos conhecem a importância do amor, mas muitos só estão dispostos a amar os outros na medida em que minha felicidade e minha integridade física e mental não é ameaçada. Por isso comecei a admirar religiões como cristianismo e islamismo que dizem para dar tudo de si para Deus. É uma entrega completa, uma submissão. A palavra “Islã” significa submissão.

https://www.khilafah.eu/kmag/article/islam-a-religion-of-peace-or-submission

Quando eu me tornei budista no fim da adolescência, ninguém exigia de mim algum tipo de compromisso formal, como um batismo. Ninguém achava que eu devia ir ao templo toda semana ou ter a obrigação de meditar todo dia. É verdade que eu fazia todas essas coisas. No primeiro ano em que me tornei budista, eu ia ao templo quatro vezes por semana (e fiz isso por mais de um ano) e meditava no mínimo umas três horas todos os dias.

Mas ninguém ao meu redor ficava fiscalizando ou me considerava mais budista ou menos budista se eu ia ao templo ou meditava mais vezes. No entanto, a situação é bem diferente se você é cristão ou muçulmano. Essas são consideradas religiões tão “sérias” que converter-se significa estabelecer um compromisso que irá exigir um grau muito elevado de disciplina.

Pelo menos da forma que o budismo é ensinado no ocidente, embora a disciplina seja muito encorajada no budismo, normalmente não há um código moral tão rígido a seguir. As pessoas meditam e vão para o templo, falam da iluminação. Mas nem sempre há essa ênfase em fazer trabalhos de caridade e ajudar os outros da forma que há no budismo em alguns países do oriente. E da forma que há no cristianismo e no islamismo.

Se você diz que é católico mas não vai para a igreja todo domingo, as pessoas vão dizer que você é um “católico não praticante”. Esse é um termo meio estranho, pois ir à igreja todo fim de semana é apenas um dos aspectos do catolicismo. Há muitos outros. E se a pessoa não vai para a igreja, mas reza todo dia? E se ela faz trabalhos de caridade? Então ela é menos católica apenas porque não vai para a igreja?

Se você diz que é muçulmano mas não faz as cinco orações diárias, muita gente vai achar que sua fé não é tão forte. Mas islamismo não diz respeito apenas a essas cinco orações diárias. E se a pessoa sente mais inclinações a ler frequentemente o Alcorão? E se ela faz doações (zakat)?

Por outro lado, se você é ocidental e diz que é budista, ninguém vai achar que você é menos budista se você não medita e não vai ao templo com frequência. Talvez porque alguns se tornem budistas ou escolham outras religiões (hinduísmo, taoísmo, etc) porque não concordam com alguns aspectos da religião dominante no país delas, como cristianismo.

Uma das coisas que muita gente não gosta no cristianismo é a obrigação de ter que fazer alguma coisa. Muita gente não quer ter o compromisso de ir à igreja toda semana. Ou de ter que seguir certas regras em relação à vida sexual. Tudo isso parece ter pouco a ver com amor, o centro da religião.

Por motivos parecidos, muita gente não gosta de islamismo. Muitos não querem ter a obrigação de rezar cinco vezes por dia em horários determinados e fazer um ritual de limpeza antes. Muitos não querem jejuar durante o Ramadã ou ter que deixar de comer carne de porco.

Porque muitos consideram esses detalhes desnecessários, invasivos demais ou acham que dá muito trabalho, cristianismo e islamismo não parecem religiões atraentes. Nós queremos a liberdade de fazer o que desejarmos, pois consideramos que esse tipo de liberdade irá nos trazer felicidade.

Acredito que um dos problemas é a questão do perfeccionismo (falo mais sobre isso nesse texto). Existem pessoas que só aceitariam se tornar católicas se pudessem ou concordassem em cumprir quase perfeitamente todos os principais preceitos do catolicismo. Se é para “fazer de qualquer jeito”, ser católico mas não cumprir os chamados requisitos mínimos da religião, que é ir à igreja uma vez por semana e rezar todo dia, por exemplo, então essas pessoas preferem não fazer.

Por quê? Porque elas só jogam se for para ganhar. Mas cristianismo é exatamente sobre aceitar que somos imperfeitos e que perfeito é só Deus! É claro que desde a época do cristianismo primitivo a maior parte dos cristãos não eram capazes nem de cumprir os requisitos mínimos do cristianismo. Mas mesmo assim elas faziam o que podiam. Tanto que os chamados santos e mártires são tão poucos em relação à maior parte dos cristãos (por levarem vidas muito disciplinadas e compassivas) que seus nomes se tornaram célebres.

Existem muitas pessoas que optam por seguir o cristianismo protestante ou evangélico não porque acham que essas formas são mais próximas da verdade, mas porque não concordam com algumas regras da Igreja Católica e acham que terão mais liberdade de praticar como querem fora dela. É claro que uma pessoa pode se tornar protestante ou evangélica pelos mais variados motivos e essas também são formas válidas de cristianismo (C.S. Lewis era protestante e é um dos autores mais maravilhosos de cristianismo). Mas também é verdade que muitos não se tornam católicos ou deixam o catolicismo porque não concordam com certas regras e doutrinas.

Vou pegar dois exemplos de pessoas. Vamos supor que uma pessoa abandonou a Igreja Católica porque tinha preguiça de ir para a igreja todo domingo. Em vez de admitir que ela tinha preguiça ou que achava chato assistir missas, ela diz: “Não concordo que a Igreja exija que se vá a igreja todo domingo. Vou deixar de ser católica porque quero rezar do meu jeito e nos meus horários”. Agora, vamos supor que uma segunda pessoa se considera católica, mas deixou de ir para a igreja (o famoso “católico não praticante”). Se você perguntar a ela, ela irá admitir que tem preguiça de ir para a igreja ou que acha as missas meio monótonas. Ainda assim, ela não deixou de ser católica.

Eu prefiro o pensamento da segunda pessoa, não porque eu ache que ser católico é melhor do que não ser católico. Preguiça é algo natural, todos temos. Eu tenho preguiça de fazer muitas coisas. As duas pessoas do meu exemplo têm a mesma quantidade de preguiça e deixaram de ir para a igreja. A diferença entre elas é apenas que a segunda pessoa tem a humildade de admitir que está com preguiça, enquanto a primeira prefere criticar a necessidade de ir à missa regularmente do que cogitar que talvez isso possa ser bom.

Entendem onde quero chegar? De acordo com o cristianismo, o orgulho é o maior dos pecados e não a preguiça.

Não estou afirmando aqui que uma religião específica ou uma seita/escola específica de certa religião é necessariamente melhor que outra. O que eu acho importante é refletirmos sobre nossas razões de optar por uma religião em vez de outra.

Eu escolhi uma religião porque ela parecia mais fácil de praticar? Escolhi porque ela parecia se aproximar mais da verdade? Escolhi porque lá se fala e se pratica muito a humildade e o amor?

Não estou aqui para dizer quais motivos são mais válidos ou mais nobres para que se escolha uma religião. Como eu costumo dizer, não vejo nenhum problema em alguém se tornar muçulmano porque escutou as belíssimas recitações do Alcorão em árabe (como Umar, o Amir al-Mu’minim). Conheci uma monja americana em um dos mosteiros em que fiz retiro que era protestante e se converteu ao catolicismo porque viu a hóstia e percebeu que o Senhor estava lá.

Eu mesma serei sincera e vou admitir que não me converti ao cristianismo por nenhum “motivo nobre”. Eu basicamente queria fazer um retiro, porque gosto muito de fazer retiros. A origem da minha paixão por retiros está no budismo, porque eu percebi que mosteiros são excelentes para uma imersão intensiva numa religião. Hoje em dia eu tenho um pensamento meio diferente. Eu ainda gosto muito de retiros, mas eu acho que é possível uma imersão ainda mais profunda numa religião enfrentando as dificuldades do mundo aqui fora.

De qualquer forma, naquela época eu ainda achava que era nos mosteiros que eu iria encontrar minhas respostas, então eu “caí” no cristianismo. Ou eu poderia dizer que eu empurrei a mim mesma. Ou Deus me empurrou, o que é uma forma mais elegante de dizer e provavelmente mais verdadeira.

Eu tinha os seguintes planos: fazer meus retiros em mosteiros católicos e seguir adiante. Se tivessem me permitido fazer meu retiro sem crisma e sem um ou dois anos de preparação, talvez isso tivesse acontecido. Mas foi por causa dessa preparação, dessa prévia para o retiro, que algo mudou dentro de mim.

Não foi uma mera visita num mosteiro. Eu já era outra pessoa quando entrei lá, que amava a Bíblia e amava Cristo, exatamente por causa de toda a preparação pela qual passei. É, eles sabem o que fazem. O cristianismo já existe há mais de dois mil anos e eles sabem como a coisa toda funciona. Não é por acaso que existe a tal preparação.

Agora, para os ocultistas de plantão que costumam dizer que a operação de Abramelin mudou a vida deles. Não é exatamente pelo mesmo motivo? Não é apenas pela visão do anjo, mas é pelo longo tempo de preparação. Foi, aliás, a operação de Abramelin que me fez ler toda a Bíblia e apreciar mais o cristianismo, dez anos antes da minha conversão formal.

Então não é por acaso que no catolicismo se exige que os católicos frequentem a missa semanalmente. Não é por acaso que no islamismo se exige que os fiéis rezem cinco vezes por dia (os muçulmanos achariam a operação de Abramelin muito fácil).

Há algo que muda dentro de nós quando praticamos uma religião com tanta disciplina. Principalmente porque não é uma disciplina que nós mesmos criamos, num horário que fosse conveniente para nosso calendário. É uma disciplina que significa obedecer a Deus e dizer sim, não importa o quão difícil e inconveniente seja o que ele peça.

É claro que se Deus pede a nós algo que pareça ir contra o princípio do amor, devemos analisar nossa consciência e tomar a escolha correta. Eu não vejo problemas em deixar de seguir uma religião ou seita porque, em termos cristãos, o Espírito Santo (ou o Deus dentro de nós, ou nossa consciência moral, como queira chamar) nos alertou que aquilo não era certo.

Porém, não acho que coisas como ir à igreja todo domingo, rezar cinco vezes por dia ou deixar de comer carne de porco sejam preceitos que parecem ir contra o amor. No máximo, são coisas que podem nos deixar com menos tempo livre e ser inconvenientes em algumas situações.

Não é por acaso, creio eu, que cristianismo e islamismo são as duas maiores religiões do mundo. Elas são religiões difíceis de praticar e que exigem disciplina. E muita gente tem outras prioridades. Assim como você, é claro que eu prefiro rezar ou ir a um templo ou igreja nos dias e horários que ficam mais convenientes para mim.

Mas o que acontece quando vamos ao templo ou rezamos apenas “quando estamos a fim”?

Nos primeiros meses ou anos em que começamos a praticar uma religião, quando a paixão e a empolgação estão fervendo, é claro que seremos disciplinados. Isso não nos dará trabalho nenhum, pelo contrário, pois há um fogo queimando por dentro.

No primeiro ano em que comecei a praticar budismo, quando eu tinha 17 anos, era muito fácil para mim ir ao templo quase todo dia. Eu ia literalmente correndo e não queria mais sair de lá. Eu queria participar de todas as atividades. Eu pegava uma vassoura, um balde e um esfregão e me oferecia para limpar o chão do templo toda semana. Eu arrumava as flores, tirava o pó das estátuas. Eu até mesmo ajudava a fazer o somatório das vendas da lojinha e serviços que raramente alguém se oferecia para fazer porque eram chatos. Para mim tudo era maravilhoso, era lindo, porque o amor estava pulsando!

No meu segundo ano de budismo houve várias outras questões na minha vida. Eu estava mais empolgada com outra escola budista chamada Theravada e também com o jainismo. Isso fez com que meu fervor das idas ao templo baixasse porque “não era exatamente o que eu queria, mas era o que tinha”.

Mas não importa o motivo. Por mais que sejamos apaixonados por uma religião, sempre vai haver dias em que não estaremos a fim de fazer alguma coisa. Quando nós mesmos temos a liberdade de montar nosso calendário, normalmente não iremos ao templo, digamos, se está caindo um temporal lá fora. Ou talvez deixemos de rezar ou meditar um dia porque estamos com muito sono.

Com o tempo, pode ser que deixemos de fazer coisas por motivos menores, se a única fonte da autoridade de nossa disciplina for nós mesmos. O monge budista do templo que eu frequentava costumava dizer que as pessoas que frequentavam o templo eram mais disciplinadas que ele. “Eu precisei me tornar monge para adquirir a disciplina de vir ao templo com frequência, mas vocês vêm aqui regularmente por disciplina”, ele disse.

Não estou afirmando que a maior parte das pessoas não tem a disciplina necessária para seguir uma religião conforme o próprio calendário. Na verdade, muita gente consegue. Mas isso não é uma competição. É simplesmente natural do ser humano ter dias de tristeza, de preguiça, de falta de motivação. É prudente precaver-se para esses momentos, pois não é uma questão de se eles vão acontecer, mas de quando. E eles acontecem com mais frequência do que desejaríamos.

É o que os católicos chamam de estado de secura espiritual. E sempre que eu falo disso eu cito passagens de “Filoteia” de São Francisco de Sales, como essa:

“Não merece grande louvor servir a um príncipe nas delícias da paz e da corte; mas servi-lo em tempos tumultuosos e de guerra é um sinal de fidelidade e constância. A bem-aventurada Ângela de Foligno diz que a oração mais agradável a Deus é aquela que se reza contrafeito, isto é, aquela que fazemos não por gosto e por inclinação, mas reagindo para vencer a repugnância que aí achamos devido à nossa secura espiritual”

Ou seja, para mim um praticante devoto de cristianismo ou islamismo é o bravo cavaleiro que serve o príncipe não só nos tempos de festa, mas também nos tempos de guerra. Não é aquele amigo que aparece só quando as coisas estão bem, mas quando você está sem dinheiro, triste, chorando, quando você é um chato e começa a reclamar.

No ocultismo, a operação de Abramelin possui um status elevado exatamente porque ela é difícil de realizar. E ela é difícil devido à sua longa duração e necessidade de disciplina diária. Exatamente como numa religião que uma pessoa se compromete a seguir.

https://www.artmajeur.com/en/zagitov/artworks/1352957/baptism-of-christ

Eu poderia dizer que um dos motivos de eu ser cristã hoje é porque o cristianismo me dá a disciplina para tentar amar mais e ser mais humilde. Claro que eu nem sempre obedeço tudo (nem sempre eu sou humilde!), mas eu prossigo em minha jornada pra tentar escapar do perfeccionismo o máximo possível. Como dizem os cristãos: nós não fazemos nada, é Deus que faz tudo. Mas nós temos que dar permissão a ele para isso: para que ele se ocupe da nossa disciplina. Então não precisaremos nos preocupar mais, porque ele cuidará de tudo.

Esse é um dos muitos brilhos de fazer parte de uma das grandes religiões, das chamadas “religiões organizadas”. É claro que é chato ter que fazer coisas em horários que não queremos e mais chato ainda ter os moralistas de plantão apontando o dedo quando você não faz as coisas direito.

Mas a recompensa de tudo isso é realmente maravilhosa.

Eu acredito que nós não nascemos para sermos felizes. Creio que cada um de nós nasceu com uma missão específica designada por Deus. É papel de cada um descobrir que missão é essa e desempenhá-la o melhor possível.

Então eu não acho que eu teria alguma vantagem em escolher a religião mais fácil. Eu quero a religião que me dê mais tempo livre para fazer o que exatamente? Pelo contrário, eu terei mais vantagem em escolher a religião mais difícil, pois ela me trará a fé e a disciplina necessária para lidar com as adversidades que aparecerem no meu caminho.

Uma religião me deixa com menos tempo livre, me faz dormir menos, faz com que eu me sinta o ser mais insignificante? Ótimo. Porque eu acredito que não estamos vivos apenas para ter tempo de se divertir e relaxar.

Sou completamente a favor de lazeres, de diversão, de dormir e comer bem. Mas eu particularmente não acho que Deus criou o mundo para ser nosso parque de diversão, para que suas criaturas se divirtam o máximo possível. Ele permite o mal no mundo por alguma razão. Eu acredito que é porque, como diz Peter Kreeft, nós fomos criados para sermos espadas e essa espada exige forja no fogo.

Nós estamos vivos porque estamos numa missão específica e única que envolve ajudar outras pessoas. Acredito que uma religião possa nos dar a fé, o amor e a disciplina necessária para prosseguir nessa missão sem nos desviarmos.

Seguindo essa lógica, quanto mais difícil e rigorosa for uma religião, quanto mais sacrifícios ela exigir, ela é potencialmente melhor (não absolutamente melhor, mas tem o potencial de ser).

Segundo a democracia dos mortos de Chesterton, se uma religião é seguida pela maioria, ela é potencialmente a melhor e mais verdadeira. E eu sempre acrescento: a religião que é seguida por pessoas miseráveis, que sofrem muito, passam fome ou estão em países em guerra, essa é a religião excelente (a fé dos judeus lhes deu forças para sobreviver nos campos de concentração). É a religião que dá forças para os seres humanos que estão nas piores situações do mundo.

Seguindo esse raciocínio, ficamos com duas opções importantes: cristianismo e islamismo, que são praticados por mais da metade da população mundial. O cristianismo ainda é a maior religião do mundo, mas o islamismo é a que mais cresce e as previsões dizem que um dia ela ultrapassará o cristianismo em número de praticantes.

Nesses sete anos em que sou cristã, posso dizer que o cristianismo cumpriu belamente seu propósito de me dar forças e esperanças, de me guiar rumo à verdade e ao amor. Se você me perguntar, eu direi com segurança que é uma religião na qual se pode confiar. É possível segui-la sem medo.

Mas eu também amo o islamismo. Falo mais a respeito aqui.

Qual religião é mais difícil de seguir: cristianismo ou islamismo? Islamismo, sem dúvida, por causa das cinco orações diárias. Até Peter Kreeft, um célebre autor católico, costuma expressar sua admiração pelos muçulmanos e diz o quanto os muçulmanos muitas vezes parecem ter mais disciplina que muitos cristãos.

É claro que se você for um padre, frade, monge, monja ou freira, o cristianismo seria mais difícil de seguir, por razões óbvias. Inclusive, nos mosteiros eles rezam a Liturgia das Horas, o que dá mais orações diárias do que os muçulmanos fazem. Toda sexta em muitos mosteiros se faz jejum de pão e água, além do jejum da Quaresma, em vez de jejuar apenas no mês de Ramadã, no caso dos muçulmanos. E eu nem preciso comentar aqui sobre a vida difícil de muitos monges budistas e hindus.

Atualmente, eu acredito que a resposta (pelo menos minha missão) está fora dos mosteiros. Eu gosto quando a religião toca mais a vida comum. E eu não somente gosto disso, mas tenho a convicção de que é aí que a força da religião é colocada à prova.

De qualquer forma, a maior parte dos países em guerra agora são muçulmanos. Falo mais sobre espiritualidade e guerra aqui. Se a religião islâmica é tão poderosa para dar forças às pessoas em países em guerra, significa que ela é realmente impressionante.

Mas aqui temos um enigma: em alguns casos é o radicalismo islâmico (Estado Islâmico e outros grupos) que fomenta guerras ou as agrava. Então o islamismo é um problema? Eu não penso assim.

Eu penso que infelizmente uma minoria radical interpretou o islamismo para provocar o estado de guerra. No entanto, o islamismo, assim como o cristianismo, é uma religião não somente de amor, mas do amor que serve, o amor sem limites.

Há quem diga que o principal problema do mundo não são os radicais de diferentes religiões, mas pessoas que vivem suas vidas somente para si mesmas e mais ou menos ignoram os problemas do mundo. Martin Luther King coloca a questão nessas palavras:

“Devo fazer a vocês, meus irmãos cristãos e judeus, duas confissões sinceras. Antes de mais nada, devo confessar que sofri, nesses últimos anos, profunda decepção em relação aos brancos moderados. Quase cheguei à lamentável conclusão de que o grande obstáculo imposto aos negros em luta por sua liberdade não é o membro do conselho dos cidadãos brancos nem o da Ku Klux Klan, e sim o branco moderado, mais apegado à ‘ordem’ do que à ‘justiça’; que prefere uma paz negativa advinda de uma ausência de tensão a uma paz positiva advinda de uma vitória da justiça; que está sempre a repetir: ‘Concordo com vocês quanto aos objetivos, mas não posso aprovar seus métodos de ação direta’; que julga poder fixar, como bom paternalista, um cronograma para a libertação de outro homem; que cultiva o mito do ‘tempo-que-trabalha-a-favor-de-vocês’ e está sempre aconselhando o negro a esperar ‘um momento mais oportuno’. A compreensão superficial das pessoas de boa vontade é mais frustrante do que a total incompreensão das pessoas mal-intencionadas. Uma aceitação morna é mais irritante do que uma recusa pura e simples… Eu esperava que os brancos moderados compreendessem que a lei e a ordem têm por objeto a instauração da justiça; quando faltam com a justiça, transformam-se em perigosas barragens erigidas contra o progresso social”

Assim como muitas pessoas de pele preta são oprimidas por brancos e buscam soluções o quanto antes, muitas pessoas de países muçulmanos se sentem oprimidos pelo consumismo ocidental e veneração ao dinheiro, algo contra os princípios do islamismo. Na época do cristianismo primitivo também havia essa preferência pela pobreza. Porém, algumas formas de cristianismo protestante se tornaram mais brandas em relação ao dinheiro e muitos padres católicos hoje não precisam fazer voto de pobreza. Muitos muçulmanos, frustrados por essa imposição da cultura e valores ocidentais em seus países reagem com radicalismo. Isso de forma alguma justifica o que eles fazem. Porém, é necessário entender a raiz do problema para combatê-lo.

É verdade que não estamos vivos apenas para passar férias no parque de diversões do mundo. Porém, é lamentável que alguns muçulmanos tenham interpretado tão literalmente a batalha espiritual para transformá-la numa batalha real. Acredito que é Deus quem decide as batalhas pelas quais teremos que passar e que a guerra literal deve ser exceção e não a regra.

Eu acredito que o cristianismo é realmente excelente e eu poderia continuar sendo cristã para sempre. Porém, será que no meu caso continuar a ser cristã não é permanecer na minha zona de conforto?

Já li muitos livros de cristianismo, já fiz vários retiros, consigo conversar tópicos de teologia e praticar minha religião. Será que, se eu quero passar dificuldades e me desafiar, se eu desejo me colocar em maus lençóis, eu não deveria partir numa jornada, ler muitos livros de islamismo e realmente praticá-lo?

Não por tédio, o que seria um péssimo motivo para mudar de religião. Mas porque eu quero me conectar com aquelas pessoas que sofrem tanto em países em guerra. Muçulmanos sofrem muito preconceito, mais do que cristãos. Talvez eu queira dividir essa dor com eles.

Infelizmente até mesmo o cristianismo está deixando a ênfase na pobreza e simplicidade. É verdade que há formas de islamismo que se adaptam à vida contemporânea. Mas o islamismo ainda parece resistir mais fortemente. Desde a queda da União Soviética, o islamismo parece ser a maior (e uma das únicas) forças de resistência a um modo de vida acomodado e focado em si mesmo.

Atualmente, quando se fala de disciplina, a ênfase parece ser apenas na importância da disciplina para ganhar dinheiro e ser bem sucedido. E se usássemos essa disciplina também para outros objetivos?

Eu sei que a conversão ao islamismo é algo muito sério. Em alguns lugares, pessoas matam muçulmanos que se converteram e depois voltaram atrás. Na verdade, há muçulmanos que matam outros muçulmanos apenas por não seguirem a forma de islamismo que eles seguem (felizmente, eles são uma minoria perto da grande maioria de muçulmanos que fazem atos de caridade).

Mas não é exatamente esse tipo de dificuldade e de dor que deveríamos buscar nessa vida? A dor não tem valor por ser dor, mas por fortalecer nosso espírito e nos aproximar de Deus. Eu falo mais disso nos muitos textos que eu escrevi sobre penitências.

Nos primeiros séculos do cristianismo, quando os cristãos eram mais perseguidos do que são hoje e jogados aos leões, houve muitos mártires. Cristãos ainda são perseguidos, assim como outros grupos. Porém, se falamos de mártires contemporâneos, os muçulmanos refugiados e tantos outros que vivem na pobreza e em países em guerra são os novos mártires. Muitos são santos vivos e não mártires e santos de uma época esquecida e longínqua. Um dia, quem sabe, eu fale mais especificamente de alguns deles, que já li em livros.

O cristianismo ainda está vivo e brilha, não somente em mosteiros, mas eu não consigo pensar numa religião que mais resiste aos valores acomodados da vida ocidental do que o islamismo. É uma religião viva e não uma religião que está num museu e relembra a glória de tempos passados.

Não é certeza que um dia eu irei me converter ao islamismo, pois apesar de eu ter uma bola de cristal eu não sou capaz de ler o futuro com precisão. Eu devo rezar para Deus e ele me mostrará o caminho. Eu também já passei por momentos nesses sete anos que pensei se eu não deveria deixar de ser cristã, mas depois voltei atrás. Contanto que meu motivo não seja mera covardia ou desejo de facilidades, ele pode ser legítimo.

https://www.imb.org/2019/05/03/the-posture-of-prayer-a-look-at-how-muslims-pray/

Quando eu compartilho certas coisas na internet é sinal de que estou séria. Eu diria que atualmente a probabilidade de eu me converter ao islamismo no futuro é maior do que a chance de eu não me converter.

Nos últimos tempos, no ano passado e nesse ano, eu costumava comentar com pessoas próximas que eu tinha a previsão de me converter ao islamismo daqui uns cinco ou dez anos.

Por que esperar tanto? O motivo principal é que eu desejo ler, pois eu não quero me converter a uma religião que eu não conheço. E no meu caso isso significa pelo menos algumas dezenas de livros, para começar.

Até agora eu devo ter lido talvez apenas uns vinte livros sobre islamismo (sem contar biografias de refugiados sírios, etc), o que para meus padrões nem dá para uma introdução. Então atualmente estou lendo alguns livros e buscando mais.

Sendo assim, em parte minha conversão depende da velocidade com que lerei esses livros. Mas não estou com pressa.

Há outras coisas rolando agora e esse é um ano estranho. Mas esse ano não mudou muito meus planos originais em relação à maior parte das coisas da minha vida, incluindo religião. E eu considero a religião um aspecto bem importante da minha vida. É a fonte da qual vem todo o resto, incluindo minha motivação para fazer tudo mais: Deus e seus planos, que é uma explicação mais profunda do que apenas falar a palavra amor sem um contexto maior.

Se eu viajar para um país muçulmano dentro dos próximos cinco anos (o que há alguma probabilidade de ocorrer, embora a questão da pandemia dificulte isso), pode ser que eu apresse ligeiramente a previsão da minha conversão. Até agora, acho que os únicos países em que estive nos quais eu vi uma população mais significativa de muçulmanos fora da Europa foram Israel, Palestina e Índia. No Brasil há uma população considerável de muçulmanos, embora não tanto na minha cidade.

Recentemente eu soube que de cada 10 novos convertidos ao islamismo no Brasil, 7 são mulheres. Isso faz sentido, já que várias mulheres brasileiras conhecem muçulmanos em outros países e se casam com eles. O contrário nem sempre é fácil, já que as mulheres muçulmanas em alguns países se cobrem e saem menos na rua. Mas as demais razões para que os principais convertidos sejam mulheres talvez sejam outras (verei um documentário sobre isso em breve).

Lembro de um momento especial em Jerusalém em que um muçulmano colocou seu tapete no chão, do lado do seu carro estacionado, e rezou uma das salás (orações diárias). A simultânea simplicidade e grandiosidade desse momento me marcou. Em Belém também escutei o anúncio de uma das salás transmitido por uma torre alta.

Só para deixar claro: eu não acho que conversões religiosas sejam um jogo. Eu levo tudo isso muito a sério. Minha conversão formal ao cristianismo foi algo mais espontâneo, mas passei pelo processo da conversão gradual. Quando e se ocorrer, eu gostaria que esse novo processo fosse bem pensado e feito com calma. Não quero apressar as coisas.

É verdade que o islamismo já não é uma religião completamente estranha para mim. Esse é o terceiro ano seguido que participo do jejum do Ramadã. Considero esse ponto bastante relevante.

Quando eu me converti para o cristianismo, eu anunciei isso nos meus blogs de forma discreta. Isso porque no começo eu sabia que estava fazendo isso mais pelos retiros. No meu coração eu ainda não tinha o cristianismo como religião firme e estabelecida para mim.

Hoje em dia para mim o cristianismo é algo muito mais sólido. Uma das coisas mais duras de abandonar será a veneração pelos santos e mártires católicos (esse é outro motivo que eu sempre preferi o catolicismo e decidi não trocá-lo por outra forma de cristianismo, por mais atraentes que outras sejam. De qualquer forma, sempre tive uma queda pelo cristianismo ortodoxo).

Claro que um muçulmano pode continuar admirando o cristianismo (as religiões do Livro, hã?), da mesma forma que sou uma cristã que admira o islamismo.

Mas há aquele momento que a barreira se rompe numa conversão. Há o momento formal, mas o gradual ocorre numa ocasião diferente.

Se alguma pessoa que acompanha o que eu escrevo decidir se converter ao islamismo antes de mim, vou ficar com muita inveja. Haha, brincadeira!

Só queria tornar pública minha paixão pelo islamismo e desejo de conversão. Isso não significa que eu amo menos o cristianismo. Nós simplesmente vivemos num mundo com tantas religiões lindas que é difícil escolher só uma. E você sabe aquela história de que vale mais um pássaro na mão…

Temos um tempo limitado nesse mundo e precisamos fazer escolhas. E se você fizer boas escolhas, quem sabe o que te aguardará na outra vida. Mas as recompensas já chegam nesse mundo mesmo.

Para quem continuar acompanhando meus escritos pelos próximos anos, conhecerá o desfecho dos próximos episódios da aventura da minha vida. E saberá qual e quando foi minha decisão.

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Wanju Duli
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