Sofrer Juntos

Wanju Duli
6 min readAug 14, 2020

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O que é possível fazer por outra pessoa? Existem ajudas diretas ou indiretas. Às vezes, até uma assinatura num papel pode salvar uma vida. Há muitas ajudas importantes e silenciosas, que não são celebradas, mas que exigem muito trabalho, dedicação e sacrifício.

Às vezes há muito pouco que podemos fazer. Outras vezes há ajudas que nem parecem ajudas. Há aquelas ocasiões em que você não tem nada: nem dinheiro, nem palavras. Então, o que fazer?

Existe um ensinamento importante, que eu vejo em religiões, particularmente no cristianismo, que é o sofrer junto. Pode ser que você não tenha mais nada a oferecer. Não pode mais fazer absolutamente nada.

E então quando tudo acaba, você decide apenas compartilhar daquele sofrimento.

Esse tipo de ajuda é considerada muito estranha. Por muitos, é vista como um desperdício.

Por exemplo, no martírio dos 20 cristãos coptas na Líbia, em 2015, todos os cristãos já tinham morrido e o muçulmano não iria ajudar ninguém morrendo com eles. Os cristãos já estavam mortos e não estariam lá nem mesmo para testemunhar a morte dele. Mas ele quis morrer com eles mesmo assim.

Às vezes sofrer e morrer junto é a única coisa que podemos fazer. Sim, na visão ocidental, numa visão talvez mais materialista, esse tipo de sacrifício não faz sentido.

Por exemplo, muitos podem achar que não faz sentido uma pessoa rica largar tudo e ir viver no meio dos pobres, sofrendo com eles. Ele não iria ajudar muito mais continuando rico e distribuindo a riqueza para os pobres regularmente?

De um ponto de vista apenas material, sim, uma ótima forma de ajudar é ficar cada vez mais rico e ter cada vez mais dinheiro para doar para os pobres. Mas não é assim a visão cristã.

Aprendemos que temos uma alma, um Deus (Espírito Santo) dentro de nós. Essa não é uma visão exclusiva cristã. A ideia de que temos um Deus ou uma alma dentro de nós está presente em muitas religiões.

Ser rico e saudável não são coisas ruins. Mas eu nunca vi nenhuma religião afirmar que quanto mais rico e saudável você é, você avança mais espiritualmente. Essas são condições do corpo e do espírito que podem ajudar ou não em determinadas situações.

Se formos analisar friamente, é muito bom ser rico e saudável, porque significa, de um ponto de vista espiritual, que você terá mais dinheiro para ajudar os outros e mais saúde para ajudar. Mas, repito, nenhuma religião te manda ser cada vez mais rico e mais saudável para que isso te deixe em melhores condições para ajudar os outros.

Não acho certo também uma religião condenar quem é rico e saudável (estou usando essas duas condições apenas como exemplo). De um ponto de vista espiritual, essas são condições neutras, que não são boas ou ruins por elas mesmas. Depende do que você faz com elas.

Se você não usa seu dinheiro e saúde para ajudar, essas condições continuarão sendo neutras. Por outro lado, se você é muito pobre e doente e ainda assim, mesmo em situações difíceis, ainda consegue ajudar, é algo realmente bom.

Tenho pensado nisso nessa época de pandemia. Muitos de nós queríamos muito poder distribuir comida ou dividir alguma coisa com tantos que estão passando por situações difíceis. Por outro lado, há o medo da contaminação: e se você sair para ajudar alguém e acabar contaminando a si mesmo e a família que mora com você?

De um ponto de vista racional, você pensaria, é melhor eu preservar minha saúde, pois assim poderei ajudar mais gente no futuro. Ou você pode ajudar de formas indiretas, com doações em sites, para não colocar em risco você e sua família.

Essa é uma questão muito particular. De uma perspectiva religiosa, espiritual, não há certo ou errado absolutos nesse caso, simplesmente porque a situação de cada pessoa e de cada família nessa época é totalmente diferente.

Você não pode, por exemplo, julgar uma pessoa que só tem um pão por dia por não dividir metade do pão com um desconhecido. Temos relatos de que algumas pessoas faziam coisas assim em Auschwitz. Admiramos essas pessoas.

Porém, o cristianismo não te comanda a fazer uma ação determinada, mas nos convida a examinar nossa consciência. Existem ações boas, muito boas, ou mesmo excelentes. Mas o que é o melhor a fazer em cada situação? São questões difíceis e sem respostas prontas. Seria fácil se houvesse uma resposta certa para tudo.

Hoje é o dia do santo Maximiliano Maria Kolbe. Ele fez um sacrifício extraordinário. É um bom dia para pensarmos nisso, considerando a época pela qual passamos.

Mas mesmo se com nosso ato não pudermos ajudar ninguém imediatamente, às vezes existem coisas que simplesmente sentimos que devemos fazer.

Isso não é matemática. Você não vai necessariamente calcular um número de vidas salvas ou “importância relativa” de cada vida e decidir sua ação.

Acho que a coisa mais bela no meio disso tudo é a existência de Deus e da alma. Pois isso sugere que há um significado ainda maior em certos atos.

Não é questão de ir para o céu ou para o inferno depois. É questão de haver um significado maior no amor, que transcende o entendimento humano. Que transcende cálculos matemáticos e o pensamento racional.

Às vezes a única coisa que nos resta é compartilhar um sofrimento.

Quando eu tinha 18 anos, um dia eu fiquei horas seguidas conversando com um rapaz que frequentava o templo budista que eu ia. Ele estava tentando me explicar porque um monge decidiu ser devorado por um leão, oferecendo o próprio corpo em sacrifício. Eu disse a ele: “Mas se ele tivesse continuado vivo, ele teria ajudado muito mais gente no futuro”. Ele me respondeu: “Mas ele simplesmente sentiu que devia fazer aquilo. Era seu caminho”.

Procurei uma imagem para esse post e achei a imagem de uma árvore “morrendo”. Talvez duas morrendo juntas. Uma árvore está relativamente presa à terra e às outras árvores ao seu redor. Nós, como seres humanos, muitas vezes nos encontramos em situações em que estamos “presos” com outras pessoas. Às vezes pode ser pessoas que amamos, membros da família, amigos. Outras vezes podem ser pessoas que não gostamos, seja no ambiente de trabalho ou em outras situações.

Às vezes nós temos que sofrer e morrer ao redor de desconhecidos ou de pessoas que não gostamos. Assim como Jesus morreu ao redor de pessoas que zombavam dele.

Ainda assim, há um Deus dentro de cada um. Cada pessoa, cada ser é sagrado. Não, nós nunca estaremos em situações ideais nesse mundo.

Nosso coração baterá forte com culpa por escolhas erradas que fizemos. Às vezes parece que fizemos o certo, mas erramos. Talvez achamos que estávamos ajudando alguém, mas não estávamos. Mas nós tentamos.

Existem sofrimentos e mortes consideradas “um desperdício”. Como soldados que morrem na guerra por fogo amigo. Mas essas mortes não são um desperdício aos olhos de Deus.

Eu acho incrível como Deus consegue dar um sentido até aos sofrimentos e às mortes que o ser humano vê e não é capaz de encontrar significado.

Isso é ter fé, esperança e amor. Não dá para entender. Nosso coração bate com culpa e horror, mas ainda existe uma última esperança de que há um sentido para isso tudo.

E eu acredito que há um sentido. Até mesmo o ser humano consegue ver beleza num “desperdício”. Em alguém, como São Francisco de Assis, que quis ser pobre, ficar doente junto com os pobres e morrer com eles. Muitos santos morrem cedo, porque eles pegam a doença dos doentes. Eles veem alguém sofrendo, às vezes não podem fazer quase nada para ajudar. Às vezes a única coisa que podem fazer é passar fome junto com eles e morrer com eles.

Não seria muito mais fácil tentar ficar saudável, reunir algum dinheiro e ajudar aquela pessoa morrendo de fome? Porque alguns, em vez de fazer isso, escolhem morrer de fome junto com outros?

São coisas que o ser humano não é capaz de ver sentido. Apenas Deus. Há uma beleza e tristeza inimaginável em duas almas que sofrem juntas, mesmo quando isso não é necessário.

Isso não era necessário. Ainda assim, esse é o caminho que alguns sentem que devem seguir.

Mas cada um tem seu caminho. Não siga o caminho de outra pessoa se você se sente impelido para outro lugar. Admiramos alguns e imitamos outros. Como saber a diferença?

O ser humano não é capaz de distinguir sozinho, então um caminho é rezar. E talvez o Deus dentro de você te conte a diferença, através de batidas de coração.

Outras vezes Deus fica em silêncio. E ele fala tudo através desse silêncio.

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Wanju Duli
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