Resenha: The Sacred Magician: A Ceremonial Diary, por Georges Chevalier
Essa é a resenha que eu escrevi em 4 de novembro de 2017:
Aos 26 anos, o autor deixou seu emprego, foi para a cordilheira do Alto Atlas (em Marraquexe, cidade do Marrocos), construiu uma capela e ficou lá isolado nas montanhas por seis meses, apenas com a presença da esposa no local (ela também trabalhou em seus próprios projetos de escrita e magia enquanto estava lá). Se quer um magista true, de verdade, aqui está ele.
William Bloom se formou na área de psicologia, então ele confessa que por um lado estava usando o paradigma psicológico em relação à operação, mas por outro queria experimentar um mundo de realidades espirituais que está além de nossos cinco sentidos. Ele estava aberto para a possibilidade de realmente existirem anjos e demônios.
Antes de começar a operação, ele tinha contato com magia há apenas três anos, principalmente através da leitura de muitos livros, tanto de religiões orientais e ocidentais quanto de magia. Uma pessoa importante na vida dele morreu pouco antes de ele começar a operação, o que aumentou sua necessidade de encarar a si mesmo nessa jornada.
Desconfio que fazer a Operação de Abramelin faz até a mais cética das pessoas admirar pelo menos um pouco o cristianismo. Poucos anos antes, William Bloom era bastante cético e durante a operação ele clama o nome de Jesus e fala de coisas religiosas. Isso é sinal de alguém que se envolveu fortemente nessa magia.
Em uma operação que dura seis meses, em que você deve acordar antes do nascer do sol todo dia, vê a beleza da natureza logo cedo, no silêncio, confessa seus pecados, se torna mais humilde e reza a Deus é difícil não reconhecer a glória das grandes religiões.
Ele relata ser atacado por entidades astrais em algumas noites. Devido à sua fé, ele superou o medo.
É maravilhoso, é tocante ver como quanto mais tempo passa a operação, a fé, a humildade e a reverência dele por Deus se aprofundam. É algo que vai ocorrendo de forma natural conforme passam os dias. Não é algo mágico que ocorre de repente e, do nada, nos tornamos bons e dignos de receber o Anjo. Não, é preciso passar por seis meses de purificação, arrependimento e humildade sincera. É muito mais que um teatro.
Pode até começar como atuação, como um “finja até que atinja”. Muita gente pode começar a operação sem tanta fé em Deus ou sem ligar para as religiões judaico-cristãs. Não importa. Reze como se tivesse fé, aja como se ligasse para isso. Com o passar dos dias, a sua atuação não será mais atuação. É algo que vai crescendo no coração dia após dia e nos inflamando por dentro.
Alguns trechos do livro:
(12 de Maio) “Não tenho certeza mais de nada no que diz respeito a mim mesmo e ao Caminho. Eu não entendo nada do que está acontecendo dentro de mim e em mim”
(20 de Maio) “Se eu tivesse vivido apenas para ser agraciado com o conhecimento que eu tenho agora, ser agraciado com a habilidade de ter e perceber Seu amor como eu percebo, eu me consideraria e me considero o homem mais sortudo”.
“O estranho milagre é como o Tempo sempre passa com Seu ensinamento transmitido de forma tão correta”
Em vários momentos da leitura, tanto desse relato quanto do relato de Marcus Katz, meu coração acelerou. Há instantes em que o autor revela algum grande sentimento, pensamento, sonho, visão ou acontecimento extraordinário. E eu fico boquiaberta na leitura. Estou me envolvendo muito com esses livros! Eles ressoam fortemente em mim. É um tipo de emoção pura.
Lembrei agora que Eliphas Levi, mesmo depois de tornar-se mago, sempre continuou a considerar-se cristão. Principalmente hoje, com tantas opções protestantes, evangélicas e místicas de cristianismo, é possível declarar-se cristão e ainda assim continuar a ser um mago. Isso é reconfortante.
É interessante como o autor menciona ataques de entidades. Isso me faz lembrar dos Padres do Deserto, os autores místicos do cristianismo que viviam no deserto e falam da batalha espiritual que temos que passar. A Noite Escura da Alma, a secura espiritual, a batalha contra o diabo, quando Deus se esconde para nos testar. Deus, por que me abandonaste? Ele nos abandona na noite escura para testar a nossa fé. Se Deus se mostrasse facilmente, a fé não seria necessária. Ele deseja que acreditemos em sua existência mesmo quando ele está silencioso. Somente assim passaremos pela noite escura e seremos presenteados com a bela Aurora Dourada.
Durante a operação, o autor usou bastante o tarot e o I Ching para divinação. A leitura do Zohar também o consolou. É claro que há um sentido na solidão requisitada da operação, para que nos sintamos tristes, sozinhos e melancólicos e precisemos da ajuda de Deus para nos salvar. Nós não buscamos Deus quando estamos com amigos e rodeados de prazeres, mas quando nos colocamos numa atmosfera árida de deserto. Somente assim os demônios acordam e a batalha espiritual acontece, para que possamos vencê-los e sejamos dignos da presença do Anjo.
Nossa, coitado do cara, ele se isolou no Marrocos e ainda assim vez ou outra ficava recebendo visitas de amigos da Inglaterra e da França. Eu me pergunto se eram amigos que sabiam que ele estava realizando a Operação de Abramelin e queriam ver com os próprios olhos a lendária operação sendo realizada nesse mundo.
Mais algumas passagens da obra:
(15 de Junho) “Fui lembrado da frase ‘a noite escura da alma’, mas eu sinto que ela ainda está por vir”.
(19 de Julho) “Eu estou totalmente exausto, mentalmente e fisicamente. […] Na última noite, o mais belo período de suprema transcendência, que confirma todas as aspirações”
(24 de Julho) Estou cheio com uma sobrecarga de energia externa (quase totalmente análogo a experiências prévias com LSD)
(26 de Agosto) “Sem as escritas tibetanas eu estaria completamente perdido. Agora eu estou apenas perdido”
(21 de Setembro) “Se eu fosse me concentrar em tudo que aconteceu, eu iria vergonhosamente desmoronar em lágrimas de novo”.
(24 de Setembro) “O pensamento mais exato foi o de que eu deveria desistir de tudo e ir para um mosteiro”
[No meu caso, eu fiz algo assim: já fiz retiros em mosteiros católicos por alguns meses, hehe. Estou indo para meu quarto retiro daqui alguns dias]
Continuando:
“Rezar o tempo todo é uma forma de arrogância? Eu tenho direito a um futuro pessoal? O que eu devo fazer agora?”
“Tudo ocorreu como Abraão escreveu. Eu tive uma conversa completa com meu Sagrado Anjo Guardião”
Mais para o fim do livro, o autor faz uma confissão extraordinária. No livro original, publicado na década de 70 (eu li a segunda edição, com anotações extras), ele conta que rasgou uma página do relato do encontro com o Anjo e não conta o que aconteceu. Nessa nova edição, com notas de rodapé, ele confessa que pode haver uma última prova no encontro com o Anjo.
Inicialmente não aconteceu nada. Ele chorou. Ele dormiu. Mais tarde, o Anjo sussurrou para ele: “Volte para o Oratório”. Ele retornou, se ajoelhou e ouviu a voz clara do Anjo, enviado por Deus, dizendo que iria protegê-lo e ajudá-lo. O Anjo contou que o amava com todo o amor do mais devotado pai, irmão e amigo e que ele jamais ficaria sozinho de novo.
O autor fala da importância de estar focado e concentrado, mas relaxado. No meu caso eu tive uma experiência diferente, já que o medo foi um gatilho para a vinda do Anjo. No meu livro falarei mais disso. Para mim, o fato de o Anjo não se mostrar logo de cara fez parte do teste, para trazer a noite escura, a ausência de Deus, e iniciar a verdadeira prova, que é deixar a pessoa em completa escuridão e solidão. Somente assim teremos a humildade de clamar a ajuda de Deus e deixar todo nosso ego para trás. Logo após a noite, o Anjo se mostra em toda sua luz e esplendor.
Quando chamou os quatro príncipes, o autor conta que a preparação ao longo dos seis meses foi tão grande que ele não ficou assustado.
Os príncipes deixaram marcas na areia, conforme o relato do grimório.
Em algumas partes ao longo dos seis meses da operação, ele relata que estava com febre e se sentiu mal. No retorno da viagem ele conta que foi diagnosticado com hepatite B e teve várias experiências de quase morte que ele classificou como extremamente belas e disse: “A morte é agora um amigo confiável e amável”.
A doença e a sensação de mal estar durou 2 anos.
Ele escreveu:
“Que maravilhosa e extraordinária doença foi ela. Quão cuidadosamente minha própria alma ou meu Professor a planejou”
“Eu não quero dar a impressão de que a Operação de Abramelin foi um evento espiritual completo em seu próprio tempo. Foi uma forma de passar para outro mundo, um mundo de espírito que desde então tem me chamado para uma exploração mais profunda”
Haha, o William Bloom nunca usou os quadrados mágicos porque o interesse dele era o contato com o Anjo Guardião e ele considerava os quadrados como baixa magia.
Depois ele acrescenta que houve algum uso das novas habilidades, mas nunca para uso individual.
Ele relata a Operação de Abramelin como uma técnica extrema, pertencente a uma cultura de sacrifício voluntário e devoção com grande humildade. Ele acha útil na Operação o chamado para autodisciplina.
Fantástico livro! Leitura inspiradora para todos os que já fizeram ou planejam fazer a Operação de Abramelin. Ou mesmo para quem está curioso vale a pena a jornada.