Por que eu preciso de Deus se eu tenho Netflix?
Era uma vez pessoas que não tinham internet, Netflix, videogames, televisão, rádio. Raios, algumas delas não tinham nem livros. Sequer sabiam ler ou escrever.
Elas não tinham banheiros com descarga. Não tinham água corrente ou eletricidade. Não tinham casa, comida, roupas ou sapatos. Elas apenas…morriam.
Não tinham antibióticos. Você só nasce e morre. Droga, elas nascem aos montes. Só nascem, nascem e morrem. Não param de nascer e morrer. É só isso que elas fazem.
Imagine que você está num mundo assim. OK, você está num mundo assim, muitos de você. Mas vamos supor que seja você.
Lá está você e sua família. E agora? A vida está difícil. A morte está difícil. É tudo difícil: viver e morrer. Nem faz mais diferença.
Vida e morte parecem quase iguais, porque você só vê ao seu redor um monte de gente nascendo e morrendo. Mulheres morrendo no parto, filhos morrendo no parto, mulheres tendo o filho arrancado da barriga e sendo esquartejadas. Há algumas bombas e balas, mas o que elas não destroem a fome destrói. Às vezes nem faz diferença.
E há esse tal de Deus. Por que essa gente fala tanto desse Deus, você se pergunta. Essa gente pobre, miserável e ignorante com seu Deus imaginário.
Algumas falam de Jesus, outras falam de Alá, de Buda, dos deuses hindus. Mas há esse sujeito, esse Deus no meio da história.
Eles estavam morrendo, mas resolveram ter esperança. Não na ciência ou na salvação dos homens, porque há muito tempo eles resolveram não mais confiar nos homens, porque viram que não podiam contar com eles.
Aquela situação era tão extrema, tão sofrida, que somente algo divino, algo acima do homem e da criação do homem, poderia ressoar como um prenúncio de salvação.
Qualquer outra coisa soava falsa. Eles só podiam contar uns com os outros, mas às vezes estavam sozinhos.
Tinham perdido tudo, embora já não tivessem nada.
O que você faz num mundo assim? Cai no desespero. Você só quer morrer mesmo, para acabar com tanta dor. E você tenta.
Por que você está vivo, afinal? Se é pra sofrer tanto. Se só nasceu para morrer.
Esse Deus que criou esse mundo só pode ser louco. E mais loucas ainda são as pessoas que ousam acreditar nele, nessa mentira de esperança, de amor, nessa ilusão de uma vida melhor, nem que seja no outro mundo. Por que simplesmente não encarar a verdade? Não há salvação, todos vão morrer, não há nenhum sentido nisso e nunca teve.
Então se não há sentido, se não há felicidade, se tudo está uma droga, se qualquer esperança de alegria é passageira, você apenas morre e sua vida realmente não teve razão de ser.
Mas há aquelas pessoas que pensam diferente. Que, no meio do desespero, ainda enxergam uma luz. Uma droga de uma luz, uma pedra, um sol, que para elas é ouro. E por aqueles poucos momentos, tudo valeu a pena e teve um significado.
Deus é difícil de explicar. A pergunta é: “Por que eu preciso de Deus se eu tenho Netflix?”
Ou: “Raios, apenas dê casa, comida, segurança, emprego, educação e Netflix para todas essas pessoas e elas não vão mais precisar de Deus. Resolva as injustiças sociais e Deus se torna obsoleto”.
Mas você acrescenta: “Tudo bem, você ainda pode atravessar a rua e morrer atropelado e ter câncer. Então talvez Deus não seja necessário, mas só um pouquinho, em situações específicas, hmmm… a ciência vai resolver esses detalhes no futuro, mas quem sabe eu fique depressivo porque minha série favorita acabou, hmmm…”
Na maior parte do tempo, em diferentes épocas e países, as pessoas morriam cedo e havia mais guerras. Quase todo mundo via ao seu redor pessoas morrendo de doenças, acidentes, ferimentos de guerras, etc.
Nós convivíamos com a morte. Ela não era algo distante ou um mito. Não um fantasma que nos assombra de vez em quando e que só mais tarde vai nos pegar.
A morte era quase uma amiga. Uma conhecida. Ela estava lá e podia te chamar a qualquer momento. Era preciso aprender a conviver com isso e ficar em paz.
A morte fazia parte da vida. Na verdade, a morte sempre fez parte da vida. Hoje em dia nós esquecemos disso de vez em quando e, nos momentos em que lembramos, a vida parece um filme de terror.
Na Idade Média, principalmente na época da peste negra ou em épocas de grandes guerras, morria tanta gente que as pessoas faziam até piada com isso. Por isso quando se lê um livro como, por exemplo, Legenda Áurea, de 1260, que conta a vida dos santos, se vê tanto humor negro, relatos vívidos de tortura e os mais diferentes e criativos tipos de morte, e isso nos soa tão estranho.
Cada época e país tem seu tipo único de humor. Um livro como esse, aos olhos de hoje, nos parece com piadas de extremo mau gosto. O livro é uma mistura de fantasia com realidade e isso é quase um insulto para o intelectual do século XXI, que exige uma separação rigorosa de fantasia e realidade.
Nós dizemos coisas como: “Deus e dragões não existem, então São Jorge não matou um dragão porque NÃO HÁ DRAGÕES! Onde está a pesquisa rigorosa e histórica sobre a vida de São Jorge? Ah, mas se quiser escrever uma história de fantasia sobre dragões faça isso, contanto que deixe claro que essa é uma história de fantasia e não um relato histórico da vida dos santos. E faça o favor de deixar esse tal Deus nas histórias de fantasia!!”
Eu rio quando escuto coisas assim, seja sobre o Legenda Áurea ou sobre a Bíblia. É preciso tentar entender o mundo em que aquelas pessoas viviam e sua forma de pensar, que era realmente fascinante.
É claro que nós tendemos a pensar que nossa forma atual de enxergar o mundo é melhor, o que é um tipo de arrogância que temos. Mas melhor para que e para quem?
Hoje em dia nós somos melhores em tratar doenças do corpo e afastar a morte para longe, pelo menos por um tempo? Eu diria que sim. Mas somos melhores em lidar com a existência da morte? Quanto a isso, dou um passo para trás e paro para pensar.
Vamos olhar para nossos antepassados. Evidentemente, é possível olharmos para várias épocas e culturas: para nossos índios, para os chineses ou indianos antigos, para diversos povos da África ou Oriente Médio. Cada um tinha sua maneira peculiar e interessante de lidar com a morte. E certamente a maior parte deles tinha uma proximidade maior com a morte do que a maior parte de nós hoje em dia. E isso, creio eu, tornou muitos deles mais sábios para dizer o que ela é e lidar com ela (já que eu vejo a morte não somente como um fenômeno fisiológico que deve ser investigado exclusivamente por cientistas).
Nós temos muito o que aprender com a sabedoria dos antigos. Nem todos eles falavam de Deus ou em termos religiosos, mas muitos sim. Havia os filósofos da Grécia e Roma Antiga e os brâmanes da Índia, por exemplo, mas é interessante como a maior parte deles, vindo de uma classe com mais poder aquisitivo e social, falavam da morte de forma um pouco diferente do que aqueles que vinham de classes sociais mais pobres.
Eu também acho fascinante o que diziam muitos filósofos gregos e brâmanes. Mas eu confesso que frequentemente tenho uma quedinha por religiões populares entre os mais pobres. É verdade que algumas dessas religiões às vezes são criadas por pessoas com muito estudo e se espalham para classes mais altas (o que também é um fenômeno incrível por si só). Mas Maomé nem sabia ler e escrever, e Jesus nasceu pobre. O cristianismo se tornou muito popular entre os mais pobres da Roma Antiga antes de se tornar uma religião dominante de muitos reis. Algo similar ocorreu com o islamismo. Ambas são religiões populares entre diversos pobres do mundo até hoje.
E o que há de tão interessante em religiões populares entre pessoas que sofrem e passam fome? Vou te contar o que há de interessante: eu desejo algo tão poderoso que vença até mesmo a doença e a morte.
Seria esse um desejo impossível? Basta observar o mundo. Afinal, não estou falando de uma vitória qualquer: é uma vitória de vontades, não com um prêmio necessariamente físico, e sim a paz de espírito. Não uma paz qualquer, mas uma que traz uma espécie de âncora em meio a um medo profundo, que te faz tremer, mas ainda te mantém em pé.
Aqui está um cara que tem ao menos uma refeição por dia, tem ao menos um hospital em sua cidade e tem um banheiro com descarga. Quanto luxo! Ele resolve criar uma religião. Ele lê muitos livros (meu Deus, ele sabe ler, que sujeito de sorte! E tem dinheiro para comprar livros, que era um artigo de luxo na Idade Média).
Ele cria uma religião realmente inteligente e criativa. Sério, essa religião é legal pra caramba. Mas ela tem o que é necessário para sobreviver na luta pela sobrevivência de Darwin pela religião mais apta?
Vejamos quais foram as religiões de mais sucesso até hoje, que têm ganhado essa luta: islamismo, cristianismo, budismo, hinduísmo e algumas outras (africanas, chinesas, etc). Essas religiões me interessam, porque por algum motivo estão vencendo a luta darwinista pela sobrevivência.
Não significa necessariamente que elas são melhores ou “mais verdadeiras” porque estão vencendo. Significa que elas são “mais aptas para sobreviver”, o que quer que isso signifique.
As pessoas podem gostar mais delas por vários motivos, elas podem funcionar mais para lidar com a questão da morte e da dor, quem sabe seja um mero acaso essas relíquias ainda estarem de pé?
Eu sou completamente fascinada pelo argumento da “democracia dos mortos” de Chesterton. Tanto que já escrevi vários textos sobre ele, mas tentarei ser breve aqui.
Não basta fazer uma pesquisa de opinião com as pessoas que estão vivas. É preciso perguntar, dentre todas as pessoas que já viveram nesse mundo, vivas e mortas, se elas acham que Deus existe ou não e qual religião elas acreditam.
Obviamente, nós não temos condições de fazer uma pesquisa como essa, principalmente com o pessoal da Pré-história que não deixou registros escritos. O escritor e professor israelense Yuval Noah Harari acha que o pessoal da Pré-história, por muitos terem vivido em grupos mais ou menos isolados uns dos outros, pode ter desenvolvido independentemente os mais diferentes tipos de crenças: crença em um Deus, em vários deuses ou até formas de ateísmo.
O ateísmo não é uma crença recente ou absurda. Aparentemente, o ateísmo sempre teve um pequeno número de seguidores fieis em praticamente todas as sociedades e épocas. Isso o torna interessante.
Hoje, o número de pessoas ateístas, agnósticas ou não religiosas está mais ou menos em torno de 15%. De certa forma, isso é um monte (em termos absolutos)! Mas o que mais me chama a atenção não é o fato de haver tantos ateístas, mas sim no fato de haver tão poucos (em termos relativos).
Por que diabos, eu pergunto, num mundo em que a importância da ciência está tão clara, mais da metade das pessoas ainda acredita em Deus? E não apenas num Deus de história de fantasia, mas num Deus mesmo, num tipo de inteligência ou força por trás de tudo, mesmo que essas pessoas não concordem sobre as características dessa força, energia ou ser.
Mas aqui está algo que me encanta mais: quanto mais pobre a pessoa, quanto mais ela envelhece, quanto mais doente ela fica, parece que a crença dela em Deus aumenta. Obviamente há exceções. Às vezes há o fenômeno oposto: uma pessoa que lida com muita morte e sofrimento que perde a crença em Deus. Mas é comum que muitos, após o momento de negação da perda, cheguem às conclusões de Jó.
Nesse trecho do livro do Herman Hesse, o autor fala sobre essa questão.
Uma explicação seria a seguinte: as pessoas estão com medo e mais perto da morte, então querem se agarrar a ilusões em vez de encarar a dura realidade.
Será? Você está me dizendo que quando estão perto da morte as pessoas simplesmente se tornam covardes e isso é tudo a dizer sobre o ser humano? Ou será que elas não estavam sendo covardes e fugindo da realidade quando estavam se escondendo em meio a muitos confortos e prazeres?
Uma pessoa que passa por experiências como o envelhecimento, a doença, a dor e a morte não está no caminho de se tornar um covarde e sim percorrendo um importante caminho de amadurecimento.
Muitas conclusões podem resultar de experiências fundamentais como essas. Algumas podem perder a fé em Deus, outras podem encontrar um tipo de fé. Não significa que uma delas chegou à verdade e a outra se perdeu, mas que as duas estão simplesmente percorrendo um caminho importante de descobertas. Não é justo e pode ser até desrespeitoso chamar a experiência única de cada um de mera covardia ou fuga.
Acho simplista e arrogante dizer que quem “se esconde” em Deus são pessoas ignorantes ou burras, ou até alegar que pessoas sem estudo acreditam em Deus porque não estudaram e foram enganadas.
Se olhar de perto, muitas dessas pessoas mais pobres e mais simples frequentemente sabem lidar com mais tranquilidade com a morte e a dor do que muita gente com estudo. Tolstói ficou intrigado com isso e essa observação foi um dos caminhos de sua conversão ao cristianismo.
Eu já li muitos livros de vários tipos diferentes, com autores de várias épocas, países e diversas posições políticas, sociais, religiosas, etc. Mesmo assim, não me considero inteligente o suficiente para, sozinha, definir o que é a verdade, ou se há verdade. Mas me sinto inclinada a seguir minha consciência.
Eu acho interessante espiar a democracia dos mortos de Chesterton. Aparentemente, a maior parte das pessoas vivas, e principalmente as mortas, acreditaram em Deus. Dentre elas temos pessoas muito cultas, pessoas que não sabiam ler, ricos, pobres, aqueles que sofreram muito e pouco, enfim, temos boas amostras de diferentes tipos para termos certa segurança.
Segundo Chesterton, é mais seguro confiar no enorme peso da multidão da democracia dos mortos do que na “aristocracia dos vivos que só está aí de passagem”. Assim como só o tempo mostra quais livros entram para a história da literatura, só o tempo mostra quais religiões sobrevivem algumas centenas ou milhares de anos. E se sobrevivem, há o espanto: “Espera. Como? Há algo aí. O que será?”
Atualmente nós temos filósofos bem alimentados que escrevem em palavras bonitas que Deus não existe. Alguns desses filósofos se sentem ofendidos por essa crítica e podem dizer: “Tudo bem, então eu vou provar que mantenho a crença em meu ateísmo mesmo em meio ao sofrimento”.
Talvez eles possam ir meditar em cavernas, façam jejuns para simular a fome, fiquem doentes e quase morram por orgulho. Mas a questão aqui não é orgulho.
Buda, por exemplo, nasceu na riqueza, virou monge e foi meditar nas florestas, fazendo jejuns rigorosos e passando por muito sofrimento. Ele foi criado na religião dos brâmanes, que inclui a crença em Deuses. O próprio budismo não enfatiza a crença em Deus ou em Deuses como caminho da salvação, mas possui uma série de dogmas espirituais interessantes, que inclui o karma e o nirvana. A palavra “dogma” frequentemente afasta os ocidentais, que preferem encarar o budismo quase como uma “religião científica” para o tornar mais palatável, mas isso é ignorar o contexto da época e querer vivenciar um “budismo do século XXI”, assim como aqueles que desesperadamente buscam o “Jesus histórico” (sobre isso eu indico o livro “A Pesquisa do Jesus histórico” de Giuseppe Segalla).
Voltando ao ponto dos meus comentários sobre o Legenda Áurea, a mente ocidental está fragmentada e despedaçada, talvez desde que Descartes separou corpo e alma, como se fôssemos robôs.
Na Idade Média havia uma visão mais integral do ser humano: a vida e a morte não estão separadas, uma faz parte da outra. Fantasia e realidade estão misturadas: Deus, anjos, demônios e dragões são tão reais quanto o ser humano, assim como sonhos podem ser tão vívidos quanto a realidade. Afinal, quando sonhamos e enquanto sonhamos, não achamos que o sonho é real?
Às vezes, é claro, percebemos que é um sonho e vamos acordar. Chuang Tzu se pergunta se é um homem sonhando que é uma borboleta ou uma borboleta sonhando que é um homem.
O homem até agora sonhou que está vivo. Então, ele simplesmente morre. Qual é o terror que pode acometer a mente de um homem quando ele percebe que a morte se aproxima?
O seu ser inteiro pode se quebrar quando ele foi criado assim, despedaçado, acreditando que Deus, dragões, sonhos e o espírito fazem parte do mundo da fantasia e o que é real é somente a vida. Até a morte se tornou algo que praticamente faz parte do mundo da fantasia, porque nós aprendemos a afastá-la tanto com nossa ciência e com a forma que vivemos que não precisamos mais de Deus.
Acredito que as descobertas científicas são maravilhosas e eu sou defensora de novas descobertas para minimizar o sofrimento, gerar mais qualidade de vida e prolongá-la, assim como difundir os conhecimentos e tecnologias atuais.
Nós amamos histórias de fantasia, lemos os livros e vemos os filmes até com certa nostalgia. Não é por acaso que elas geralmente se passam num tipo de Idade Média europeia imaginária, pois foi particularmente nessa época que surgiram muitas lendas que se misturavam com histórias de heróis reais.
Na época medieval, as pessoas eram muito idealistas, dando ênfase a valores como amizade, amor apaixonado, lealdade e, talvez acima de tudo, ao amor por Deus. Vemos histórias de bravos cavaleiros medievais que lutavam e morriam pelo país/feudo, pela religião ou até mesmo morriam pela amada que tinham acabado de conhecer. Havia um amor exacerbado que transbordava, num mundo em que as pessoas sabiam que podiam morrer a qualquer momento. Já que iam morrer em breve, que fosse por algo que valorizassem acima de tudo (no livro de Johan Huizinga sobre a Idade Média há muitas informações sobre os costumes e pensamentos da época).
Nós também vemos histórias assim na Grécia Antiga, como na Ilíada e Odisseia de Homero. Vemos nos livros religiosos hindus. Sócrates morreu como herói, defendendo suas ideias.
Todas essas histórias possuem um forte apelo em nós, que também desejamos partir numa aventura. A religião sempre foi um tipo de aventura da alma, lutando contra demônios e sendo auxiliada por anjos, para definir o seu destino do céu ou do inferno.
Muita gente hoje fica furioso com religiões ao testemunhar interpretações literais demais da Bíblia ou do Alcorão. Por outro lado, interpretações 100% não literais tornam as religiões quase obsoletas, quase como meras histórias de fantasia com lições morais.
Não era assim que os antigos viam e viviam suas próprias religiões (evidentemente, sempre existiram fanáticos em qualquer época). Eles não interpretavam seus livros religiosos de forma 100% literal e nem 100% fantasiosa. Hoje em dia temos dificuldade de seguir as religiões antigas porque tivemos uma educação totalmente fragmentada, que dita que ou Deus existe da mesma forma que uma cadeira ou uma planta existe, ou ele não existe.
O que mais me interessa não é se Deus existe como uma cadeira e sim se ele existe para fazer uma diferença REAL na vida de pessoas que estão sofrendo e morrendo AGORA.
“Portanto, Deus não é Deus de mortos, mas sim de vivos, pois para Ele todos vivem”.
(Lucas, 20:38)
O que me interessa é se a crença em Deus e rezar para Deus fez, faz e fará uma diferença real na minha própria vida em momentos em que eu estou sofrendo muito, enfrentando uma doença, uma grande dor ou morrendo.
Note que isso é diferente de tentar provar que Deus “funciona”, mas sim uma comprovação interna da existência de Deus para mim (que atua de forma externa e interna, na realidade dos outros e na minha. Não de forma imaginária, mas mais concreta do que uma cadeira).
Em que grau mental/espiritual/material Deus existe é uma discussão para teólogos em suas Torres de Marfim. Eu também acho tais debates interessantes, não estou diminuindo os teólogos ou os filósofos. Até porque as conclusões desses debates podem gerar consequências práticas, como aprofundar a fé de alguém em Deus pelo intelecto.
Porém, eu vejo pessoas passando fome, com câncer, sem dinheiro, sem nada, com uma coragem, uma alegria genuína e uma crença firme em Deus e isso me interessa. Deus é, muitas vezes, a fonte dessa bravura e alegria e é isso que me importa.
É claro que ateístas podem ter grande coragem diante da dor e da morte, ter certa tranquilidade, otimismo e paz. Mas a origem dessa paz pode não ser especificamente seu ateísmo, mas outras coisas: experiência de vida, amizade, amor, família, valores diversos. Da mesma forma, claro, que a paz de um teísta pode ter outras origens que não sejam exclusivamente sua crença em Deus.
Ainda assim, eu vejo como a crença em Deus ajuda nesses momentos e as próprias pessoas afirmam isso: que, além do amor pela família, amigos, etc, é a fé que as sustenta.
Essa é uma das maiores razões porque eu acredito em Deus e quero continuar acreditando: para me dar forças em momentos difíceis e para me conectar com pessoas que estão em momentos difíceis. Eu sinto que a crença em Deus me liga aos outros, como se essa fé fosse uma linguagem universal comum.
“Eu rezo por ti”. “Eu rezarei por ti também”. Isso é belo. Isso é profundo. Um tipo de beleza com uma espantosa simplicidade, tão humana, e, ao mesmo tempo, que transcende o ser humano.
Não me leve a mal, eu gosto muito de ver Netflix e pretendo continuar vendo. Também gosto muito de histórias de fantasia. Mas eu também gosto muito da aventura real que eu vivo na minha própria vida. E eu acredito que essa aventura envolve, além das pessoas reais ao meu redor, um mundo que inclui seres como Deus, anjos, demônios e outras entidades que estão por aí. Eu acredito num mundo após a morte e numa esperança nessa vida e na outra.
Não entendo direito como tudo isso funciona, mas o fato de ter tanta gente ao meu redor que segue religiões, acredita em Deus, é otimista e tem esperança, também me dá forças para acreditar em Deus e ter esperança na humanidade, nesse mundo e no outro. Essas pessoas me inspiram.
E por enquanto isso é o bastante para mim. E eu quero que seja o bastante. Coloco minha esperança tanto em Deus como no ser humano. No poder divino e na força humana de superar-se pela ciência, pela sua fé e coragem. Mas não sozinhos: temos uns aos outros e a Deus. Juntos somos mais fortes, mesmo quando não estamos juntos fisicamente. Há uma teia invisível e firme de apoio (como a que Tolstói descreve de forma tão bela no final de sua biografia).
Está tudo bem termos medo da morte e da dor. Mesmo acreditando em Deus ainda podemos ter medo, mas é importante tentar não entrar em desespero, sempre manter a esperança e ter fé uns nos outros e numa força maior. Quando ficarmos tristes e com muita dor, sabemos que temos uns aos outros e outros seres torcendo por nós e nos ajudando, de longe e de perto.
Isso não é apenas uma esperança e uma crença vazia. Eu acredito no testemunho daqueles que vieram antes de mim e naqueles que vivem agora. Creio tanto na vida dos santos como na vida de pessoas como eu, cheias de defeitos, mas que ainda assim acham que a vida tem um sentido e que a alegria compensa a tristeza da existência.