Por que eu gosto de ler?

Wanju Duli
22 min readJan 5, 2020

--

Eu tinha uns 7 anos e estava na primeira série. Havia uma grande biblioteca no meu colégio. Desde que eu aprendi a ler, eu entendi que os adultos achavam o máximo crianças que liam muito. Elas pareciam ser as mais legais e as mais inteligentes.

Naquele ano nós cantamos num palco do colégio essa música: “Para ser feliz é preciso ler livros e o mundo todo conhecer, é poder viajar na imaginação, é viver com muito mais emoção!”

Aquela música ficou na minha cabeça e no meu coração e desde então não parei mais de ler. Havia prateleiras de livros no meu colégio com livros para crianças da primeira série, segunda, terceira e quarta. Mesmo na primeira série, eu só pegava livros da prateleira para crianças de quarta série, porque eu queria me exibir. A moça da biblioteca me elogiava, então eu pegava livros cada vez mais longos e mais difíceis. Todo dia eu levava um para ler em casa e devolvia no dia seguinte.

Troquei várias vezes de colégio e em cada colégio novo eu ficava empolgada para descobrir a biblioteca. Eu passava muito tempo lá.

Lembro que quando eu tinha 12 anos e estava na sexta série tínhamos que escolher um livro (qualquer um), ler e falar sobre ele para a turma. Naquele ano eu pegava livros na biblioteca do colégio pelo menos toda semana, porque eu estava começando a ler livros mais longos. Então nem sempre eu conseguia ler um livro longo para entregar no dia seguinte.

Foi esse livro que eu apresentei para a turma: “E Jimmy foi ao arco-íris” de J. M. Simmel (exatamente com essa capa). É um livro de 502 páginas, que eu levei quase um mês para terminar de ler. Eu nunca tinha levado tanto tempo para terminar um livro antes. Esse é o resumo da história:

“Baseado em acontecimentos reais, é o primeiro romance de Simmel publicado em português. O pesquisador argentino Raphaelo Aranda é envenenado pela livreira Valerie Steinfeld, que se suicida em seguida. Seu filho Manuel viaja para a Europa e conhece a sobrinha de Valerie, Irene. Num cenário marcado pelo luxo e ainda afetado pela guerra, a vida de ambos sofre uma reviravolta e é ameaçada pela disputa de serviços secretos rivais.”

Lembro que esse livro era cheio de cenas de violência, tortura, sexo explícito, sadomasoquismo e sei lá mais o quê. Bem, estava na biblioteca do meu colégio, oras! Antes desse, lembro que eu tinha retirado um livro de terror sobre uma cidade deserta com crianças que nasciam sem olhos, mas eu me assustei tanto lendo que devolvi antes de terminar.

Uma coisa legal que eu lembro sobre o livro é que o título “E Jimmy foi ao arco-íris” não tem nada a ver com o livro. Na verdade, essa frase é um código e se você trocar a ordem das letras ela se transforma em outra coisa. Nessa época fiquei maravilhada em brincar disso, criando meus próprios códigos em que eu trocava a ordem das palavras e somava números para trocar “mensagens secretas” em papeis com colegas minhas durante a aula.

Vários livros marcaram minha infância. Um deles foi “O Senhor das Moscas” de William Golding, que meu pai me emprestou quando eu tinha uns dez anos. Infelizmente não lembro qual era a capa, mas devia ser uma edição dos anos 80 ou 90. A violência da história também me marcou bastante.

Livros do autor alemão Michael Ende (autor de “A História Sem Fim”) também marcaram minha infância, pois lemos muitos livros dele no colégio. Li pelo menos uns cinco.

“Jim Knopf e Lucas o Maquinista” eu li na quarta série, também com uns dez anos, exatamente com essa capa. Em 2018 lançaram o filme do livro, mas eu ainda não assisti. Eu reli esse livro no ano passado e concluí que as cenas eram tão mágicas quanto eu me lembrava.

Quando eu estava no primeiro ano do ensino médio, com 15 anos, eu pegava exatamente um livro por dia na biblioteca do colégio. Eu acho que naquele ano devo ter lido uns 200 livros, mas isso não era novidade. Acho que desde os 13 anos eu tentava ler quase cem livros por ano.

Meu presente de 14 anos foi uma edição de “As Mil e Uma Noites”, por causa do sucesso da novela “O Clone”, então esse livro ficou na moda no Brasil. E meu presente de 15 anos foi a Ilíada.

Esse foi o box de “As Mil e Uma Noites” que ganhei, que vinha com dois livros, e eu li todo quando passei aquelas férias de verão na praia. As histórias me maravilharam. Ao todo, eram mais de mil páginas. Sonhos, dentro de sonhos, dentro de sonhos, com histórias de homens que se transformavam em animais e belos rapazes com grossas sobrancelhas negras.

Lembro que nesses anos eu estava encantada com a beleza dessas caixinhas e uns anos depois ganhei o box de “A Divina Comédia”.

Mas não se preocupe, eu não vou falar sobre todos os livros que eu li desde que eu tinha sete anos, hehe.

Eu também comecei a escrever livros desde que comecei a ler. No começo, eu imitava os autores que eu lia e gostava, como Conan Doyle.

O primeiro tipo de história que eu comecei a escrever foi de mistério. Meu primeiro livro favorito foi “Os criminosos vieram para o chá” de Stella Carr. Achei a história e o final do livro geniais e esse foi meu livro preferido por alguns anos, desde que eu tinha uns nove anos. Li no colégio, para variar.

Meu segundo livro favorito foi quando eu tinha 14 anos: “Ami, o menino das estrelas” do autor chileno Enrique Barrios. Quem me recomendou foi um rapaz alguns anos mais velho que eu, que conheci no chat do Terra. Na verdade, só falei com ele uma ou duas vezes e depois nunca mais encontrei.

Hoje eu tenho uma “nova” edição do livro, autografada pelo autor muitos anos atrás. Acabei de tirar uma foto. :)

Não me lembro qual foi meu terceiro livro preferido. Talvez “Capitães da Areia” de Jorge Amado. Mas meu quarto (ou quinto?) livro favorito ainda é o mesmo até hoje: “O Jogo das Contas de Vidro” de Hermann Hesse, que eu já devo ter lido umas oito vezes. Eu leio em torno de uma vez por ano. Gosto tanto que até escrevi minha versão do livro.

Claro que eu já tive épocas na minha vida em que li menos. Mas lembro que eu voltei a ler no mínimo cem livros por ano no ano em que o Aaron Swartz cometeu suicídio. Isso foi em 2013. Vi o documentário sobre ele, li sobre ele e lembro que eu li em algum lugar que ele lia pelo menos cem livros por ano.

Isso me marcou. Desde então, eu pensei: “Não posso ler menos que isso”. Então eu me inscrevi no site “Goodreads” e comecei a contar quantos livros eu lia por ano.

Portanto, em 2013 li uns cem livros. Em 2014 uns 150. Em 2015 acho que foram 200.

Até que chegou o glorioso ano de 2016: li 300 livros, minha maior marca até hoje. Só não li mais porque naquele ano eu também escrevi uns cinco livros. Senão, eu teria conseguido a maravilhosa marca de 365, ou um livro por dia.

Em 2017 eu li 200 livros. Em 2018 meu registro de leituras do Goodreads desde 2013 já tinha ultrapassado a contagem de mil livros e eu estava muito orgulhosa disso.

No entanto, em 2018 eu comecei a me sentir uma fraude, porque eu estava começando a querer fazer outras coisas da minha vida que não fosse apenas ler e escrever (meus retiros em mosteiros também ajudaram bastante a colocar minhas leituras em dia) e comecei a trapacear.

Eu flagrei a mim mesma fazendo o seguinte: eu estava buscando listas na internet dos “clássicos da literatura mais curtos” e comecei a ler livros de apenas 50 ou 100 páginas só para conseguir ler mais de um livro por dia.

Lembro que no primeiro ano do ensino médio, quando consegui ler 200 livros naquele ano, metade foram de poesia. E sabemos que poesia é muito rápido de ler. Era assim que eu conseguia ler um livro por dia. A leitura de um livro tão curto não me tomava mais que 1h ou 2h diárias, ao contrário dos livros de 200 ou 300 páginas, que me tomavam longas horas ou o dia inteiro, ou até me tiravam horas de sono para eu conseguir terminar. Ler livros de teatro também era outra estratégia que eu usava (mas teatro eu gosto bastante mesmo).

Honestamente, eu comecei a me sentir uma grande idiota, haha.

“Foda-se o número de livros!” eu pensei. “Não estou participando de uma competição!”

Eu não me considero uma pessoa competitiva. Ou melhor, eu acredito em competições saudáveis, nas quais as pessoas melhoram juntas com essa “rivalidade”. Não sou contra competições. Acho divertido, quando realizadas de uma maneira que façam as pessoas se sentirem bem.

Eu via pessoas no Goodreads com mais de dois, três ou quatro mil livros lidos e eu achava o máximo! Meus meros mil livros lidos já pareciam pouco.

Mas, espere, os meus mil livros lidos eram uma contagem somente desde 2013. Comecei a tentar lembrar os nomes das outras centenas de livros que li ao longo da minha vida, para registrar no Goodreads também. No total, acho que consegui contar quase mil livros. Então quase dois mil, somados com os que eu já tinha.

Claro que eu não lembrei os nomes de todos os livros que já li ao longo da minha vida. Somente os que me marcaram.

Cheguei a conclusão que, desde que eu nasci, já devo ter lido entre dois e três mil livros (talvez mais para dois do que para três, sei lá. Difícil dizer, já que não mantive um registro). Porém, adivinhe: eu li “Didascalicon”, de Hugo de São Vitor, e lá ele conta sobre um monge que conheceu que afirmava já ter lido mais de seis mil livros.

Foi então que eu explodi: “Maldito desgraçado! Esses miseráveis da Idade Média que não tinham internet, filmes e videogame para serem tentados liam a porra toda da biblioteca!”

Mas calma, eu ainda teria algumas décadas de vida pela frente. Ainda daria tempo de ganhar do monge medieval, chegar à marca dos sete mil livros e nesse momento eu cantaria e dançaria: “AHAHA GANHEEEIII”

Bem, dizem que as leituras te deixam mais sábio, mas, se fosse verdade, as minhas centenas ou milhares de livros lidos não estavam servindo para nada, pois eu estava agindo como uma criança, hehe.

Vejamos alguns trechos do Didascalicon, para colocar um pouco de juízo nos meus pensamentos:

“É principalmente por dois instrumentos que alguém adquire o conhecimento: a leitura e a meditação. Observando ambos, notamos que é a leitura que vem em primeiro lugar na instrução, e justamente por isto este livro que segue trata dos preceitos e regras para a boa leitura”

“Logo, o princípio da doutrina está na leitura, e sua consumação, na meditação. E quanto mais alguém aprende a amar a leitura com familiaridade, desejando-se esvaziar-se para com ela se preencher, mais construirá uma vida agradável. [E o que é uma vida agradável?] Aquela vida que, diante das tribulações cotidianas, nos dá a alternativa de consolação máxima”.

“A meditação, portanto [amparada inicialmente na leitura] afasta maximamente nossa alma do mundo entrépito, isto é, aquele direcionado pelas coisas terrenas. Ela nos faz gozar com antecedência — ainda nesta vida — da doçura da paz eterna”.

“Não qualifiques qualquer conhecimento de vil ou inútil, porque toda ciência é boa de algum modo. Se te deparas com um tempo livre, não deixeis de, pelo menos, ler um escrito qualquer, porque se não lucrares com tais palavras ao menos nada irás perder”

“Há pessoas que desejam ler todas as coisas, mas tu não deves desejar competir, e sim contentar-se. Também não deves ficar consternado, caso não leres todos os livros, isto porque o número deles é infinito. Onde não há um fim não pode existir descanso; onde não há descanso não pode existir paz; onde não há paz Deus não pode habitar”

Ahá! Aí estava meu ensinamento!

Todo ano eu colocava meu planejamento no Goodreads do número de livros que eu desejava ler no próximo ano. E eu sempre conseguia cumprir, mesmo no ano em que coloquei como meta ler 300 livros.

Mas aquele foi um ano estressante, pois o ano estava chegando ao fim e eu achei que não ia conseguir terminar. Por isso diminuí a meta para o próximo ano: “vamos ser humildes, apenas 200”.

Mesmo assim, me estressei e voltei aos meus humildes cem livros. Até que eu resolvi excluir minha conta no Goodreads porque eu queria ter a liberdade de começar a ler um livro de 500, 700 ou mil páginas, sem me preocupar que aquela leitura contaria apenas como um livro lido e me tomaria mais tempo.

Não me entenda mal: eu ainda adoro o Goodreads e de vez em quando consulto o site quando preciso de dicas de leitura. Por exemplo, listas dos livros mais famosos de um gênero específico, de um país, etc.

E é super divertido ter conta lá e estabelecer metas de leitura. Ajuda muito a ter disciplina. Também é inspirador acompanhar as listas de outras pessoas. Você se sente estimulado a ler mais ao ver tanta gente lendo ao seu redor. Quem sabe um dia eu retorne para o site, quando eu tiver mais maturidade e parar de agir como uma criança de cinco anos, haha.

Eu não contei os livros que eu li em 2019, mas deve ter sido em torno de cem. Pretendo ler mais ou menos isso em 2020 também, mas se eu não conseguir e ler menos, sei lá, rale-se! ;)

Eu nem precisava dizer isso, mas é claro que não é o NÚMERO de livros que importa mais! Eu também adoro reler meus livros favoritos e escolher livros que eu realmente tenho vontade de ler, independente do número de páginas, da nacionalidade do autor ou de ele ser ou não um clássico da literatura.

O que eu penso sobre os clássicos? Alguns eu acho maravilhosos, do tipo que mudaram minha vida, senti êxtases durante a leitura e não poderia morrer sem ler. Outros eu acho um saco e me dou o respeito de não ler aquela merda até o fim. Claro, “merda” é relativo, até certo ponto.

É relativamente difícil você mencionar um nome de um clássico ou autor famoso que eu não tenha pelo menos tentado começar a ler as primeiras páginas. A maior parte eu não li, ou porque são muito longos ou muito enrolados ou chatos. Pelo menos na minha opinião.

Mas eu respeito os clássicos e acho que há muitos bons motivos para conhecê-los. Tanto os nacionais quanto os estrangeiros.

Eu passo por diferentes fases de leitura. Já passei por minha fase “quero ler muitos clássicos nacionais” ou “quero ler os clássicos africanos” ou “quero ler livros religiosos” ou “quero ler o que está fazendo sucesso agora” ou “estou a fim de ler só ficção” ou “estou a fim de ler biografias” ou “quero ler livros sobre assuntos específicos, como história da matemática, filosofia, nutrição, biologia, etc”.

Parando para pensar, meu Deus, por que eu leio tanto? Que merda, cara. Ou melhor, é maravilhoso! Quem sabe uma merda maravilhosa? Talvez.

Ironicamente, já passei por fases da minha vida em que eu propositalmente tentei ler menos para largar esse “vício”. Minha principal razão para isso é ter tempo para escrever mais, mas há outras razões.

Eu acredito que ler é uma maneira única de sentir o mundo. Acho que ler faz bem para todos. Mas provavelmente não é a melhor forma de sentir o mundo, não é a número um.

Talvez seja a forma número dois ou três em importância? Não sei. Eu só sei que ler é muito importante, mas não é a coisa mais importante.

Vou repetir um clichê: eu acho que não devemos interagir somente com as pessoas vivas e mortas que escreveram os livros, mas ver e tocar pessoas reais, de carne e osso.

Com certeza há pessoas no mundo que nem sabem ler e escrever e são seres humanos muito melhores do que eu. É claro que ler mais não significa necessariamente que a pessoa se tornará mais sábia e nem mesmo mais bondosa.

Porém, ler pode te ajudar a ter uma visão mais ampla do mundo e das coisas, a enxergar o mundo com outros pontos de vista. Ler não é a única forma de fazer isso. Conversar com muita gente, viajar, ver filmes, jogar videogame, etc, todas são formas válidas de mergulhar em outros mundos e testar novas formas de encarar a realidade, que desafia nossas velhas visões de mundo e nos torna mais humildes.

Monge em hábito branco, sentado, lendo, por Jean-Baptiste Camille Corot, entre 1850 e 1855

Religiões me ajudaram bastante a ter uma visão mais equilibrada sobre a leitura. Afinal, ler os sutras ajuda muito um monge budista, mas a meditação ajuda mais. Ler a Bíblia ajuda muito um cristão, mas rezar (a não ser que você reze usando a Bíblia, é claro) e realizar boas ações no mundo é melhor.

Não sou a favor da visão que diminui muito a importância da leitura, relegando-a a uma categoria inferior, pois a leitura pode sim te ajudar a rezar melhor, a meditar melhor, a realizar boas ações no mundo, ou a ser um guia teórico para praticamente qualquer coisa que você ache bom ou queira fazer na prática. Dependendo do que seja, a leitura tem mais importância ou menos, mas ela ajuda e sua influência para o bem não deve ser subestimada (e nem superestimada, obviamente. Apenas ler não vai te garantir o céu).

Evidentemente, a leitura também pode colocar ideias ruins em nossa cabeça, como qualquer outra coisa. Mas eu tendo a acreditar que, principalmente quando diversificamos nossos tipos de leitura, ela abre a mente.

A ideia não é ser um escravo dos livros e usar a leitura como uma válvula de escape, para fugir para outros mundos. Ou melhor, acho que todos temos o direito de fugir para um canto de vez em quando, para descansar, relaxar ou até chorar. Fugir nem sempre é negativo, se é uma estratégia temporária para renovar nossas forças. É preciso respeitar o tempo de cada um.

Ter momentos para explorar coisas nos livros é realmente mágico, como aprender sobre um novo assunto. É nada menos que extraordinário.

Eu busco nos livros muitas coisas: às vezes conhecimento, outras vezes apenas diversão. Eu gosto de alternar leituras que me ensinam algo com outras que talvez apenas me façam rir ou relaxar. Pois eu não quero que livros sejam um sinônimo de um compromisso chato e nem sinônimo de uma mera distração. Quero que eles sejam tanto conhecimento quanto passatempo, e muito mais que isso.

“Para ser feliz é preciso ler livros” dizia a musiquinha do meu colégio. Eles não imaginavam que estavam criando um monstrinho com essas palavras, haha.

Se eu achei a felicidade nos livros? Parte dela sim! Mas outra parte está no mundo das pessoas de carne e osso. E outra parte no mundo espiritual de Deus, anjos e demônios. E em lugares diversos, como outros tipos de diversão.

Respondendo a pergunta do título: por que eu gosto de ler? Como deu para perceber pela minha historinha, minha paixão por leitura não começou como um amor espontâneo. No início, eu lia apenas porque os adultos me elogiavam quando eu lia e “achavam bonito” a criancinha se entupindo de livros até o pescoço.

Com o tempo, e de tanto ler livros, bem, eu acabei gostando porque, porra, depois de ler tanto, algum deles tinha que ser bom e me fazer tomar gosto pela coisa!

Ler não foi algo natural, que nasceu em mim do nada. Não é como se fosse algo natural para o ser humano gostar de livros, da mesma forma que gostamos de comer e dormir. É preciso fazer um esforço.

Muita gente ao meu redor me incentivou nesse esforço. As bibliotecas e bibliotecários dos colégios em que estudei foram essenciais. É fundamental que um colégio tenha uma boa biblioteca. Eu fui a primeira pessoa a retirar talvez a maior parte dos livros que li nos meus colégios, porque poucos alunos tinham aquela rotina de leitura da mesma forma que eu tinha. Mas isso não é motivo para não botar livros novos numa biblioteca de colégio. Livros precisam estar disponíveis para todos, pois eles podem ser necessários não somente para consulta nos estudos, mas você nunca sabe quando um novo leitor pode nascer e ele precisa desse mundo para desvendar.

É verdade que com os livros digitais as bibliotecas físicas têm mudado. Agora é muito mais fácil ter acesso a livros. É claro que o tal monge que leu seis mil livros na Idade Média só conseguiu fazer isso porque teve o privilégio de aprender latim e talvez grego, e porque ele tinha acesso a uma biblioteca cara.

Sou a favor da tecnologia e acredito que ela ajuda muito a leitura mais do que atrapalha. Veremos o que nos aguarda nos próximos anos.

Além das bibliotecas, professores, família e amigos me ensinaram o prazer de ler. Tive o privilégio de ter professores de português e literatura muito apaixonados por livros e que passaram essa paixão para mim. Eles me recomendaram livros excelentes.

Tive e ainda tenho amigos apaixonados por livros que me sugeriram ótimas leituras. Meu pai tinha praticamente uma biblioteca em casa, sempre amou ler e me emprestou muitos livros (ele ainda me empresta). E minha tia até hoje me empresta e recomenda vários.

Então, não, eu não sou um gênio que nasceu com o “dom” da leitura, mas eu apenas soube alegremente aceitar e abraçar aquele mundo de livros que eu via ao meu redor.

Eu apenas disse “sim”. Às vezes eu digo “não” e há momentos em que é preciso aprender a dizer não, até mesmo para livros.

E sobre pessoas que odeiam ler?

Elas têm todo o direito de não gostar. Não gosto dessa história de doutrinar pessoas, discursando que elas devem ler porque ler te traz conhecimento ou é uma forma de entretenimento mais “nobre” do que filmes ou videogames (não acho que seja, até porque um bom documentário pode te ensinar tanto quanto um bom livro).

Cada um deve ter a liberdade de escolher o conhecimento ou a diversão que desejar. A vida é muito curta para se entupir de livros se você não gosta disso. Você pode tentar doutrinar alguém a comer cenouras em vez de chocolates com base em muitos argumentos (e alguns deles podem ser bons), mas isso não é um saco?

É claro que eu tento fazer com que familiares e amigos leiam livros que eu gosto muito, mas eu também faço isso com filmes e outras coisas, então não é algo exclusivo de livros. É natural desejarmos compartilhar com os outros as coisas que gostamos.

Eu gosto de ler porque aprendi a gostar por osmose e superexposição. Não sou do tipo que abana bandeira e faz passeata para que as pessoas leiam mais. Eu leio no meu canto e deixo que minha vida de leitura seja um testemunho (talvez bom, ou talvez ruim? Vai saber!) que pode incentivar um ou outro a ler.

Gosto de compartilhar minhas resenhas de livros na internet, da mesma forma que gosto de compartilhar minhas histórias. É simplesmente algo humano, um desejo de comunicação com meus semelhantes. Quando encontro algo bom (ou pelo menos que eu ache bom), gosto de mostrar, não necessariamente para o mundo todo, mas ao menos para aqueles ao meu redor.

Até hoje, o ato da leitura tem me gerado bons resultados. Estou super satisfeita com todas as coisas que aprendi até hoje com livros e grata pelos momentos imperdíveis de risadas e grandes emoções (às vezes até lágrimas! Já chorei lendo livros muitas vezes). E eu aprendo com livros de ficção também. Não somente com biografias ou livros sobre temas específicos.

Sinto que ler abre minha mente, me ensina, me diverte. Outras coisas têm esse efeito além de livros, claro. Mas um pode complementar o outro.

Se vale a pena acrescentar algumas leituras na sua vida? Com certeza! Você não precisa necessariamente ler cem livros por ano. Pode ser cinquenta. Ou dez. Ou cinco. Diabos, pode ser um! Contanto que tenha algum. Se você não gosta de ler, mas quer ler, existe a opção dos audiolivros também. Tem vários no Youtube.

Muita gente já me perguntou como eu faço para ler tanto. Como ter disciplina para ler? E como organizar um tempo diário para leitura?

Como muitas coisas na vida, não existe apenas uma resposta certa para isso. Há várias estratégias que você pode testar e descobrir qual é a melhor para você.

Em primeiro lugar, eu leio muito porque eu quero ler muito. Eu cheguei à conclusão lógica (e empírica) que ler muito traz diversas coisas maravilhosas para minha vida que eu considero importantes.

Eu considero que é importante aprender coisas novas. Mas eu prefiro que aprender seja divertido e não chato. Talvez você não se importe que seja chato e para você é mais efetivo passar direto para os livros didáticos que te ensinam coisas da forma mais rápida e efetiva possível, sem perder tempo e sem enrolar. Caso você considere aprender sua prioridade máxima.

Como eu prefiro que a leitura seja um processo agradável e leve para mim, eu dou preferência a livros de ficção, fantasia ou quadrinhos que me ensinem as coisas que quero saber. Melhor ainda se for um livro bonito e com figuras. Se não há essa opção, eu alterno minha leitura de livros chatos de coisas que quero saber com as de livros legais que não me darão tanto o conhecimento que busco (mas darão bons momentos).

Não sou um robô e acredito que o ser humano precise de lazer todos os dias (até nos mosteiros há a hora do “recreio”), então eu quero associar livros a coisas boas e me certifico de ler livros bobinhos com frequência, junto com os livros “sérios”, embora eu não faça um cálculo exato para determinar a quantidade de um e de outro, mas uma conta aproximada.

Também atento para meu humor do dia. Se estou sem saco de ler, pego os livros legais. Se estou inspirada num dia, começo com os chatos para me livrar deles logo.

Em geral, eu tento terminar todos os livros que começo. Porém, se eu já tentei, digamos, umas cinco vezes e não consigo sair das primeiras páginas, eu aceito desistir de um livro e deixá-lo de lado. Eu não assinei um contrato de casamento com o livro. Eu apenas gastei com ele. Deixar de lado um livro pelo qual você pagou é triste, mas acontece, faz parte da vida. Você deve seguir em frente, não deixe que aquilo te torne prisioneiro e devore seu tempo, te impedindo de avançar para outros livros mais produtivos. Qualquer coisa, sempre tem o sebo para vender seu livro lá e te consolar com um trocado. Quem sabe o livro tenha algo a oferecer a outra pessoa.

Eu faço questão de ler todos os dias, mas eu não me chicoteio em dias que não leio. Acontece de haver dias em que estou muito ocupada, em situações que dificultam a leitura ou simplesmente muito interessada numa série, jogo ou qualquer outra coisa. Eu sigo meu coração e faço o que estou a fim. Se eu exagero no “lazer”, tento equilibrar com o “dever” de uma forma gentil e pouco traumática.

Eu sempre leio mais de um livro ao mesmo tempo. Estar sem livro nenhum na minha frente é um risco que não desejo correr e não quero isso nem para o meu pior inimigo. Por isso, sempre tenho livros extras caso eu acabe um deles.

E não só por isso. Muitos livros são chatos pra caralho e é um suplício ler apenas uma página dele. Para conseguir prosseguir livros assim, caso você queira muito terminar o maldito (seja qual for o motivo, vai que alguém te emprestou ou você precise ler para colégio/faculdade), é bom alternar a leitura dele com outras leituras ou fazer pausas diversas de outras naturezas, pois torna o processo mais suportável.

Acredito que cinco é um bom número de livros para ler ao mesmo tempo. Dez é o meu limite. No momento, estou com uns vinte livros aqui na minha mesa e com vinte não é viável ler no mínimo duas páginas de cada por dia, como costumo fazer.

Considero duas páginas um bom número, para colocar o marcador de página num lugar novo, mas se eu leio apenas uma página no dia eu posiciono o marcador de cabeça para baixo para indicar que estou na página da direita (ahá! Pelo menos uma dica boa você conseguiu com a leitura desse texto! Não sei se mais alguém faz isso, mas sempre gostei de fazer).

Se você se empolgar com um dos livros e não conseguir largar, por favor, vá em frente e siga seu coração. Os outros podem esperar. Eles só estão ali de muleta. Se a muleta nem for capaz de cumprir essa função, um dia ele achará uma nova morada no sebo e será mais feliz lá do que em sua mesa.

Eu não gosto de livros parados na minha estante. Se não pretendo reler ou emprestar, vendo ou dou (a não ser que o livro tenha sido um presente. Aí eu guardo). Assim abre mais espaço e os livros ficam felizes de não serem uns inúteis cobertos de pó.

Livros já fazem parte da minha vida, então a questão da disciplina e da leitura diária em geral eu aplico com mais frequência para os livros mais chatos e/ou mais longos. Os legais e/ou curtos eu acabo terminando em poucos dias sem pensar. Da mesma forma que você acaba rápido uma série que te prende ou uma série curta porque é curta mesmo, aí você se livra logo.

Mas é humanamente possível ler tanto e conciliar com trabalho e/ou estudos? Bem, meu filho, depende das suas prioridades. Eu gosto de ler e quero ler, então eu leio em praticamente qualquer lugar, incluindo no ônibus ou se estou sentada à toa num shopping, num restaurante ou em qualquer parte, esperando qualquer coisa. Tenho meu Kindle também, que ajuda porque é leve para carregar por aí. Normalmente quando estamos na rua pegamos o celular. Eu faço isso talvez em metade das vezes. Na outra metade pego meu Kindle ou um livro. Já minha irmã tem o aplicativo para ler livros no próprio celular, que também é uma possibilidade.

Algumas pessoas são mais ocupadas do que outras e por isso eu sugiro que se leia pelo menos duas páginas por dia. Já terminei vários livros fazendo isso, inclusive livros longos. Eu apenas demorei alguns meses em vez de alguns dias ou semanas. Se a leitura não é urgente, por que não? É como se um dia o livro simplesmente acabasse sozinho, sem você ter feito quase nenhum esforço. É engraçado.

Livros físicos são caros, mas há sebos e bibliotecas. Os livros digitais são mais baratos e há vários livros de graça na internet. Sim, é um saco ler no computador, mas mesmo assim eu já fiz isso para ler vários livros quando era a única opção. E hoje em dia dá pra ler no celular. Ainda lembro da época em que eu escrevia meus livros tudo à mão em cadernos, quando eu não tinha computador.

Esse texto já está muito longo, então vou terminar por aqui. Eu teria muito mais a falar sobre livros, já que eles foram e ainda são uma parte importante da minha vida. É legal falar com pessoas mortas da Idade Média e outras épocas. Mas eu também curto falar com pessoas vivas, cara a cara. Normalmente, há tempo para fazer as duas coisas num dia se você tiver as inclinações para isso.

--

--

Wanju Duli
Wanju Duli

No responses yet