Perfeccionismo e pessimismo: por que eu não sou a favor?

Wanju Duli
11 min readApr 29, 2021

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Eu costumo dizer, para quem quiser escutar, que eu não sou perfeccionista e que eu sou otimista. Claro, todos nós temos nossos momentos perfeccionistas e pessimistas. Eu também costumo dizer que, em geral, não me considero uma pessoa muito ansiosa. Mas, como qualquer um, há situações específicas em que fico ansiosa.

Eu não acho que coisas como perfeccionismo, pessimismo e ansiedade são sempre ruins. Há momentos em que eles são bons, aceitáveis e razoáveis. Há instantes em que a ansiedade é útil, pois se um leão fosse nos devorar e ficássemos super tranquilos, sem fazer nada a respeito, não seria algo legal (embora fosse legal para o leão).

Então, apesar do título desse post (é difícil fazer títulos e sintetizar algo complexo em uma frase), meu objetivo não é demonizar emoções, sentimentos ou estados do ser. Até a raiva tem sua utilidade.

Li esse texto enquanto procurava uma imagem para esse post e achei interessante. Em geral, mais gente concorda que o pessimismo costuma ter muitos lados ruins. Mas muitos encaram o perfeccionismo como uma virtude.

É bom se esforçar bastante e dar o seu melhor para fazer algo bem. É positivo ver os lados ruins das coisas também. O problema é quando essas duas coisas viram obsessões (e elas estão relacionadas).

Eu não gosto quando o otimismo vira algo falso, aquela coisa meio fingida de “tudo vai ficar bem, tudo é maravilhoso”. E não ser perfeccionista tampouco deve ser uma desculpa para fazer as coisas de qualquer jeito.

Mas eu acho que muita gente sofre de excesso de ansiedade porque cria parâmetros inatingíveis de perfeição para si mesmo. Então você se compara com os outros, ou se compara com uma imagem perfeita de você mesmo que você fabricou. Mas é impossível ser perfeito, então você fica paralisado e adia as coisas que planejou fazer, porque o peso de ser perfeito é muito grande. E então você nem tem coragem ou energia para começar. Isso se torna uma visão sombria e pessimista do mundo: tem um eu perfeito que você quer se tornar, mas você nunca chega lá. Esse só pode ser um mundo escuro e sombrio, cheio de coisas ruins. Um mundo que não permite que você seja Deus.

Não me levem a mal quando eu cito o ateísmo em posts, pois eu conheço vários ateístas admiráveis (exemplos de alta conduta moral) e acho que o ateísmo faz sentido em alguns contextos e tem lados bons. Mas eu acredito que, em muitos casos, o ateísmo é uma visão pessimista e perfeccionista do mundo, pois muitos ateístas não acreditam em Deus porque não acham que faça sentido existir sofrimento e morte num mundo com Deus. Ou seja, muitos ateístas só acreditariam em Deus se o mundo fosse perfeito, sem nenhum sofrimento ou morte. Ou até que porcentagem de sofrimento é aceitável para Deus existir? 1%? 0,00001%?

Portanto, na visão de muitos ateístas, nós vivemos num mundo ruim e sombrio, com sofrimento e morte. Ou seja, uma visão pessimista. E num mundo assim Deus não se encaixaria.

Eu acredito em Deus porque eu não sou perfeccionista e eu não sou pessimista. Eu acredito que Deus pode existir num mundo imperfeito. E eu gosto de olhar para o lado bom das coisas e ver Deus nelas. E nas coisas ruins eu também vejo Deus sofrendo ao nosso lado, torcendo para que possamos usar nosso livre-arbítrio para melhorar as coisas. Não para sermos perfeitos, mas para fazermos o melhor possível.

Mas e os santos católicos? Eles não eram perfeccionistas? Eles não tentavam se tornar muito bons, o mais próximo possível de Deus? Bem, na minha visão eles eram o contrário de perfeccionistas, pois admitiam desde o começo: perfeito é só Deus. E sem Deus não sou capaz de fazer nada. Portanto, eles confiavam em Deus, tinham esperança. Tinham otimismo de que Deus existe, então há um plano até para as coisas ruins. Deus sabe do lado bom das coisas ruins, então deixemos essa parte para ele. Cabe a nós confiar e fazer o melhor possível. Mas nunca sozinhos. Com os outros e com Deus.

É claro que eu não nasci otimista. Eu tive que, aos poucos, com leituras e vivências, aprender os lados bons do otimismo e os lados bons de evitar o perfeccionismo. Eu não sou um Cândido ou uma Pollyanna (já li os dois livros, são ótimos!), mas sinceramente consigo olhar para as coisas boas do mundo e das pessoas (ou me esforço para isso em vez de apenas reclamar do que está ruim. OK, às vezes eu reclamo um pouquinho…).

Eu não quero ser a otimista ingênua, que finge que tudo está bem e foge das dificuldades. Ao contrário, eu gosto de ver os piores cenários possíveis, ler livros de guerra e ler sobre o pior que o mundo já vivenciou. Essa é uma forma de ser otimista: bem, o mundo já esteve muito pior do que nessa época da pandemia de covid-19. Então vamos ter esperanças, não vamos nos desesperar, pois juntos iremos superar isso, cada um fazendo sua parte.

Eu também não gosto do hábito de só ficar comparando o Brasil com os “países ricos” e sempre ter uma visão pessimista e negativa do seu país. Ao contrário, eu adoro ler livros sobre a história da África e do Oriente Médio, sobre os ditadores, as guerras passadas e presentes de lá. Então eu penso: meu país não é perfeito, mas está melhor que muitos países por aí. Então vamos ver os lados bons também, ter esperanças, juntos podemos melhorar nosso país. Não precisamos viver num país perfeito para amá-lo, assim como não precisamos ter família ou amigos perfeitos para amá-los.

Agora eu queria dar alguns exemplos de coisas que eu faço no dia a dia que refletem meu “não perfeccionismo” e meu otimismo.

Conheço muita gente que gosta de ler um livro de cada vez, que gosta de ler um livro enquanto escuta uma música específica, que gosta de terminar um capítulo inteiro de cada vez, etc. Ou seja, há muitas condições específicas para que a experiência da leitura seja “perfeita”. Mas quando as condições “perfeitas” se apresentam? Nunca ou raramente. Então você adia a leitura do livro porque “hoje não vai dar tempo de ler um capítulo inteiro”, “hoje não está silencioso o bastante”, etc. O resultado é que você termina de ler aquele livro apenas muitos meses após começar.

Minha experiência com leituras é o exato oposto disso. Eu nunca leio um livro por vez. Ao contrário, eu normalmente leio dez, vinte, ou até trinta livros ao mesmo tempo. Às vezes leio duas páginas de cada por dia, para manter o ritmo de leitura. Quando não dá tempo, seleciono apenas dez ou cinco livros para ler no dia. Ou se passei da metade ou estou quase no fim de um livro, aí sim tiro aquele dia para ler todo até chegar no fim.

Muita gente me pergunta como eu consigo ler tantos livros em tão pouco tempo. É fácil. Eu não sou perfeccionista. Leio vários livros ao mesmo tempo. Leio no ônibus, em casa, na rua, com barulho, sem barulho, etc. Eu não tento entender tudo que leio. Eu vou lendo. Se eu gostei muito de um livro específico, pode ser que um dia, anos depois, eu releia aquele livro. Mas em geral não releio livros, apenas meus favoritos.

Mas eu não faço isso apenas com livros. Faço isso com outras coisas também. Por exemplo, jogos. Ano passado eu comprei um Nintendo Switch e eu já comprei dezenas de jogos. Devo ter chegado até o fim somente de uns dez jogos nos últimos meses. Mas todos os dias, assim como eu leio pelo menos umas poucas páginas de uns dez livros, costumo jogar no mínimo uns cinco jogos por dia, um pouco de cada. Inicialmente comprei o Switch para melhorar o meu francês (95% dos jogos que eu compro são em francês), mas eu não fico muito presa nisso e me divirto mesmo com jogos com poucos diálogos.

Se, assim como livros, você só inicia o jogo seguinte depois que já terminou o anterior, pode ser que leia poucos livros e termine poucos jogos. A não ser, é claro, que você consiga se organizar. Mas a vida raramente permite uma organização ideal.

Não estou criticando a forma que cada um se organiza para fazer as coisas, pois uma técnica que funciona para mim pode não funcionar para você. Há várias formas diferentes de proceder. Estou apenas contando o que funciona para mim e os motivos que eu penso porque funcionam.

Mas eu mesma não sigo religiosamente o preceito de ler vários livros e jogar vários jogos num dia só. Tem dias que só estou a fim de jogar um jogo só por várias horas seguidas ou ler um livro só por várias horas (porque estou empolgada com ele, ou por algum motivo quero terminar logo).

Eu não ligo de às vezes deixar um livro ou jogo para trás, embora seja uma pena principalmente se paguei por ele (especialmente se paguei caro). Mas dou mais algumas chances antes de desistir. De qualquer forma, comprar um livro ou jogo é sempre uma aposta. Nunca dá para ter certeza se você vai gostar, mesmo que leia o começo ou jogue uma amostra do jogo. É preciso aceitar isso. Não é o fim do mundo desistir de um livro para ter mais tempo de ler um que você realmente queira (ou ache importante ler para aprender algo, ou se divertir).

No caso de assistir filmes ou séries é mais fácil, já que normalmente pagamos por um serviço de streaming, não para alugar um filme individualmente (com exceção do Now e outros sites). Eu assino vários serviços de streaming de filmes e todos os dias assisto pelo menos umas cinco coisas diferentes, um pouco de cada. Às vezes um episódio de uma série, meia hora de um filme, quinze minutos de algo enquanto faço um lanche, ou algo assim. Mas há dias em que assisto um filme inteiro ou até dois filmes por dia (se tenho tempo), depende se me empolgo. E principalmente se achei um filme ou série que se baseou num livro que li.

Então aqui está mais ou menos um resumo dos meus lazeres a cada 24h:

Livros: leio no mínimo algumas páginas de uns dez ou vinte livros.

Jogos: jogo pelo menos alguns minutos de uns cinco jogos diferentes.

Filmes/séries: assisto pelo menos uns dez ou quinze minutos de umas cinco coisas diferentes.

Ou seja, no mínimo reservo meia hora ou 1h para cada, dependendo do dia (no caso de escrever histórias é diferente, pois eu geralmente escrevo uma por vez. Ou pelo menos tenho feito assim até agora, e já escrevi dezenas delas).

Não que eu tenha amor pelo número cinco, como os discordianos. Aliás, eu costumo focar mais nas minhas leituras diárias. Nunca passo um dia sem ler, mas isso não é um dogma. Eu leio porque eu gosto. Já devo ter ficado alguns dias sem ler se eu estava muito empolgada com uma série ou até um jogo.

Como eu não sou perfeccionista (sim, vou repetir isso), eu não me importo de assistir cinco minutos de algo, depois ler cinco minutos de algo e depois jogar cinco minutos de algo. Claro que pode ser um problema se eu fico mudando demais de uma coisa para outra. Pode ser que eu esteja entediada. Mas se eu estou focada em algo, eu continuo focada. Não mudo só por mudar. Mas eu gosto de ter opções.

Faço a mesma coisa em relação a outros projetos da minha vida. Se eu quero estudar algo, aprender um idioma ou algo do tipo, eu não espero que vá surgir espontaneamente em mim a vontade de estudar. Vejo cinco minutos de um vídeo de uma aula, se está chato alterno com algo para ler ou escrever. Para ficar mais divertido posso ver um filme com legendas nesse idioma e por aí vai.

Eu, como quase todo mundo, adio as coisas que eu não gosto de fazer. Mas eu aceito o fato de que não sou perfeita e que não vai surgir magicamente um dia a vontade de fazer algo. Então eu planejo fazer só quinze minutos por dia, ou mesmo cinco minutos. Eu valorizo os pequenos passos. E eu sou otimista, então fico feliz com cinco minutos, ou um minuto. Celebro o fato de eu ter aprendido 0,001% de algo em vez de 0%.

Perfeito é só Deus, então eu não preciso ser perfeita. Tento fazer boas coisas, dentro das minhas limitações. Aceito minhas limitações. Sou feliz e fico contente em ser pequena, enquanto Deus é grande. Todos sofremos e um dia vamos todos morrer, mas Deus tem grandes planos para nós, tanto em vida quanto depois da morte. E isso é tudo. Acho que se você tem uma crença sobre o pós-morte, nenhuma outra coisa da vida pode te deixar mais ansioso do que a ideia da morte. Então o resto damos um jeito.

Claro, na prática tem coisas tão complicadas quanto a morte que devemos lidar ao longo da vida. Não queremos desapontar os que amamos e às vezes as pessoas ao nosso redor têm grandes expectativas pra nós (elas exigem que você seja perfeccionista, mesmo que você não seja). As coisas não são fáceis, mas dá-se um jeito.

Sou um ser humano com falhas e fico frustrada e ansiosa quando as coisas não saem como planejei. Hoje fiquei com raiva porque fiquei 2h seguidas tentando passar de um boss num jogo e não consegui. Mas como eu estava assistindo uma live ao mesmo tempo que tentava, não acho que foi um tempo perdido.

Eu gosto de ter dezenas de mini atividades diferentes planejadas para o dia. Se uma delas dá errado, pelo menos você termina o dia feliz por todas as outras mini atividades (mesmo que de cinco minutos) que você fez.

https://www.flickr.com/photos/fauxto_dkp/3399569097

Sei que é difícil chegar para alguém e dizer: relaxe, não seja ansioso, a vida é bela, divirta-se! Até porque algumas pessoas passam mesmo por situações mais estressantes que outras e eu não posso julgar. Mas eu tento, sempre que posso e consigo, levar a vida de uma forma que eu me esforço para equilibrar disciplina e diversão. Sim, tenho meus planos para o dia, mas meu lazer e tempo livre são tão importantes quanto. Tanto que no meu “calendário” ler livros de ficção, jogar jogos e ver filmes é algo que faço todo dia praticamente, sem falta e sem culpa. Se até os monges têm a hora do “recreio” diariamente, para puro lazer, eu também posso ter. E devo ter. E tenho!

Não, meus dias não são perfeitos e nem sempre eu consigo fazer tudo o que planejei para o dia. Mas é para isso que tem o dia seguinte. Se num dia eu li muitos livros e não deu tempo de jogar muito, no dia seguinte foco mais nos jogos e menos nos livros. Não deu tempo de assistir coisas, então no terceiro dia foco mais em assistir e menos em outra coisa. E por aí vai.

Não existe estratégia perfeita. Existem coisas que funcionam bem para a maioria, mas também existe o estilo que você gosta para seu dia e que dá certo para você, particularmente.

Apesar disso, eu acredito que não ser tão obcecado com perfeccionismo e ter uma tendência ao otimismo são coisas universalmente boas e que eu recomendo. Dá certo para mim e pode dar certo para muita gente.

Eu me considero uma pessoa muito feliz e muito orgulhosa de todas as coisas que já atingi até agora (mesmo um livro curto terminado é uma enorme conquista que me deixa alegre!). Pretendo atingir outras coisas, mas se Deus terminar minha vida antes disso eu continuo os projetos no céu, ou no inferno, haha. Ou outras pessoas continuam as coisas por mim aqui na Terra, pois de certa forma considero as outras pessoas e seres uma extensão de mim mesma. Sim, tem muitos eus caminhando por aí, então continuarei viva mesmo estando morta. Incrível, não é mesmo? :)

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Wanju Duli
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