Legião, por William Peter Blatty

Wanju Duli
8 min readJan 4, 2020

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“Legião” é a continuação do clássico “O Exorcista”. Fiz uma resenha do primeiro livro aqui. Também fiz essa resenha sobre a história real de um exorcismo, na qual o autor se baseou.

“O Exorcista” foi escrito em 1971 e “Legião” em 1983. Ou seja, doze anos depois, se eu ainda lembro alguma coisa de matemática. É um bom tempo. O primeiro filme de “O Exorcista” é de 1973. O filme foi um grande sucesso e é muito conhecido até hoje.

“O Exorcista 2” lançou em 1977, pois como o primeiro filme fez muito sucesso provavelmente o público queria uma sequência. Eu ainda não assisti o segundo, mas ele não é baseado em nenhuma obra de Blatty e aparentemente ele não se envolveu na produção do filme. Já no caso do primeiro filme, Blatty escreveu o roteiro, então ele ficou bastante fiel.

Os doze anos que o autor demorou para escrever uma continuação me sugerem que ele resolveu escrever simplesmente porque quis e não apenas para agradar o público. É legal pensar nisso, pois por mais que seja uma atitude cavalheiresca agradar os fãs, penso que a probabilidade de o livro sair melhor quando o próprio autor escreve porque está a fim é maior.

E dá para ver mesmo que o autor escreveu realmente o que queria nesse segundo livro. Se ele quisesse apenas fazer uma continuação para ter mais leitores, ele teria escrito algo mais parecido com o primeiro. Porém, esse segundo livro é totalmente diferente!

Gostei muito do fato de ele ter feito uma história totalmente nova. Ela tem ligação com a primeira, mas as ligações são mostradas pouco a pouco, o que torna a obra ainda mais incrível.

Quando eu comecei a ler o primeiro livro, demorou um pouco para a história me prender. Mas quando ela me prendeu, não larguei mais. Foi a mesma coisa com esse segundo. Pelo jeito, é o estilo do autor enrolar bastante no começo, mas quando as coisas começam a acontecer é uma atrás da outra, como uma montanha-russa!

Você é pego desprevenido, porque o autor te coloca num ritmo e depois te arranca dele. A sensação é única.

Você pensava que a história tinha certo estilo. Achava que ia ficar mais ou menos naquilo. E, de repente, o autor começa a escrever a história de um jeito novo. Parece até que é outra pessoa escrevendo. Como se o próprio autor tivesse sido possuído pelo demônio e começasse a escrever umas coisas que te fizesse parar a leitura para dizer: “Espera… o quê? Meu Deus, mas que porra…?!”

Tive bons sustos e surpresas nesse segundo livro. Eu já tinha visto o filme do primeiro livro antes de ler, então talvez por isso eu não fui pega tão de surpresa assim. Ou melhor, claro que no livro tem coisas que não tem no filme e com essas coisas eu ainda tive meus momentos de diversão.

Em “Legião” o autor vai contando as coisas de forma calma, com diálogos inteligentes e interessantes, até que, do nada, um capítulo subitamente termina com alguma cena de extrema violência. Isso me dava uns sustos muito grandes, até porque eu estava lendo sozinha e de madrugada. E isso aconteceu mais de uma vez.

É maravilhosa a sensação de se assustar com livros. Assustar-se com filmes não é tão difícil, mas é respeitável um autor que consegue esse feito apenas com palavras.

Qual eu gostei mais? O primeiro livro ou o segundo? É difícil responder essa pergunta, exatamente porque o estilo dos dois livros tem pouca relação. E é isso que torna cada um deles maravilhosos de uma forma particular.

Eu diria que eu ainda gosto mais do primeiro, mas isso não tira em nada o mérito do segundo. Achei o primeiro mais intenso, com cenas e reflexões bem apaixonadas. Porém, o segundo livro mostra uma escrita mais madura. Eu realmente gostei de perceber essa maturidade do autor.

Os diálogos e reflexões do primeiro livro são bem profundos, com uma carga emocional mais alta. Já os tipos de conversas dos personagens no segundo livro têm uma maior carga racional e, por mais que eu curta ter meu coração batendo forte por uma emoção, as discussões do segundo livro me agradaram muito intelectualmente.

Estou simplesmente grata por os dois livros existirem e principalmente porque o autor ousou escrever uma continuação sem medo de não agradar. A coragem dele gerou bons frutos. Também quero ter essa coragem!

Existe aquele clichê de que a continuação de um livro ou filme é geralmente pior, mas eu não acredito nisso. Pode ser pior quando o interesse é apenas lucrar com uma sequência, mas no caso desses dois livros ambos mantêm um altíssimo nível.

Um dia, daqui muitos anos, quando eu mesma estiver mais madura, eu gostaria de reler ambos e ver o que acho das reflexões contidas neles.

Menos de 24 horas após terminar a leitura de “Legião”, eu assisti o filme baseado nele. O mais interessante sobre esse filme é que no caso do primeiro William Peter Blatty apenas escreveu o roteiro, mas quanto a esse, além do roteiro, ele mesmo dirigiu o filme. Ou seja, é 100% Blatty! E provavelmente é isso que me faz considerar esse filme ainda melhor que o primeiro.

Sim, é isso mesmo: o autor conseguiu fazer com que a continuação superasse o clássico, pelo menos na minha opinião. As pessoas têm opiniões diversas sobre o filme. Teve gente que não curtiu tanto, talvez porque estivesse esperando uma continuação parecida com a primeira. Ou talvez porque não tenham gostado tanto do tipo de humor e violência contidas nesse? Difícil dizer.

O filme se chama “Exorcista 3”, mas não tem relação com o 2. É uma continuação do primeiro, assim como o livro.

Assim como os dois livros e o primeiro filme, ele começa num ritmo lento e equilibrado. Diálogos bem humorados e inteligentes. Os personagens são apresentados sem pressa. Há cenas engraçadas, curiosas e até bizarras.

“Excêntrico” seria um bom adjetivo para esse filme. Para quem já está acostumado com filmes de terror meio trash, provavelmente vai gostar desse.

É lindo quando livro e filme são semelhantes. Mas às vezes é ainda mais lindo quando eles são diferentes e Blatty surpreende o leitor do livro, que já conhecia a história e achava que tinha tudo sob controle.

Assisti esse filme sozinha de madrugada, segurando meu travesseiro com medo de levar um susto de repente, hehe. Até levei alguns sustos, mas também ri bastante.

Eu me surpreendi de outras formas. Não darei mais detalhes para não estragar as surpresas para quem ainda não viu, mas posso dizer que achei o filme uma grande obra de arte!

Tem gente que não gosta desse tipo de humor negro ou cenas feitas de forma exagerada para ficar engraçado. Mas eu curti pra caramba. Eu já tinha me acostumado com o estilo do Blatty por causa dos livros, então eu senti que entendi o que ele quis fazer com esse filme.

Eu o vi na madrugada anterior e descobri que no início da música “Taste Of My Scythe” do Children of Bodom tem a fala de uma cena desse filme (em 2:05). Achei o máximo! Eu ouvia essa banda na adolescência, então eu lembrei enquanto assistia. Fiquei muito orgulhosa da minha descoberta!

cena do filme

Um toque especial que só torna tudo mais emocionante é saber das intenções do autor com os livros e filmes. Nas palavras dele: “É um argumento para Deus… eu pretendia que fosse uma obra apostólica, para ajudar as pessoas em sua fé”.

Eu diria que é uma boa maneira de apresentar o catolicismo especialmente para o público mais jovem. Desde a Idade Média muitos jovens se sentiam atraídos pelo catolicismo ao lerem livros como Legenda Áurea, com descrições minuciosas da tortura e da morte dos santos e mártires em nome de Deus. Era o jeito de o pessoal daquela época desfrutar de um pouco de gore.

E, cá entre nós, esse elemento não atrai somente os jovens. Se parar para pensar, o cristianismo é uma religião com bastante gore, com um Deus que morre torturado numa cruz. O próprio Velho Testamento está repleto de guerras e sangue. Infelizmente o público jovem de hoje se esquece que a Bíblia é um prato cheio de histórias interessantes com assassinatos e lutas cheias de decapitações e mutilações. As pessoas buscam essas coisas hoje em livros, jogos e filmes de fantasia e terror. Então um autor como William Peter Blatty se volta para esse público e mostra a eles: “Você quer sangue? Aqui está Cristo pingando na Cruz! Quer algo intenso? Aqui está um Deus que sangra, um Deus que morre!”

Por isso (e por outras coisas) eu gosto de Blatty: ele não mostra um cristianismo piegas (ou “cristianismo água com açúcar”, como diria C.S. Lewis), mas um cristianismo com toques de humor negro, fogo, sangue e diabo, bem ao melhor estilo medieval. É um cristianismo como ele deve ser: que fala de Deus, mas também do diabo.

Blatty queria que as pessoas se assustassem com “O Exorcista” não apenas porque é legal se assustar, mas porque ele acreditava na existência tanto de Deus quanto do diabo e queria que as pessoas sentissem que o demônio não existe apenas em livros de ficção. Ele é uma presença real em nossas vidas, pois o mal é algo real e não deve ser subestimado. Entender isso não apenas de forma intelectual, mas sentindo seu terror, aumenta nossa fé no poder redentor de Deus.

É um clichê acusar os padres medievais de ameaçar os outros com discursos sobre inferno e diabo, para assustar as pessoas e assim convertê-las. Mas isso não é tão diferente de criticar pessoas que alertam que fumar pode causar câncer, se o diabo e o inferno são reais. E se você acredita que existe algum mal no mundo, mesmo que não entenda direito de onde ele vem, como ele nasce e acontece, um bom começo é aprender a respeitar esse mistério.

Pretendo ler mais livros do autor. E ver outros filmes dele, pois ele também foi um cineasta com uma generosa produção. “A Nona Configuração” é o próximo da minha lista.

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