Exorcismo, por Thomas B. Allen
Esse livro conta a história real de um exorcismo ocorrido em 1949, no qual o livro “O Exorcista” de William Peter Blatty foi baseado. Terminei de ler hoje.
Li a maior parte do livro nessa última madrugada. Quando fui dormir, acordei umas duas vezes de madrugada com cenas do livro na minha cabeça. Algumas cenas apareceram em sonhos. E em uma das vezes eu acordei naquele limite entre o estado desperto e o sono, sem saber o que estava acontecendo. Por um momento pensei: “Cara, será que o diabo está entrando em mim, que nem no livro?”, mas em seguida me veio o pensamento automático: “Até parece! Depois de ter feito Abramelin, rezado tanto e ter um contato tão próximo com meu anjo, a chance de algo assim acontecer comigo é muito baixa!”
É claro que esse tipo de confiança é perigoso. No catolicismo se costuma dizer que nunca podemos nos considerar num estado de graça. Até os santos (ou principalmente eles!) se consideram os maiores pecadores (e por isso mesmo são santos!). Eles estão sempre vigilantes, ao menor sinal de falha.
E quando nossa consciência não nos acusa de nada? Isso é chamado consciência laxa, que é o oposto de nos sentirmos culpados pela menor coisa que fazemos. É preciso ter um equilíbrio.
Então essa situação de hoje me alertou para a importância da humildade. Imagina só eu falar para o diabo: “Até parece que você consegue entrar em mim, pois sou tão santa!”, pois isso é tudo o que ele quer ouvir. Não é ele o príncipe do orgulho? Se eu penso assim, ele vence. Melhor dizer: “Eu tenho muitos aliados ao meu lado: a Santíssima Trindade, Maria, os mártires, os santos, os anjos”, etc.
E o que eu achei do livro? De certa forma, achei o livro que conta a história real ainda mais emocionante que a ficção. Ou melhor, cada livro tem seus atrativos. Mas há algo particularmente apaixonante no real, porque ele é real. O imaginário tem outra categoria de apelo e de paixão.
“O Exorcista” de William Peter Blatty foi escrito por um católico praticante que já pensou em se tornar jesuíta. Exorcismo, de Thomas B. Allen, foi escrito por um agnóstico que, assim como Blatty, estudou num colégio jesuíta, teve educação católica na infância e sente atração pelo universo católico.
Os dois foram livros muito bem pesquisados. Mas aqui estamos lidando com uma história que realmente aconteceu. Então, qual é a diferença entre o relato da possessão nos dois casos? E como os padres lidaram com isso na ficção e na realidade?
Na ficção, houve evidências mais fortes de que se tratava de um caso de exorcismo, como falar idiomas desconhecidos pela pessoa ou ler pensamentos. Na realidade, certas partes foram mantidas em segredo pelos padres que assumiram o caso. Sobre a leitura de pensamentos, foi mencionada, mas não foi revelado o conteúdo por razões óbvias: seria embaraçoso para os envolvidos.
No caso real, o corpo do menino praticamente se transformou num tabuleiro Ouija, por assim dizer, já que mensagens apareciam em seu corpo com muito mais frequência do que no caso do exorcismo fictício.
O cristianismo dá muita importância ao corpo (porque Jesus veio ao mundo com um corpo, sofreu, morreu e ressuscitou também em corpo). Por isso é natural para os cristãos que estados da mente/alma possam se refletir fortemente no corpo.
Em geral, é recomendado que se evite conversar com o diabo, pois ele pode facilmente enganar e falar mentiras. Na realidade, isso foi observado com maior cuidado. Não na ficção de Blatty.
Em certas partes é difícil traçar um limite entre o que seria mais esperado na ficção ou na realidade. William Peter Blatty tem uma habilidade incrível de tornar seu relato o mais realista possível. Já no caso real, foi simplesmente dito o que aconteceu, sem haver cuidado em tornar o relato interessante.
Essa é uma diferença fundamental. Quando escrevemos uma ficção, tentamos colocar um ar de mistério e fazer com que tudo pareça o mais realista possível, mas com a inclusão de cenas emocionantes ou até românticas.
No relato real, as coisas apenas… acontecem. Pois é assim na realidade. Muitas vezes não há mistério no começo ou as coisas acontecendo aos poucos. Em algumas resenhas do livro de Allen, algumas pessoas reclamaram que as descrições eram tão exageradas que nem pareciam reais.
Pois para mim esse é exatamente um ponto a mais para o livro, que o faz parecer ainda mais real. Pois se fosse meramente uma invenção, o autor teria tomado o cuidado de tornar suas descrições realistas, possíveis. Mas não é assim que a realidade funciona.
Não é difícil argumentar a favor disso. Pois o diabo, como é descrito pelo catolicismo, era um dos anjos mais poderosos de Deus, que caiu. Todos os demônios já foram anjos e são muito poderosos. Qual seria a dificuldade de fazer praticamente qualquer coisa nesse mundo? A única coisa que os impede é o próprio Deus e a comunhão dos santos: o poder de São Miguel, dos outros anjos, de Maria, dos santos, das orações das pessoas, da fé.
Para quem não acredita em Deus ou não acredita no mundo espiritual, é difícil acreditar em qualquer coisa que a ciência não explique. Mas para quem acredita, sabe que há duas armadilhas possíveis de cair: duvidar de tudo (ceticismo) ou acreditar em tudo (fideísmo).
Novamente, aqui é preciso ter um equilíbrio e bom senso.
Quanto a mim, não vi nenhuma descrição impossível nesse livro. As coisas podem ter acontecido exatamente como foi descrito. Por que não? Acho mais provável que sim. Houve muitas testemunhas e foram considerados também possíveis diagnósticos médicos e psiquiátricos.
A Igreja Católica não se posicionou oficialmente sobre esse caso específico, até porque a tendência dela é ser discreta a respeito de casos assim. Assim como casos de suicídio, quando divulgados e relatados de forma inapropriada podem gerar uma onda de suicídios em massa, casos de possessão amplamente divulgados de forma errada podem gerar ondas de possessões em massa (tanto verdadeiras quanto falsas).
Mas a Igreja Católica aceita que possessões são possíveis e que exorcismos podem ser realizados como último recurso, quando todas as alternativas médicas e explicações naturais foram esgotadas.
Desde a Idade Média já se aceita que a maior parte dos casos relatados de possessão não se tratam de possessões de fato, mas de outros problemas físicos e psicológicos. É claro que não é zero a possibilidade de um demônio estar envolvido em alguma etapa do problema. Ele pode ser a causa de um problema diagnosticado como psicológico ou a consequência (a pessoa já tinha um problema psicológico e se tornou um alvo mais fácil para um demônio).
Há dois tipos de exageros: achar que demônios estão sempre envolvidos com esses problemas, ou achar que eles nunca possuiriam alguém.
Isso, é claro, da perspectiva de alguém que acredita no mundo espiritual. Partindo do pressuposto que uma pessoa é cristã/católica e acredita em Deus, anjos e demônios, surge a questão: por que um demônio possuiria alguém se ele pode influenciar pessoas de maneira mais sutil?
A resposta é que, em geral, os demônios não precisam possuir ninguém para atuar. O mundo e a carne já são tentações o bastante para que os demônios não precisem ter muito trabalho. Mas quando necessário, eles costumam agir de forma mais poderosa exatamente quando escondem sua presença. Para pensarmos que aquele pensamento ruim teve origem em nós mesmos, ou uma boa origem, ou que ele não é “tão ruim assim”.
Possuir alguém é perigoso para um demônio porque isso pode servir para que a pessoa aumente sua fé em Deus e no mundo espiritual. Isso é negativo para demônios, já que sua maior arma é que as pessoas não acreditem neles, para que possam atuar mais livremente.
Porém, como há diferentes formas de se chegar ao mesmo objetivo, há momentos raros em que os demônios optam por possuir algumas pessoas. Geralmente crianças, que possuem uma defesa espiritual mais fraca. Ou pessoas que já estão fragilizadas por outras formas de transtornos mentais.
Há muitas partes impressionantes no livro. Uma delas foi que, quando a família começou a contatar padres para realizar o exorcismo, os padres não queriam ser os responsáveis por aquilo. Conforme o livro descreve, eles simplesmente não se julgavam capazes, pois é dito que um exorcista deve ter uma conduta moralmente elevada.
De certa forma, foi muita humildade da parte de tantos padres evitar a responsabilidade do exorcismo por esse motivo. Se fosse eu, talvez eu já fosse me jogar de forma imprudente e dizer: “Eu, eu, por favor!”. Sendo que o diabo até ameaçou os padres envolvidos, alegando que se prosseguissem eles teriam “uma morte horrível”. Para alguns, isso é motivo de recuar. Para outros, é a ocasião para colocar a alma à prova. Mas não por orgulho e sim para tentar ajudar o menino, para que não sofresse mais tanto.
E o que aconteceu com os padres que se envolveram com o caso? Eles passaram por semanas e até meses sem dormir praticamente nada. Ficaram exaustos tanto de forma física quanto psicológica. Até porque muitos deles faziam jejuns rigorosos, já que a Bíblia recomenda para o exorcismo além da oração o jejum. O padre principal a coordenar o exorcismo passou longas semanas apenas com pão e água. Sua aparência ficou esgotada (noites dormindo pouco, jejuns, longas orações, batalha com o diabo… isso se parece um pouco com Abramelin, hã?).
A maior estratégia do diabo é esgotar os exorcistas pelo cansaço. É comum que um exorcismo se prolongue por longos meses. O diabo mente, dizendo que vai finalmente sair do corpo e não sai. Ele faz jogos, que faz com que os exorcistas caiam no desespero e percam a esperança.
Para mim, ler a descrição desse exorcismo foi como uma descrição perfeita do que ocorre na vida de um ser humano em vários momentos. Na maior parte das vezes, o que nos cansa e esgota é nossa própria imaginação sobre o futuro. Nós ficamos com medo que as coisas continuem ruins para sempre, ou até piorem. Somos pessimistas, negativistas e entramos facilmente em desespero.
E então fugimos, desistimos. O que o cristianismo tem de forte é focar na fé, na esperança e no amor. É nos incentivar a não perder a fé, mesmo quando as coisas estão difíceis, e a ter esperanças. Por quê? Por causa do amor. Quando amamos, não deixaremos que os obstáculos nos desanimem e tentaremos triunfar até o fim do mundo, mesmo que, de forma romântica, isso resulte em nossa morte. Foi assim que pensaram os mártires, que morreram por amor a Deus.
Essa história fascinante nos mostra que, após o fim do exorcismo, a fé dos padres e de muitos envolvidos ficou ainda maior. O próprio menino de 14 anos que foi exorcizado (e que se estiver vivo agora tem 84 anos) se converteu ao catolicismo, se tornou um católico praticante e deu o nome de seu primeiro filho de Miguel, em homenagem ao anjo que combateu Satanás e o auxiliou na batalha.
Afinal, havia mesmo um demônio (ou demônios) dentro do menino? Acredito que seria algo totalmente possível. E mesmo no caso de a explicação real ser de outra natureza, essa história teve tantos elementos fascinantes que, o que quer que tenha acontecido, nos mostra muitos ensinamentos importantes sobre o ser humano, sua relação uns com os outros e com o mundo.
Eis outro motivo porque Deus se esconde: o que ele quer é nos testar sobre o amor. Ele quer saber quem estaria disposto a ajudar aquele menino, independente de Deus ou o diabo estarem envolvidos ou não. Havia um risco físico de o menino machucar os envolvidos (e realmente machucou), um desgaste psicológico constante e possíveis riscos espirituais de se envolver com o diabo.
Quem estava disposto a colocar seu corpo e alma à prova para ajudar alguém? Um exorcismo, no fundo, não é nada mais que uma história de amor.