Eu Sou Uma Revolução: mudança de paradigma e morte do “eu” pelo martírio

Wanju Duli
19 min readMay 27, 2020

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https://www.sinemensuel.com/agenda/expo-lunder-gronde/

Um título meio longo, mas provavelmente apropriado.

Encontrei a frase “Eu sou uma revolução” uns dez anos atrás. Era o título de uma foto do DeviantArt, da época que eu usava muito esse site. Eu até escrevi uma história com esse título.

A ideia de uma pessoa “ser” uma revolução, um ser humano sozinho carregar isso dentro de si, me pareceu poderosa. Pessoas podem organizar uma revolução num grupo, mas o que significa tornar-se uma revolução?

Revolução significa “uma mudança abrupta, rápida e profunda”. Eu gosto dessa definição. Quando uma pessoa se transforma de repente, aparentemente do nada, tendemos a classificar tal mudança como algo superficial ou uma “fase”. Ela toca somente a casca e não o âmago.

Pode ser assim no começo. Porém, com o devido tempo e amadurecimento, essa revolução pode sim atingir a alma, o coração.

E de fato há casos em que essa revolução já é profunda desde o começo, como no caso do título do livro de Thomas Kuhn: “A Estrutura das Revoluções Científicas”. Gosto tanto desse livro que já li duas vezes.

Thomas Kuhn foi o criador do termo “mudança de paradigma”, pelo menos da forma que nós o usamos hoje. Ou poderíamos dizer que ele foi o grande divulgador dessa expressão e atribuiu-lhe um significado particular. O pessoal da magia do caos apenas se apropriou do termo, porque parecia bastante adequado.

Segundo Kuhn, a ciência passa por épocas específicas de revolução, que é o momento em que se abandona um paradigma e se adota um novo, como no caso da mudança do geocentrismo para o heliocentrismo, ou a teoria de relatividade de Einstein. Tudo bem, Aristarco de Samos já defendia o heliocentrismo na Grécia Antiga e Leibniz falou sobre a relatividade do tempo na Idade Moderna. Mas elas só se tornaram teorias amplamente aceitas pela comunidade científica posteriormente.

Kuhn argumenta que enquanto permanecemos num paradigma só geralmente não há grandes avanços. As grandes revoluções (seja na ciência, na arte ou em outras áreas) só ocorreriam quando se abandona o paradigma previamente utilizado e se adota um novo.

Claro que o paradigma antigo nunca é completamente abandonado. Afinal, como na física dependemos do referencial adotado, dizer que o Sol gira em torno da Terra não está errado. Adotar o paradigma de que é a Terra que gira em torno do Sol apenas facilita os cálculos. E os planetas não fazem mais movimentos particularmente estranhos. De forma análoga, ainda usamos muito do que Newton ensinou. Ele não foi “abandonado” ou “superado”.

Eu não concordo com tudo o que Thomas Kuhn disse, mas gosto muito da abordagem dele, que foi uma revolução na filosofia da ciência por si só. Ainda assim, se permanecermos exclusivamente concordando com Kuhn, não passaremos para a próxima revolução, hã? (um paradoxo?)

https://nsuartmuseum.org/exhibition/tvart/

O paradoxo da magia do caos é que, mesmo sendo um “sistema de criar sistemas” ou uma “revolução para criar revoluções”, ela é, em si, um paradigma. Você pode criar paradigmas com ela ou saltar de um paradigma para outro. Mas, mesmo promovendo a quebra de regras, tem suas limitações.

Com o tempo, assim como qualquer coisa, a magia do caos se cristalizou um pouco e você só pode caminhar com ela até certo ponto.

Quando você diz: “Nada é verdadeiro, tudo é permitido” é normal criar um preconceito muito grande contra sistemas que clamam ser “a verdade” ou que proíbem coisas. Sendo assim, é natural que magistas do caos não simpatizem muito com religiões como cristianismo ou islamismo, que muitas vezes proclamam ser “a verdade” e carregam em si códigos ou mandamentos sobre o que pode ou não ser feito. Falo mais sobre isso aqui.

Portanto, é como se na magia do caos dissessem: “Nada é verdadeiro, com exceção dessa sentença” ou “Tudo é permitido, com exceção de sistemas ou religiões que clamam ser a verdade ou proíbem coisas”.

Magistas do caos se gabam de serem grandes rebeldes. Mas como se tornar um rebelde no meio do caos? Buscando a ordem. E declarando ser ela a verdade (ironia?).

Um dos maiores prazeres da minha vida foi assistir ao espetáculo de magistas do caos assistindo o meu interesse por cristianismo e islamismo com desconfiança, assombro ou até desgosto.

É aquele grande momento do: “Ahá! Magistas do caos, não eram vocês que se diziam tolerantes? Não eram vocês que diziam que tudo era permitido? Então cristianismo não pode? Islamismo não pode? Toma essa!”

Ironicamente, ao me interessar por essas religiões, de certa forma eu estava sendo até mais rebelde ou, sob certa análise, até mais “revolucionária”, no sentindo de que foi um imenso salto paradigmático!

Olhar para trás e estudar valores, culturas e pensamentos antigos que mudaram a história pode ser tão revolucionário quanto olhar para frente. Afinal, um retorno ao pensamento da Grécia Antiga poderia nos fazer descobrir o heliocentrismo. Epidemias e pandemias tampouco são relíquias do passado e se não fôssemos tão confiantes na nossa modernidade teríamos um pouco mais de humildade para descobrir que métodos antigos ainda podem ser usados no presente com sucesso, como a quarentena.

Revoluções não ocorrem como uma linha reta de progresso, abandonando o que foi feito antes. Em vez disso, é uma espiral. Mas todo paradigma tem seus preconceitos que, em muitos casos, os limita. Na magia do caos você pode tranquilamente adotar religiões e pensamentos do passado, do xamanismo às religiões celtas, nórdicas ou indianas. Mas não o cristianismo, o monstro chamado “paradigma dominante destruidor de paradigmas e responsável por um grande retrocesso, o ceifador da liberdade”. Mas será isso mesmo?

https://www.lancs.live/news/lancashire-news/black-death-villages-killed-plague-16739333

Há um motivo para o cristianismo e o islamismo serem hoje as maiores religiões do mundo (ao menos em número de adeptos, sendo que o hinduísmo não está muito atrás e o ateísmo também avança). O acaso tem um papel nos acontecimentos do mundo, mas não é sempre o rei.

O que há de tão interessante nessas religiões que permitiram que elas vencessem na luta feroz pela sobrevivência de Darwin? Qual foi a grande revolução, a imensa mudança de paradigma que elas proporcionaram que permitiram esse destaque?

Eu já falei sobre isso em outros textos meus, como esse, então eu vou resumir aqui para não me alongar.

Até hoje nós somos fascinados pelos Deuses gregos, egípcios e hindus (e muitos outros). Eles são interessantes, dinâmicos e protagonizam mitos épicos. Nos dias de hoje, fazer oferendas para um Deus grego representa um tipo de rebeldia, ousadia e criatividade, para contrapor a adoração ao Deus único cristão (no máximo, ele é uma Trindade em comparação aos grandes panteões cheios de cor e diversidade).

O problema é que esses Deuses representam valores diferentes hoje e antigamente. O bramanismo na época de Buda era um privilégio da casta dos brâmanes. Os gregos tinham vertentes mais aristocráticas e populares de suas religiões, mas a religião também era, em larga escala, usada para favorecer o privilégio de altas classes.

Um dos grandes brilhos do cristianismo na época de seu surgimento foi ser uma religião divulgada por pobres pescadores, pregando a pobreza e a simplicidade. Não somente os pobres poderiam ser salvos, mas “é mais fácil um camelo passar por um buraco de uma agulha do que um rico entrar para o reino dos céus”. Que revolução para o pensamento hierárquico da época!

Eu já li em muitos livros que os gregos e romanos antigos ficavam “estupefatos” com a pobreza, simplicidade e caridade dos cristãos antigos. Eles dividiam tudo, doavam tudo para os pobres.

O islamismo, que surgiu alguns séculos depois, também foi uma religião com objetivos semelhantes. Nessa época já havia surgido um tipo de cristianismo mais elitista, mais hierárquico, embora a forma simples ainda sobrevivesse nos mosteiros e em pequenas cidades.

Os habitantes do Oriente Médio também queriam uma religião para ter uma identidade própria e uma voz, da mesma forma que os judeus e cristãos. Maomé, um analfabeto, propagou o islamismo e promoveu uma imensa valorização da cultura e do idioma árabe. Logo, a ciência desse povo também floresceria.

Nos dias de hoje, nós desejamos valorizar e estudar as religiões afro-brasileiras e indígenas por motivos semelhantes: queremos propagar a bela cultura da África e dos nativos brasileiros, que estavam aqui muito antes de os europeus trazerem seu “cristianismo enlatado”. Fazer isso hoje seria um tipo de revolução.

O que devemos entender é que o cristianismo foi uma revolução para sua época, uma imensa mudança de paradigma em relação ao judaísmo vigente. E o islamismo também foi uma revolução, de certa forma uma maneira de levar muitos ensinamentos judaico-cristãos para árabes e negros. Até hoje o islamismo é muito forte na África. E o cristianismo também.

https://www.thenational.ae/arts-culture/art/the-contemporary-artists-changing-the-landscape-of-the-islamic-art-world-1.849114

E qual foi uma das grandes inovações que o cristianismo e o islamismo trouxeram? Dar voz a pobres e a minorias. Geralmente se critica o cristianismo e o islamismo pela posição conservadora em relação a mulheres, mas no princípio Maomé foi um grande defensor dos direitos das mulheres e as mulheres podiam pela primeira vez, em vez de terem dezenas de filhos até morrer no parto (por causa disso as mulheres tinham a metade da expectativa de vida dos homens até pouco tempo atrás), viver em mosteiros.

Tanto cristianismo como islamismo sempre se destacaram pelas ações de caridade e doações aos pobres, que sempre foram um dos pilares da religião.

Mas esse foco na caridade não era apenas descer da sua carruagem ou da sua Mercedes e jogar algumas moedas para um morador de rua. É verdade que existem muitos cristãos e muçulmanos milionários e que até distorcem argumentos religiosos para justificar desigualdades sociais. Ainda assim, a maioria dos cristãos e muçulmanos são pobres. E muitos até optam por levar um estilo de vida mais simples em nome da religião.

Exemplos no cristianismo não faltam, pois temos as histórias da vida dos santos. Mas muçulmanos que optam por uma vida de simplicidade em nome da religião também existem aos montes, mesmo nos dias de hoje.

Infelizmente, conhecemos mais o islamismo devido a organizações terroristas como a Al-Qaeda e a atentados com homens-bomba. Sem dúvida, essa é uma distorção terrível dos objetivos pacíficos e de tolerância defendidos pelo Alcorão. Ainda assim, muitas dessas pessoas abriram mão de uma vida de riqueza e conforto (como o próprio Osama bin Laden e o atual líder da Al-Qaeda, Ayman al-Zwahiri) e até arriscaram morrer para lutar contra o consumismo do ocidente. Contudo, essa noção de martírio muçulmano que mata outras pessoas (ideia em grande parte desenvolvida por Zawahiri quando em contato com organizações terroristas no Líbano) me parece uma distorção grave da ideia do martírio cristão que “dá a vida pelos outros” em vez de tirar.

https://banksyunofficial.com/2003718-original-turf-war-oil-suicide-bombers-just-need-a-hug-wall-and-piece-p164/

Um dos motivos de religiões como cristianismo e islamismo serem tão populares até os dias de hoje é que elas propõem uma alternativa ao modo de vida atual do consumismo ocidental.

Quando eu comecei a praticar o ocultismo no ano 2000, eu via o ocultismo como revolucionário, pois era uma alternativa ao cristianismo vigente. E ele de fato me ajudou no processo de autoconhecimento.

Mas eu buscava uma mudança ainda mais radical e profunda. O ocultismo, da forma que eu o compreendia na época, não me proporcionou essa transformação total, pois eu não buscava apenas “feitiços para ter disciplina para acordar mais cedo” ou algo do tipo. Eu queria viver uma aventura de derrotar dragões com espadas, uma jornada de vida ou morte. Raios, se eu não podia arriscar minha vida, qual era a graça? Eu não ficaria satisfeita em escalar uma montanha, porque eu não queria apenas colocar o meu corpo na linha do fogo, mas também a minha alma. Eu queria ser tentada pelo diabo, ser testada por Deus, como Jesus no deserto.

Foi então que, na minha busca, eu descobri a operação de Abramelin. Ela era a minha luta contra o dragão. Era ela que colocaria minha alma na ponta da faca. Os livros de ocultismo a mencionavam com ardor e reverência.

Quando eu lia livros de ocultismo naquela época, eu via histórias de pessoas invocando demônios em cemitérios em meio a orgias, álcool e drogas. Não me leve a mal, não estou dizendo que coisas assim não são divertidas. Talvez um mago experiente possa extrair algo bom disso tudo. O problema era que muita gente que fazia isso estava mais na categoria do “adolescente que quer ter um barato” e não do magista que realmente busca uma experiência espiritual séria.

Não estou dizendo que devemos ser sérios o tempo todo. Não sou muito de advogar o estilo moralista e esnobe (embora eu tenha meus momentos, infelizmente). Mas eu realmente estava em busca de algo que não fosse uma aventura só pela diversão da coisa. Eu queria colher frutos disso.

Uma das coisas mais legais que me aconteceu no meio da minha primeira operação de Abramelin que fiz em meados dos anos 2000 foi descobrir o budismo e as religiões indianas.

Até então, o ocultismo para mim não me proporcionava uma grande mudança em relação ao modo de vida consumista ocidental. Ao contrário, algumas vertentes pareciam reforçá-lo. Faça feitiços para ser milionário ou para punir seu concorrente para você ter uma grande promoção no emprego. Se o ocultismo fosse só isso, para que ele servia de fato?

Nesse sentido, a descoberta de religiões como hindusímo, budismo e jainismo foi algo totalmente novo. Eu descobri as penitências, os jejuns, os monges vivendo em mosteiros ou cavernas. Enfim, era um mundo bem diferente e eu me apaixonei por ele por um tempo.

Porém, teve uma época que me desiludi com esse mundo, pois eu fiquei me perguntando para que servia largar todas as posses só para viver meditando numa caverna. Claro, isso é uma simplificação grosseira das religiões indianas, mas eu não as entendia muito na época.

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Foi então que eu comecei a praticar magia do caos. Eu já tinha ouvido falar no caoísmo muito antes disso, mas só me interessei de fato após esse momento de crise.

Eu estava cansada. Você não sai da operação de Abramelin inteiro. Você sai em pedaços, pois é um tipo de morte. Eu tinha dito para os cornos (os seres espirituais com quem eu batia um papo) que eu aceitava morrer para descobrir a verdade, minha missão, meu caminho, sei lá. E eles me deixaram sem nada.

Ou eu não consegui entender na época. Acho que eu ainda estava com medo. Quando eu disse que aceitava morrer, eu enganei minha mente e consegui atingir uns estados alterados muito fodas de meditação, mas foi só isso. Não fui mais longe porque creio que quando eu falei que aceitava morrer eu não queria de verdade. Só por um tempo.

Quando eu voltei viva da experiência, eu me acovardei de novo. Ou eu simplesmente não entendi o que eu deveria fazer. Eu ainda estava perdida. Eu ainda era uma caoísta que não havia “superado” totalmente meu caso de amor com o budismo.

Metáforas de morte são muito frequentes no ocultismo. Destrua o “self”, mate o ego, coisas assim. Restava saber até que ponto eu queria que aquilo fosse apenas um simbolismo ou algo real.

A magia do caos trabalhou com essa metáfora belamente. Realizar uma mudança de paradigma constante era aceitar que você não era apenas um “eu”. Você estava morto, ou tinha outros “eus” em você. Uma alma, muitas almas, nenhuma alma, não importava. O que interessava é que você podia ser qualquer coisa que quisesse. Mas dependia do quão longe você estava disposto a ir. O quanto de você estava disposto a matar.

Passei muitos anos fazendo experimentos na magia do caos, tanto num sentido artístico quanto espiritual. Era como um teatro em que você interpretava diversos papeis. Nenhum deles era você de fato e aquilo não importava.

Era uma forma original de trabalhar com o autoconhecimento. Normalmente achamos que existe um “eu” parado, intacto e escondido no fundo do nosso ser esperando para ser desvendado ou descoberto.

Na magia do caos as coisas não eram dessa forma. Você não “descobria” a pérola dentro da ostra após um grande esforço. Você a construía, ou desconstruía. Era como uma dança com muitos de você. Era belo.

A magia do caos foi muito importante para mim nessa época, pois eu sentia que estava me afogando em meio aquele monte de religiões sérias e confusas e eu precisava respirar.

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Mas eu ainda sentia aquela vontade de dar a vida por alguma coisa e não parecia que eu ia conseguir isso somente pela magia do caos. Ou não da forma que eu a entendia naqueles tempos. Minha vida consumista ocidental não tinha mudado muita coisa. Eu não queria uma religião ou magia somente para me divertir nas horas vagas. Queria algo que transformasse profundamente minha vida.

Eu já tinha flertado com o cristianismo na minha adolescência, principalmente na época da minha primeira operação de Abramelin. Talvez estivesse na hora de dar uma segunda chance a essa religião. Agora que eu era “mais velha” (pós-adolescente) e relativamente mais madura, talvez eu entendesse melhor o que o cristianismo significasse. Eu não achava mais que cristianismo era apenas os caras chatos e moralistas, que não tinham uma vida sexual decente e descontavam em outras coisas.

Tudo bem, vamos conhecer Jesus. Quem é esse cara mesmo? Vejamos, ele… (algumas centenas de livros depois)… disse algumas coisas bem legais. E nem todos os seguidores dele eram completos idiotas, veja só.

Mas um atrativo do cristianismo é que ele permitia uma mudança de vida radical. Não era apenas um paradigma que reforçava os valores ao meu redor (materialismo, consumismo, egoísmo). Eu não vejo nada de errado em ser egoísta de vez em quando, em comprar coisas, etc. Mas eu queria que, pelo menos, a coisa principal que eu buscasse não fosse apenas uma mera repetição dessas ideias.

Quando eu era adolescente e amante das religiões indianas eu tinha o objetivo de atingir a iluminação na minha agenda. Hoje em dia eu não tenho mais, por várias razões. Uma das razões é que passei a defender mais a ideia da caridade cristã em lugar da iluminação. Falo mais disso aqui e provavelmente em outros textos meus também.

Então eu não estava apenas desistindo de atingir a iluminação porque era algo muito difícil. E os pobres com família para criar e sem tempo livre, não iam ser salvos? Eu não podia concordar com isso. Pelo menos a ideia da caridade cristã era mais inclusiva. Ajude os outros como puder. Você pode ir para o céu mesmo sem ser perfeito.

As religiões indianas não estão “erradas”. Elas são muito complexas. Eu apenas senti que a ideia cristã do amor tinha mais relação com o que eu entendia. Não significa que somente cristãos podem amar, ser mártires ou santos, bem longe disso.

Mas eu achava legal haver um Deus que resolveu viver como um ser humano pobre e deu sua vida pela humanidade. Ele tem carne e osso como a gente. Tinha uma origem humilde. E morreu por amor.

Buda era um cara inteligentíssimo e rico. Pô, ele era príncipe e ia ser rei! Largou tudo, ficou anos no meio do mato (quem tem tempo e disciplina pra isso?) e viveu as próximas décadas ensinando as pessoas por aí através de argumentos filosóficos extremamente difíceis.

Jesus, por outro lado, usava linguagem simples. Teve uma morte de criminoso, numa cruz, em vez de ser decapitado como Paulo, um cidadão romano.

No mundo atual ocidental, o objetivo parece ser apenas enriquecer e ter uma vida “bem-sucedida”. Mas isso é tudo que a vida nos oferece? Isso é o máximo que podemos alcançar, como seres humanos?

https://www.vice.com/en_us/article/z4qab4/korean-artist-says-god-taught-him-painting

Buda me mostrou outro caminho de vida. Mas me desculpa Buda, você fala de uma forma muito complicada. Eu já li muitos livros de filosofia, mas ainda assim não entendi o que você disse. Eu meditei muito, li um monte de sutras do cânone em Pali, mas só pude ir até certo ponto. Quem sabe na próxima vida eu entenda melhor o que é essa tal iluminação que você fala.

Eu gosto muito de ler, mas minha inteligência tem limites. Jesus foi bem claro. Ele disse o seguinte: para ir para o céu basta seguir os mandamentos (ajudar os outros, fazer o bem, essas coisas, sabe?). Agora, se você quer tentar ser perfeito, basta largar tudo e seguir Jesus.

O que significa isso? Se você fizer o bem, pode ficar tranquilo que você vai para o céu. Mas se você quer receber uma estrelinha quando chegar no céu, sentar do lado de Deus, essas coisas, tem como receber um conceito “A”, em vez de apenas passar raspando no teste de Deus com um conceito “C”.

“Largar tudo e seguir Jesus” para receber um conceito A é seguir o caminho da santidade e/ou martírio. Jesus morreu para ajudar os outros, então devemos dar nossa vida pelos outros. Aí tem toda uma teologia complexa de martírio branco, martírio vermelho, etc, que eu já abordei em outros textos meus (adorooo tudo issooo).

Não sei quanto a vocês, mas eu acho tudo isso muito divertido e empolgante. Cristianismo não é entediante de forma alguma. Principalmente o cristianismo medieval é interessantíssimo! Eu gosto muito de catolicismo e cristianismo ortodoxo, mas há vertentes protestantes que também são bacanas. Aí cada um tem suas preferências.

Depois que eu fiz trabalho voluntário com as Missionárias da Caridade em Calcutá, eu conheci um cristianismo vivo e pulsante e não uma religião morta, artificial e só de aparências. Esse, para mim, é o Deus vivo e ressuscitado. São pessoas que vivem o cristianismo no corpo e não somente de forma intelectual.

Após esse período, comecei a me interessar mais profundamente por organizações humanitárias como Médicos Sem Fronteiras e Cruz Vermelha Internacional. Ou melhor, eu já gostava delas há muito tempo, mas só nos últimos anos passei a acompanhar mais.

Esse é o resumo da minha jornada até agora:

Eu em 2000: ocultismo

Eu em 2004: budismo

Eu em 2006: magia do caos

Eu em 2014: cristianismo

Eu em 2018: organizações humanitárias

Isso não significa que um paradigma substitui o outro! Assim como a teoria da relatividade de Einstein não invalidou muitos dos conceitos de Newton, até hoje eu gosto e sou influenciada por todas essas minhas “fases”.

Hoje eu me considero uma cristã particularmente católica. Eu não concordo com tudo no catolicismo, mas sou apaixonada pelos santos e mártires e isso se encontra principalmente no cristianismo católico e ortodoxo. Particularmente, os cristãos de vida ativa (trabalhos missionários) são mais comuns no catolicismo (e os protestantes também fazem!).

Sou fã de Madre Teresa, São Francisco de Assis, Santo Antônio, São Martinho de Porres, Santa Rosa de Lima, Abençoado Pier Giorgio Frassati (esse cara tem que virar santo logo!), São Damião de Molokai e muuuitos outros!

Eu não gosto só dos mártires e santos que cuidavam dos doentes e pobres. Eu gosto também dos santos mais “acadêmicos” como São Tomás de Aquino e São Domingos. Enfim, eu sou fã de dezenas de santos e eu me empolgo muito só de falar de cada um deles, haha!

Acho que o cristianismo tem uma boa diversidade. É sinal de que é possível seguir muitos caminhos na vida.

https://timpanogos.blog/2018/10/09/october-9-2018-st-deniss-day-patron-saint-for-those-who-have-lost-their-head/

Olha só que legal, acabei de descobrir mais um santo: São Denis, que foi martirizado e decapitado. Dizem que é bom rezar para ele para curar dores de cabeça. Faz sentido! :)

(O cristianismo medieval tem muita piada pronta e humor negro, já me acostumei. Mas veja só, tem mais dois caras decapitados ali no fundo da pintura! Mais companheiros mártires!!)

Os magistas do caos brasileiros costumam gostar muito de servidores. Talvez porque o Brasil é um país católico com devoção a muitos santos.

Eu gosto da ideia de servidores. São seres que nós criamos, totalmente personalizados, para propósitos específicos. Isso é bem criativo e efetivo.

Mas eu também gosto da ideia de rezar para pessoas de carne e osso que pisaram nessa terra com o peso de seus corpos e nos inspiraram no passado com seus magníficos exemplos de vida.

Como eu disse antes, o ocultismo fala bastante da morte do eu, às vezes num sentido simbólico. Mas o cristianismo fala da morte do eu num sentido literal: o martírio, dar a vida em nome de Deus ou para salvar outra pessoa, como Jesus.

Eu gosto dessa coisa de “ser literal” no cristianismo. É claro que temos que cuidar com a interpretação literal de certas passagens bíblicas. Mas eu também gosto da coragem de alguns cristãos do passado e do presente. Eu gosto da ideia de viver ou dar a vida por algo importante para você.

Vivemos numa época em que focamos bastante na mente e nas questões psicológicas. Isso é muito importante, sem dúvida! Por outro lado, o ocultismo sofreu um pouco com essa ideia de adotar exclusivamente o paradigma de que Deus ou os seres espirituais são apenas “imaginação” ou “meu eu interior”.

Esse paradigma pode ser interessante, mas eu acho importante lembrar que não somos apenas mente, mas também corpo e espírito. Ainda temos um corpo que sangra e sente dor. E um sacrifício completo não envolve apenas sacrificar nossas ideias e convicções, mas entregar também corpo e espírito. Falo mais disso nesse texto.

https://www.tehrantimes.com/news/443764/Artist-Hassan-Ruholamin-creates-painting-in-memory-of-Martyr

Eu já mudei de paradigma muitas vezes. Não só porque eu queria alcançar algumas revoluções na minha existência, mas simplesmente porque o caminho da minha vida me impulsionou nessa direção. Quase como se eu fosse uma “magista do caos involuntária”.

Felizmente, nessa minha última operação de Abramelin tive muito mais clareza sobre o caminho que deverei seguir. Mas nada é definitivo. Devemos abraçar as mudanças que virão no futuro. Confiar no nosso eu do futuro, sem medo.

Ao olhar para meu eu do passado, eu vejo que em muitos momentos eu sabia o que tinha que fazer, mas tive medo. Ao mesmo tempo, eu me perdoo porque meu entendimento não estava totalmente claro. Eu estava buscando entender e, ao mesmo tempo, sofrendo por não compreender totalmente.

Foi uma fase difícil e por isso hoje em dia eu tento não ter mais tanto medo e apenas confiar. É claro que é aterrorizante pensar no futuro desconhecido. Porém, mesmo meu eu do passado já tinha sementes do que sou hoje e olho para meu crescimento com certo carinho.

Sempre quando optamos por um novo paradigma é muito cômodo montar um ninho lá e ficar nele. Eu estou muito confortável na minha posição atual, mas sei que no futuro terei que enfrentar alguns medos e novas revoluções.

E os momentos de espera, em que devemos ter paciência. Isso é difícil, mas também necessário. Isso é algo que, nesse momento, muitos de nós estamos vivendo.

Nesse meio tempo, vou deixar alguns que leem o que escrevo talvez frustrados com a velocidade que passo para novos paradigmas. Mas essa é a essência do explorador e aventureiro.

Eu não mudo apenas porque eu gosto de mudar. Ao contrário, mudar é doloroso e assustador. Eu mudo porque é como uma pulsão, um instinto. Quando eu sinto que meu paradigma atual já me transformou num cadáver, eu apenas sigo a pulsão da larva ou da borboleta. Não importa se isso me deixa mais feia ou mais bela. É algo que eu apenas sinto que deve ser feito. Mas não é um mero sentir. É uma sensação de que seria como uma morte se eu não o fizesse; se eu não passasse para a próxima etapa.

Hoje é apenas mais um dia. Mas são minhas pequenas decisões em cada dia que me conduzem ao meu próximo despertar.

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Wanju Duli
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