Eu preciso de Deus para ajudar os outros?

Wanju Duli
6 min readDec 7, 2020

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Jesus Washing Peter’s Feet 1852–6

Qual é a diferença entre ajudar alguém acreditando em Deus e não acreditando?

Eu uso o termo “ajudar” aqui de forma bem ampla. Pode ser qualquer tipo de ato de gentileza, mesmo que simples.

Praticamente qualquer pessoa consegue entender o conceito de ajudar alguém e porque ele tem valor. Nós acreditamos no amor, ou no mínimo consideramos que ajudar é um ato bem prático e útil.

Alguns que realmente não se importam com amor, mas acham que o conceito de ajudar é apenas útil, poderiam deixar de ajudar no instante em que isso não fosse mais útil. Ou seja, o amor ou ato de ajudar não teria valor intrínseco em si. Somente quando ele tem utilidade.

Porém, a maior parte das pessoas que não acredita em Deus acham que ajudar vale a pena não somente porque é útil. É porque, de alguma forma, elas “sentem” que ajudar é algo bom.

Mesmo se fôssemos seres humanos que surgiram por acaso e que vão desaparecer por acaso, enquanto estamos vivos valeria a pena ações de gentileza. Seria como um instinto, uma sensação boa que sentimos quando ajudamos e uma sensação ruim quando não ajudamos.

Mas e agora? Então se for ruim a sensação de ajudar, então não iremos ajudar mais?

Na prática, uma pessoa mesmo não acreditando em Deus pode ajudar outros mesmo que ela se sinta mal com isso, porque lá no fundo ela sente que aquilo “é o certo”. É difícil explicar o motivo, pois a ação vai além de mera sensação ou sentimento. Ela sente como uma obrigação moral, de forma lógica.

Então você usa a lógica, a ética, a filosofia em si, para justificar sua ação.

O papel da religião é explicar porque ajudar os outros é importante, mas de forma mais elaborada. Deus existe, Deus é amor, Deus fez esse mundo com um propósito: devemos ajudar uns aos outros e a vida não termina com a morte. Como tem algo depois, o ato de ajudar alguém se torna ainda mais grandioso e importante.

O ser humano não criou Deus para nos convencer de que ajudar alguém é ainda mais importante do que parece. É o oposto: se sentimos essa sensação estranhamente boa e elevada quando ajudamos alguém, algo quase sagrado, significa que a fonte daquela sensação sagrada é Deus. E o momento de ajudar é uma conexão com o divino.

Quando usamos os termos religiosos, ajudar alguém não se torna algo mais sólido? Não faz muito mais sentido ajudar se Deus existe?

Não é que quem não acredite em Deus ajude menos. Essa pessoa, no entanto, terá que acreditar num sistema moral e lógico muito poderoso para não fraquejar na sua determinação de ajudar.

Uma religião já te fornece isso, de forma completa. Se você está sozinho apenas com suas crenças, pode haver dúvidas. Mas uma religião construiu um sistema moral e espiritual completo que tem resistido e vem sendo testado por séculos. E ele realmente funciona, parece verdadeiro e justo.

Se ajudamos apenas porque “parece bom e certo” ou porque “sentimos algo bom ao fazer isso” é uma convicção que pode cair a qualquer momento. É algo que “parece”, é um tipo de sentimento, uma impressão. Se alguém quiser fortalecer essa impressão e transformá-la em certeza, terá que se inspirar em algum lugar: numa pessoa, num livro, etc.

Se uma pessoa não tem uma crença em Deus, necessariamente terá que substituí-lo por outra coisa, pois ninguém vive no ar, sem um chão. Alguns se apoiam numa pessoa, num grupo, em livros ou algo parecido.

Para aqueles que buscam um poderoso sistema que sustente o quanto servir a humanidade ou os seres é algo não somente bom, mas sagrado, um dever divino, a coisa mais importante, a religião é exatamente onde buscar.

Fora da religião, às vezes sobra espaço para a dúvida, podemos questionar se aquilo é mesmo certo ou colocar “outro Deus” no lugar de Deus (inventar outro sentido para a vida que talvez seja mais conveniente para nós).

Em livros religiosos vemos muitos exemplos de atos de profetas e santos. Vemos Maomé vivendo de forma muito humilde e servindo sua comunidade. Vemos Jesus lavando pés.

A característica da religião é a extensão que ela dá à importância do ato de ajudar. Normalmente achamos que ajudar é algo bom, mas nem sempre colocamos isso em primeiro lugar. Na religião está tudo bem humilhar-se como Jesus fez. Isso nem sempre é bem aceito fora da religião, pois achamos que merecemos o devido respeito e só iremos ajudar alguém se isso não for tão inconveniente para nós.

Claro que esse nem sempre é o caso. Há pessoas de fora de uma religião que realizam atos bem impressionantes de humildade. Minha questão é: de onde ela tirou inspiração para agir assim? De onde veio essa convicção? Esse sentimento, essa lógica, de onde ela buscou?

Não é que a crença em Deus seja fundamental para que você ajude alguém. Mas ela é relevante para que a sua crença de que ajudar é importante não seja abalada.

Nos dias de hoje é normal que muita gente diga: “Só eu ajudo os outros, ninguém me ajuda”, então essa pessoa acha isso injusto e pode parar de ajudar e se preocupar mais com sua situação.

Quando alguns ouvem que Jesus se humilhou, que morreu na cruz, podem alegar que essa é a moral dos escravos e as pessoas não querem ser escravos servindo a humanidade.

A religião nos dá ensinamentos duros, rústicos e desagradáveis. Queremos fugir desses ensinamentos que só nos machucam. Mas, como eu costumo dizer, não acho que o ser humano nasceu para ser feliz e sim para cumprir seu destino: a missão sagrada que Deus lhe deu.

Se há tanta gente precisando de ajuda no mundo talvez seja porque estamos ajudando mais a nós mesmos do que os outros. Então alguém deve quebrar esse ciclo. Por que não poderia ser nós mesmos? Talvez achemos injusto. Não seremos recompensados por agir dessa forma.

E, realmente, a recompensa não precisa ser “sensações agradáveis”. Não precisa ser nada. Podemos nos sentir mal, mas ainda assim optar por servir a Deus, mesmo quando é difícil. E principalmente quando é difícil, pois Deus deseja nos colocar à prova.

Então eu pergunto: se você acredita em Deus não é muito mais garantido poder seguir seu caminho sem se desviar? Pois você tem esperanças: acredita que há um sentido na dor. E não que ajudar os outros possa não ter significado, pois há muita gente cruel.

Em vez disso, pense: “Eu sou cruel e não os outros. E vou dar um jeito na minha situação em vez de julgar os outros. Não por mim, mas por Deus”.

E, o mais importante: você não está sozinho. Se sabe que Deus está com você, até o ato mais difícil do mundo poderá se tornar mais leve. Até se viver o inferno na Terra, tem alguém com você, sempre. Se você tiver dúvidas não precisa cair no desespero, pois há um ser mais poderoso capaz de remover essa dúvida se você orar.

Essa combinação de ajudar com oração é realmente poderosa. Quando você apenas ajuda, sem Deus, de onde tira sua força? O religioso tira da oração. Se você não tem Deus, meu ponto é: você vai precisar de outra coisa. E essa outra coisa é tão forte quanto Deus?

Sim, o amor. Mas o amor como mero conceito, como sentimento, como lógica? Ou o amor que é tão poderoso que tem até mesmo existência e consciência, que é ele mesmo um ser que sempre triunfa? Pode haver amor mais forte que esse? Existe alternativa mais forte que esse amor, que fortalecerá nosso coração para que possamos servir a humanidade?

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Wanju Duli
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