Em homenagem ao meu pai
Quando eu era criança, meu pai me ensinou a jogar xadrez. Ele ensinou para mim e para minha irmã Mariana, que é dois anos mais velha que eu. Nós éramos bem novas quando jogávamos xadrez. Temos vídeos de nós duas bem pequenas, em que eu estava bagunçando as peças no tabuleiro. Uma vez eu estava sem folhas para desenhar, peguei minhas canetinhas e fiz um desenho atrás do tabuleiro.
Na verdade, meu pai gravou vários vídeos de quando eu e minha irmã éramos bem pequenas. Apenas nós duas brincando pela casa, conversando, discutindo, dançando, bagunçando. Ele registrou tudo. Nós assistimos esses vídeos muitas vezes quando éramos adolescentes e rimos muito.
Nunca fui muito boa no xadrez, mas aprendi as regras básicas. Eu jogava com meu pai e com minha irmã às vezes, quando eu era criança. Mas depois deixei de lado.
Meu pai era muito bom no xadrez. Ele tinha vários cadernos em que fazia rascunhos de jogadas e tinha vários livros. Desde jovem ele ganhava vários campeonatos de xadrez. Lembro que ele já ganhou várias medalhas.
Então, quando eu vejo xadrez, lembro do meu pai. É uma lembrança querida.
Outra coisa que me recorda do meu pai é política. Desde adolescente ele já se envolvia bastante com política, principalmente na época da ditadura militar. Mas ao longo de toda a vida, ele nunca deixou a política de lado. Apenas mudou a maneira com que ele se envolvia.
Nós tivemos algumas conversas sobre isso, é claro. Nós não concordávamos em todos os pontos, mas era sempre maravilhoso aprender com ele. No trabalho, ele também sempre era muito envolvido com o sindicato. Com o tempo fui entendendo melhor o quanto esse envolvimento era importante.
Outra coisa que me faz pensar no meu pai: livros. Foi com ele que aprendi a alegria de ler.
Desde que eu era criança, tínhamos praticamente uma biblioteca dentro de casa. Meu pai me emprestou muitos livros. Desde aquela época, eu já lia livros de vários tipos. Alguns nem eram para a minha idade, mas ainda assim eu lia.
Um livro que ele me emprestou quando eu era criança e eu amo até hoje é “O Senhor das Moscas” de William Golding. Conheci vários livros de literatura clássica através dele.
Meu pai também gostava bastante dos livros do Júlio Verne. Então sempre lembro dele quando penso nesse autor.
Meu pai era apaixonado por Star Trek. Foi por causa dele que comecei a gostar. Assisti junto com meu pai um monte de temporadas do Star Trek. Fico muito feliz agora em pensar como foi legal assistirmos tantos episódios de Star Trek juntos!
Nossa família sempre foi muito unida. Eu, meu pai, minha mãe e minha irmã moramos juntos por muito tempo. Cada um sempre teve seu espaço para curtir os próprios hobbies sozinhos, mas também fazíamos muitas coisas juntos.
Íamos os quatro juntos no cinema sempre que possível. Assistíamos filmes e séries em casa juntos. Na juventude, meu pai gostava mais de ler e ele nunca abandonou a paixão pelos livros. Mas a paixão pelos filmes só ficou cada vez mais forte. Ele sempre me indicava filmes bons para vermos.
Quando tinha vinte e poucos anos, meu pai gostava de escrever poesias. Esse é um poema escrito por ele no nascimento da minha irmã, em 20 de maio de 1985:
POESIA DO BEBÊ QUE ESTÁ CHEGANDO
O mundo que tenho para te receber
Não é um mundo de maravilhas
De sonhos ou contos de fada
É um mundo pleno de injustiças,
De contradições…
Mas tu verás, com o tempo,
Que, apesar de tudo isto,
Vale a pena existir neste mundo.
Aos teus filhos
E aos filhos dos teus filhos
Leva sempre esta mensagem de amor
Sem esquecer jamais
Que viver vale a pena, sempre.
Meu pai sempre foi presente na minha vida e sempre me ajudou quando precisei. Ele me ajudou a realizar muitos sonhos. Ele estava ao meu lado quando eu estava confusa e precisava conversar. Principalmente quando eu tinha dúvidas existenciais e filosóficas. Ele sempre tinha coisas lindas para me dizer!
Em março desse ano, meu pai foi diagnosticado com câncer de pâncreas. Ainda bem que eu, minha irmã e minha mãe estávamos ao lado dele nesse momento. Mas nós pensávamos que ele ainda tinha alguns anos pela frente.
Nem meu pai e nem nós contamos para muitas pessoas, porque nós realmente acreditávamos que ainda tínhamos mais tempo para ir contando aos poucos para as pessoas próximas.
Tentamos alguns tratamentos e fizemos o possível. Infelizmente, meu pai teve uma piora na semana passada e teve que ser hospitalizado. Ele foi para a UTI, mas já parecia melhor nesse fim de semana.
A minha última conversa com ele foi domingo às 6 da tarde, dia 4, no hospital. Tínhamos assistido juntos o primeiro episódio de Sandman na semana anterior, quando ele ainda estava em casa. Eu disse para ele que quando ele retornasse para casa, iríamos ver juntos, ele, eu e minha irmã, o episódio 2.
Perguntei se ele precisava de alguma coisa, se ele estava com sede e queria beber água. Ele disse que não. Ele disse para eu dormir cedo, porque eu precisava acordar às 4 e meia da manhã no dia seguinte. Dei um beijo no rosto dele e me despedi.
Na segunda de manhã, eu e minha irmã não estávamos no hospital quando recebemos a notícia, através da minha mãe. Fomos para lá o mais rápido possível. O marido da minha tia nos abraçou. Nossas duas tias estavam lá para nos consolar naquele momento difícil.
O velório foi na terça de manhã, dia 6 de setembro. Meu pai recebeu uma coroa de flores dos vizinhos do prédio e outra coroa dos colegas dele do sindicato. Fiquei muito comovida com os presentes.
Mesmo com o aviso em cima da hora, fiquei surpresa com a quantidade de pessoas no velório e percebi o quanto isso foi importante para nós. Sei que teria vindo ainda mais gente se tivéssemos feito um aviso público ou avisado mais amigos, mas estávamos realmente num momento difícil. Nem tivemos muito tempo para convidar mais gente.
Não irei mencionar todas as pessoas presentes, mas vocês sabem quem são e agradeço muito pelos sentimentos e pela presença. A presença de cada um foi importante.
Claro que é difícil escrever esse texto agora, pois foi tudo muito recente. Mas eu senti que devia escrever o quanto antes.
Meu pai foi uma pessoa que fez uma diferença imensa na minha vida e na vida de muita gente. Ele moldou muito do meu caráter e da minha visão de mundo. Ele me ensinou muitas coisas, me mostrou como viver.
Só estamos nessa vida de passagem. Meu pai deixou esse mundo com apenas 62 anos. Mas ele continua a viver através de mim, da família, dos amigos e de todas as pessoas que ele transformou.
Claro que fico triste ao pensar que ele não está mais ao meu lado. Mas sei que ele queria que eu fosse feliz e que devo ser forte para seguir em frente, por ele também.
Por isso, embora eu sinta um aperto no peito ao pensar nele, também sinto alegria e um grande orgulho. Ele foi realmente uma pessoa incrível.
Eu e ele já tivemos várias conversas sobre espiritualidade, pois eu sempre me interessei muito por religião. Eu respeito as crenças dele, embora fossem diferentes das minhas. Nossos debates sobre isso eram sempre interessantes.
Eu acredito em Deus e em outra vida depois dessa, sempre orei por ele e sempre vou orar. Essa minha crença está me ajudando a passar por esse período difícil, mas eu respeito que cada pessoa tem um processo de luto diferente.
Acredito que um dia, quando eu partir desse mundo, poderei me reencontrar com meu pai. Mas ele ainda vive dentro de mim. Não somente por termos o mesmo sangue, mas pelos ensinamentos e lembranças que ele deixou. Então, independente da crença de cada um, podemos concordar com isso: ninguém deixa esse mundo completamente. Sempre continuamos vivos nos outros.
Depois disso tudo, entendi ainda mais a importância de ter amigos, de ter a família unida, de fazermos coisas juntos. Dos pequenos momentos especiais. Isso é tudo que temos.
Então, que possamos fazer nossa passagem nesse mundo ser repleta de amizades. Meu pai parecia uma pessoa reservada, mas tinha muitas pessoas especiais e importantes ao redor dele. Vou lembrar do que aprendi com ele para fazer meu melhor possível para viver uma vida da qual eu possa me orgulhar. E que seja uma vida com a presença de pessoas importantes para mim.
Eu te amo, pai! E fico muito feliz de termos ficado juntos, com a família unida. Obrigada por tudo! Esse não é realmente um adeus ou uma história com um final triste. Iremos nos ver de novo.