Do Budismo para o Cristianismo
Minha saga com religiões é longa e complicada. Já li sobre muitas delas, me interessei por várias e já pratiquei algumas. Para simplificar, irei me referir às religiões que mais me marcaram: cristianismo, budismo e jainismo. Não irei focar na questão do ocultismo aqui, pois isso exigiria um texto com outra abordagem.
Aos 17 anos eu me interessei por cristianismo, li a Bíblia e tive um breve momento de prática, que durou cerca de um ano. Aos 18 anos eu me interessei por budismo, li livros a respeito e pratiquei por cerca de um ano. Aos 19 anos me encantei com o jainismo, li e pratiquei também por um ano.
Então acho que podemos dizer que tive um momento intenso de interesse religioso no final da adolescência. Dos 13 aos 17 eu estava interessada pelo ocultismo, mas coisas como meditação, oração e a operação de Abramelin me direcionaram para a religião.
Dos 20 aos 25 anos eu voltei para o ocultismo, buscando uma abordagem mais artística, com a magia do caos. Até que, por volta dos meus 26 anos, eu voltei para o cristianismo.
A grande questão é: por quê?
Desde criança eu perguntava para as pessoas ao meu redor qual é o sentido da vida. Não entendi bem as respostas que recebi. Então eu tive que procurar sozinha, principalmente nas leituras. Então eu li vários livros de literatura e filosofia.
Mas muito do que eu lia me parecia confuso. Por que os autores não eram mais claros? Até as religiões pareciam meio obscuras: Jesus e a cruz, Buda e as meditações…
Eu gostei do cristianismo e do budismo porque são religiões que focam na questão do sofrimento. Sim, existe a dor. Isso eu entendo.
Eu estava achando essa história de “Deus” meio obscura também. Quem é Deus, quem é esse cara?
Por isso o budismo interessou meu eu de 18 anos: não havia Deus na história. Você meditava e descobria por si mesmo sobre a iluminação. Isso me parecia algo claro, quase científico: vá lá e descubra por si mesmo!
E eu fui! Eu meditei, meditei, por Buda, como meditei! Teve uma época da minha vida que a única coisa que eu fazia era meditar e dormir. Eu acordava e já assumia a posição de lótus e só saía para ir ao banheiro, comer e dormir. Literalmente.
Mas Buda não curtia muito as asceses. Por isso eu passei a seguir o jainismo, que era basicamente uma versão mais hardcore do budismo, que pegava mais pesado nos jejuns e mortificações.
Mas tanto o budismo como o jainismo possuem vertentes que focam mais no amor do que na sabedoria. No budismo Mahayana, por exemplo, há o ideal do Bodhisattva, que “deseja atingir a iluminação para salvar todos os seres”.
Quando eu tinha 19 anos, eu tive vários debates sobre jainismo com amigos indianos na internet. E minha maior questão era exatamente essa: devemos ajudar os outros ou devemos nos desapegar de tudo e buscar a iluminação?
Era como uma versão do jainismo do ideal Bodhisattva versus Arhat. O budismo ensina que devemos primeiro nos livrar do karma ruim. Depois nos livramos do karma bom. E atingimos a iluminação. Afinal “tudo é karma, sendo bom ou ruim, e onde há combustível há chamas”.
Eu entendi isso teoricamente, filosoficamente. Mas dentro de mim eu ainda achava que ajudar as pessoas era mais importante do que atingir a iluminação. Mas aí vinha a argumentação sutil que dizia: “mas sendo um iluminado você poderá ajudar os outros de forma melhor. Primeiro você tem que se iluminar. Se Buda atingiu a iluminação em seis anos, faça um intensivo de meditação, se ilumine e depois vá ajudar os outros”.
Só tem um problema: as pessoas estão sofrendo agora. O mundo não pode parar. Eu não posso aceitar o argumento que diz: “Primeiro se torne perfeito. Depois ajude os outros”. E se eu fosse me isolar para meditar numa caverna em busca da iluminação, eu não sentiria que estaria ajudando alguém.
Acredito que esse pensamento foi o motivo principal para eu me afastar um pouco das religiões indianas. É importante ressaltar que eu estava praticando o budismo “estilo ocidental” que foca muito mais nas meditações. O budismo, o hinduísmo e o jainismo como são praticados na Índia e em outros países do Oriente têm um forte enfoque devocional. Há importância em coisas como orações e doações para caridade. Acredito que o budismo, tal como foi retratado no Ocidente, com a figura do eremita meditando na caverna, teve um apelo inicial para mim, mas depois fez com que eu me afastasse.
O cristianismo fez mais sentido para mim mais tarde devido ao enfoque na compaixão. Sim, no catolicismo há o ideal da santidade, ao qual devemos aspirar. Mas não há essa história de “primeiro se torne perfeito e depois ajude os outros”.
No cristianismo desde o início nós reconhecemos que somos todos pecadores e que perfeito é só Deus. Nós não buscamos nos tornar um tipo perfeito de Deus ou iluminado. Ao contrário: reconhecemos que somos muito pequenos diante de Deus, que somos cheios de defeitos e que todos os outros também são assim. Mas mesmo imperfeitos podemos ajudar uns aos outros.
Esse é um ensinamento simples, mas profundo. Finalmente Deus fez mais sentido para mim.
Quando eu era adolescente, eu via Deus como um intruso. Eu queria me tornar Deus. Eu queria me tornar como um iluminado e não sofrer mais.
Porém, na época em que eu era budista parece que eu estava sempre esperando por algo: ainda não posso ajudar os outros porque ainda não me iluminei. Ainda não tenho a sabedoria para ajudar.
No cristianismo, eu senti que já podia e devia ajudar agora. Não havia mais nada para esperar. Eu era imperfeita, eu sofria, mas isso não era um problema. Eu não precisava superar o meu sofrimento. Ao contrário, havia um sentido no sofrimento: porque a dor existe eu posso ajudar os outros e ser ajudada, e descobrir o amor. Eu posso imitar Cristo na cruz.
Na verdade, quando eu era adolescente eu não entendia direito nem o cristianismo e nem o budismo. Mesmo hoje em dia, não posso afirmar que entendo direito nenhuma das duas religiões. Afinal, elas são complexas e profundas.
O que eu penso sobre religiões hoje?
Eu admiro todas as religiões. Respeito o budismo, o jainismo e o hinduísmo, pois aprendi muito com elas. Atualmente, as religiões de meu maior interesse são cristianismo e islamismo. Já passei por uma época em que cogitei me tornar muçulmana, mas parece que não vai acontecer. Então ainda hoje eu fico com o cristianismo.
Eu aprendi o cristianismo principalmente através do catolicismo e até hoje fico inspirada pelas vidas dos santos e mártires. Existem coisas no catolicismo com as quais eu não concordo. Ainda assim, eu acredito em Deus e se alguém me perguntar minha religião eu direi: “cristã”.
Eu já disse isso muitas vezes e irei repetir: eu já li mais de 300 livros de cristianismo e pelo menos uns cem livros de budismo. Estou consideravelmente por dentro dos argumentos teológicos a favor ou contra Jesus ser Deus, e conheço vários argumentos da filosofia contra e a favor a existência de Deus.
Mas não é a teologia e nem a filosofia que me fazem acreditar ou não.
Posso (e consigo) meditar e/ou orar por horas a fio e atingir vários estados alterados de consciência, transes místicos ou como queira chamar. Eu acredito que a oração e a meditação têm um significado real num nível espiritual, pois eu acredito em Deus e em seres espirituais com uma existência real e não somente como metáforas, meu eu interior, nem nada do tipo. Para mim, Deus realmente existe e a oração é efetiva por si mesma e não só como método motivacional.
Mas é exatamente porque eu acredito em Deus que minha consciência me diz que Deus não quer que eu apenas passe minha vida toda meditando e/ou orando. Meditar e orar é importante, mas nem Jesus orava o tempo todo e nem Buda meditava o tempo todo. Jesus passou por uma época intensiva de oração e jejum no deserto e Buda passou por seis anos de meditação antes de iniciar sua jornada para ensinar o que aprendeu.
Sendo assim, tanto Buda como Jesus sempre foram muito mais ativos do que contemplativos. Eu escrevi sobre isso aqui.
Eu já fiz retiros tanto em mosteiros budistas como católicos e pode ser que eu ainda faça algum retiro no futuro. Porém, esse período de meditações e orações foram importantes para me mostrar a importância da ação, de atuar nesse mundo.
Naturalmente, algumas pessoas se sentem chamadas a viver meditando em cavernas ou em mosteiros. Eu admiro muitas dessas pessoas e acredito que Deus chama cada um a uma missão diferente.
Atualmente eu gosto de religiões como islamismo e cristianismo porque acho que elas me conectam mais com as pessoas do mundo todo. Afinal, a maior parte das pessoas são cristãs ou muçulmanas, então seguir uma dessas religiões me conecta mais a elas. E eu quero me sentir conectada.
Se eu tivesse que dar apenas uma razão para acreditar em Deus, eu explicaria isso da seguinte forma:
Tem uma pessoa morrendo na minha frente e eu não posso fazer nada. Ela segura na minha mão e me pergunta se eu acredito em Deus.
“Sim” eu digo “Eu vou rezar por você”.
Acreditar em Deus me dá conforto e esperança num momento de sofrimento ou risco de morrer e também me ajuda a dar esperança para outros e me unir a essas pessoas.
Eu não precisava ter lido tantos livros de teologia e filosofia para descobrir isso. Mas parece que temos que dar muitas voltas até nos darmos conta de coisas simples.
Repito que eu gosto de todas as religiões e cada um deve seguir a religião a que se sente chamado. Eu mesma desconheço as mudanças de coração que terei no futuro. Quem sabe o que ainda pode acontecer?
Escrevi esse texto apenas para explicar porque acabei passando do budismo para o cristianismo. Isso não significa que eu não goste mais do budismo. Eu gosto até hoje. Ainda acho profundo o que Buda disse sobre a iluminação. Mas eu sinto que devo seguir minha própria consciência. Tanto minha razão quanto meu coração me dizem que é mais importante dar um prato de comida para uma pessoa que está com fome do que atingir estados alterados. Se você for para vários países asiáticos verá vários budistas praticando atos de caridade. Talvez nós, ocidentais, não tenhamos traduzido com fidelidade o budismo para o ocidente.
Seja como for, digo que ainda sou cristã. Eu acredito em Deus e falar de Deus, amor e esperança é algo mais simples para pessoas sofrendo e morrendo do que dar um discurso sobre o vazio e a iluminação. O próprio Ajahn Chah, monge budista, costumava contar como os tailandeses vinham a ele pedindo saúde e alegria e não iluminação.
É claro, há pessoas, como alguns ateístas, que encontram conforto com o mero pensamento de que seus corpos irão voltar para a natureza e prosseguir o ciclo da vida. Portanto, que cada um encontre suas respostas. Eu só posso compartilhar o que eu penso e como me sinto.