De Cuba, com carinho, por Yoani Sánchez
Escrevi essa resenha do livro no Facebook:
Terminei! Esse é o primeiro livro que leio escrito por uma autora cubana. Ela conta como é o dia a dia em Cuba. Também já li um livro escrito por uma autora norte-coreana, que relata o dia a dia na Coreia do Norte (Para poder viver: A jornada de uma garota norte-coreana para a liberdade, por Yeonmi Park). Fora esses dois, também já li livros que relatam como era a vida em países da África, Oriente Médio e Ásia que tiveram governos socialistas nas últimas décadas.
É claro que não basta ler o relato de uma única pessoa. O ideal é ler o depoimento de várias pessoas que nasceram e viveram em determinado país para termos vários pontos de vista. Mas como se costuma dizer: não deixe o ótimo ser o inimigo do bom. Ainda é melhor ler apenas um, dois ou três desses livros do que nenhum. Eu ainda acho que ler livros com relatos de pessoas que vivem o dia a dia em países socialistas é um retrato mais fiel da realidade do que ler livros de teorias sobre socialismo. Tem aquela frase: na teoria, teoria e prática são parecidas, mas na prática não.
Yoani Sánchez passa boa parte do livro falando sobre o racionamento de comida. A população é proibida de usar internet, somente os turistas e os políticos têm acesso (em Cuba apenas 2% da população usa internet, em comparação com 11% no Haiti). E na maior parte do tempo os cubanos são proibidos de sair do país para visitar parentes que vivem fora.
A autora conta episódios de longas horas em filas com centenas de pessoas para conseguir alguns itens raros no país, como carne vermelha ou frango. Conta um episódio de epidemia em que o governo ordenou uma marcha patriota em vez de mandar as pessoas ficarem em casa para reduzir o contágio. Conta sobre as condições precárias dos colégios, que não são limpos e têm banheiros em condições terríveis. Também conta um episódio em que foi visitar uma parente com câncer e teve que levar para o hospital ventilador, travesseiro, comida e itens de limpeza, porque não havia. Ela mesma limpou o banheiro do hospital, que não era limpo há muito tempo e trouxe materiais de limpeza de casa para isso.
Porém, esse relato do dia a dia em Cuba não é nem de longe tão terrível quanto o relato que li sobre o dia a dia na Coreia do Norte, com cirurgiões fazendo cirurgias erradas em pacientes rotineiramente e sem anestesia (pois falta anestesia), além de reutilizar agulhas nos pacientes. Em Cuba também há falta de seringas descartáveis e por isso é comum o uso de seringas de vidro.
Sem dúvida, todos os países têm problemas. Eu já li vários livros que relatam o dia a dia de muitas pessoas em países pobres da África, Ásia e Oriente Médio sob diferentes tipos de governo e muitos deles relatam condições parecidas com essas.
A ideia não é argumentar que o governo socialista é o pior tipo de governo atual, pois embora a autora desse livro relate falta de liberdade religiosa em Cuba, a perseguição religiosa pode ser ainda pior em países governados pelo Estado Islâmico e Talibã, por exemplo, que também vetam o acesso à internet e patrulham as fronteiras para que ninguém saia do país. Por outro lado, a Coreia do Norte ainda se mantém em primeiro lugar numa lista de perseguição de cristãos, a frente de alguns países muçulmanos (obviamente os muçulmanos e ateus também são perseguidos em muitos países). Eu também li num livro sobre os Médicos Sem Fronteiras (Doctors Without Borders: Humanitarian Quests, Impossible Dreams of Médecins Sans Frontières, por Renée C. Fox) que na Rússia atual, pela influência da antiga União Soviética, algumas pesquisas científicas e projetos humanitários ainda são barrados por militares. No mesmo livro li que o pior episódio de fome na Etiópia, nos anos 80, foi causado por um governo socialista: o chamado Terror Vermelho, que usou a fome como arma de guerra, impedindo que comida entrasse no país vinda de fora. O Khmer Rouge, que causou um genocídio no Camboja, liderado por Pol Pot, definia-se como um grupo comunista.
Porém, a autora desse livro propõe uma reflexão para aqueles que visitam Cuba como turistas e saem de lá com uma imagem idealizada do país. Ela sugere que devia existir um pacote turístico do tipo “viva como um cubano por duas semanas”, com a comida racionada (sem a comida chique de hotel que só turistas têm acesso), sem usar internet e com transporte público (sem andar de táxi, luxo que quase nenhum habitante do país tem).
A autora também fala sobre a grave questão do desemprego em Cuba, dos muitos problemas do ensino nos colégios (com culto aos políticos) e sobre médicos, dentistas e engenheiros em Cuba trabalhando fazendo serviços de hotel, como taxistas e como prostitutas para atender os estrangeiros, já que com esses trabalhos recebem salários melhores do que com suas profissões tradicionais.
Esse é apenas um relato do dia a dia em Cuba com o ponto de vista de uma pessoa que nasceu lá e viveu lá algumas décadas. Se você conhece outro livro com o ponto de vista de outro cubano contando sobre sua rotina diária, pode me indicar que terei o maior prazer em ler.