Cristãos perfeccionistas abandonam o cristianismo?
Você é uma criança ou adolescente e seus pais cristãos te levam para a igreja local. Talvez você até comece a ter aulas em preparação para os ritos de passagem de primeira comunhão e crisma.
Você não odeia tudo sobre o cristianismo. Até tem boas memórias de alguma bela igreja, uma música, a homilia de um padre ou passagem bíblica. Mas lá no meio do caminho alguma coisa deu errado.
Em algum momento da sua vida, você fez uma descoberta chocante: a Igreja não é perfeita. E os cristãos não são perfeitos. E essa descoberta pode ter tido um impacto tão forte em alguns, que foi insuportável.
É como uma criança que segue o pai e a mãe como modelos. Um dia, o filho descobre que seus pais são apenas humanos e têm falhas. Talvez ele os rejeite. Pode ser a fase de rebeldia da adolescência. Você quer contrariar os seus pais e tem certeza absoluta de que eles estão errados e você está certo. Para provar isso, começa a fazer tudo o que seus pais dizem que é errado. Pode ser que você abandone o colégio e use alguma droga.
Talvez, dez anos depois, você chegue a conclusão de que seus pais não estavam tão errados assim. Há algumas vantagens naquele tal de colégio e aquela tal droga não é tão legal.
É claro que é possível que você mantenha sua posição inicial: você seguiu outro caminho e começou a ser feliz fazendo outra coisa e vivendo de outro jeito. Quem sabe você ainda odeie seus pais. Ou voltou a amá-los.
Algo parecido ocorre com um adolescente ou jovem que encontra falhas na fé cristã. Mas não podemos julgar essas pessoas. Às vezes podem ter sido acontecimentos realmente graves.
Você pode ter conhecido um padre ou um professor de crisma que eram muito preconceituosos ou rigorosos. Pode ser que eles mesmos exigissem um perfeccionismo absurdo e pouco realista e falassem pouco sobre o perdão de Deus.
“Assim sendo, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai que está nos céus”
(Mateus 5:48)
A Bíblia é um livro muito difícil de entender e de interpretar. Assim como há especialistas em livros de literatura, que dedicam anos ou até uma vida inteira para estudar a época em que certa obra foi escrita, os estilos da época, o idioma, a biografia do autor, suas outras obras, etc, para analisá-la, da mesma forma há muitos estudiosos de livros sagrados como a Bíblia.
Qualquer pessoa pode distorcer o sentido de diversas passagens bíblicas para defender praticamente qualquer argumento. Então é preciso ter muito cuidado.
Jesus resumiu os dez mandamentos em somente dois:
“Amarás, pois, a teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças”
(Deuteronômio 6:4–5)
“Amarás ao teu próximo como a ti mesmo”
(Mateus 22:39)
Quem se esforça para amar a Deus e a seu próximo já pode chamar a si mesmo cristão. Além disso, ele ama Jesus e a Bíblia.
Na Bíblia, Jesus nos diz para sermos perfeitos. Mas o que isso quer realmente dizer?
Você deve desejar ser santo. Fazer todo possível para atingir a santidade. Mas o que significa ser um santo?
Eu adoro ler histórias sobre a vida dos santos. O Legenda Áurea é uma coletânea particularmente sensacional sobre isso, que mistura realidade e fantasia. É emocionante estar nesse limite entre os dois mundos. Você termina de ler o livro conhecendo centenas de heróis corajosos, que enfrentaram as torturas mais horripilantes (com descrições minuciosas em que um santo declamava um poema depois de ter cada dedo cortado) e tiveram as mortes mais terríveis, que nem mesmo seu lado mais criativo poderia ter imaginado. Você chega a conclusão de que aquele era o Game of Thrones da época medieval e não deixa de soltar um suspiro de amor: “Ah, então era assim que as pessoas se divertiam naquela época!”
Hoje em dia temos os super-heróis dos quadrinhos e do cinema. Você se sente frustrado caso você não tenha superpoderes e não consiga sair voando? Caso você se sinta, não precisa se sentir, pois é verdade que você pode inventar um uniforme legal e ajudar pessoas na rua. Embora essas histórias atuais de super-heróis tenham uma mensagem literal, também é possível interpretar de forma simbólica: eu, no meu emprego, no meu dia a dia e no relacionamento com as pessoas posso ajudar os outros e contribuir para um mundo melhor. Apenas uma pessoa já faz diferença.
Da mesma forma, tanto a Bíblia quanto os livros com histórias de vida dos santos possuem ensinamentos tanto literais como simbólicos. É quase como aqueles filmes em que está escrito “baseado numa história real”. É claro que embora falem sobre uma história que realmente aconteceu, há elementos poéticos no filme. Nem tudo é um retrato fiel do que ocorreu. Tanto porque algumas coisas não se sabe como porque em outras partes o diretor achou que ficaria mais emocionante adicionar um pouco de romance, ação, etc, como símbolo, para tocar nossas emoções mais profundamente.
Algo parecido ocorre com a Bíblia. Enquanto algumas histórias bíblicas foram retratos mais fiéis do que ocorreu (houve a preocupação do autor em contar os fatos com mais fidelidade), outras foram propositalmente construídas como símbolo (como Jonas que passou três dias no ventre da baleia) e contêm inclusive um pouco de humor. Mas a maior parte dos livros é uma mistura de ambos, assim como os “filmes baseados em histórias reais”. O autor quer contar uma história real, mas também quer que seus leitores se emocionem.
A história da vida de Santa Cecília é um exemplo. Ela é a padroeira dos músicos, mas ela viveu na época do cristianismo primitivo e se sabe pouco a seu respeito, então as lendas preenchem os espaços vazios.
Na minha história preferida sobre ela, é dito que ela nem sabia tocar instrumentos e talvez nem soubesse cantar bem. Então como ela pode ser a padroeira dos músicos? Ela era uma nobre de uma família romana que se converteu ao cristianismo. Foi martirizada por causa de sua fé. A lenda diz que pouco antes de ser decapitada ela cantou. E então morreu.
Simples e profundo. Essa história me tocou profundamente, assim como muitas outras histórias de vidas de santos.
Já a história de santos como Joana d’Arc e Francisco de Assis contêm mais elementos reais, já que foram santos da Idade Média e se tem mais registros sobre eles.
Ao saber que existiram santos reais nesse mundo, somos inspirados e nosso coração é inflamado pelo testemunho de suas vidas. Isso significa que também podemos ser santos. Jesus nos convida a isso.
Porém, Deus dá uma missão específica a cada um de nós. Deus não exige que todas as pessoas sejam mártires. Podemos admirar os mártires e os santos, mas mesmo uma pessoa que não seja tão boa assim pode merecer o céu se ela sinceramente se arrepende e tenta melhorar. Jesus diz na Bíblia que para ir para o céu basta seguir os Dez Mandamentos. Mas para quem quer fazer algo mais, também há uma sugestão:
“Jesus disse a ele: ‘Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá o dinheiro aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me’”
(Mateus 19:21)
Ou, como disse Santa Teresinha:
“Assim acontece no mundo das almas, que é o jardim de Jesus. Ele quis os grandes Santos, que podem ser comparados aos lírios e às rosas; mas criou também outros mais pequenos, e estes devem contentar-se com serem margaridas ou violetas, destinadas a deleitar os olhares de Deus quando olha para o chão. A perfeição consiste em fazer a sua vontade, em ser o que Ele quer que sejamos”
Deus prometeu ao bom ladrão que o levaria para o céu. Isso significa que todos nós também podemos ser perdoados. Então devemos ter alegria e esperanças.
E é isso que significa ser cristão: ter alegria e esperança. Tentar fazer o melhor possível, sem julgar os outros para não ser julgado. Perdoando para ser perdoado. Não precisamos ser perfeitos para merecer o céu. E muito menos para termos o direito de considerar-nos cristãos, se assim o desejarmos.
Se você faz parte da Igreja Católica, ortodoxa ou alguma outra igreja, vai aprender algumas regras, como as regras para poder comungar, que podem ser bem rigorosas.
Por exemplo, na Igreja Católica existe a divisão entre pecado venial e pecado mortal. Então, um divorciado que se casou de novo não pode comungar caso não se separe dessa pessoa. Alguém que tenha relações sexuais sem ser casado não pode comungar enquanto não se casar. Por outro lado, alguém que tenha a doença celíaca não pode comungar, mesmo sem ter cometido um pecado mortal.
Alguns, frustrados por certas regras que lhes parecem arbitrárias ou absurdas, abandonam completamente o cristianismo. Isso é compreensível. É muito duro sentir-se excluído do sacramento mais importante.
Outros podem, por exemplo, abandonar a Igreja Católica e passar a fazer parte de uma Igreja protestante ou evangélica. Eles ainda acreditam em Cristo e na Bíblia. Apenas não concordam com as interpretações do Magistério da Igreja Católica.
Também há aqueles que continuam a considerar-se católicos, vão para a igreja todo domingo e apenas não comungam. Participam de todas as outras celebrações. A Igreja ensina que é possível comungar espiritualmente durante a missa, mesmo sem fazê-lo fisicamente.
Finalmente, há os que declaram: “eu sou católico”, mas não participam de uma missa há anos. Apenas rezam de vez em quando.
Isso vai da consciência de cada um. Tem essa passagem de um livro de Bento XVI sobre isso que eu gosto muito:
“Deve ficar claro que dizer que a opinião de alguém não corresponde à doutrina da Igreja não significa violar os direitos humanos. Cada um deve ter o direito de formar e expressar a sua opinião. No Concílio Vaticano II, a Igreja se declarou abertamente favorável a isso e o é ainda hoje. Mas isso não significa que todas as opiniões têm que ser reconhecidas como católicas. Cada um deve ter a possibilidade de se exprimir como pode e como quer diante da sua consciência, mas a Igreja deve poder dizer aos seus fiéis quais opiniões correspondem à sua fé e quais não correspondem. Esse é um direito e um dever, para que o sim seja sim e o não seja não, e seja preservada a clareza que ela deve aos seus fiéis e ao mundo”
Ou seja, cada Igreja possui suas regras, mas a ideia não é excluir alguém que não cumpre essas regras, embora na prática alguns se sintam excluídos. As portas da igreja estão abertas, ninguém precisa pagar nada e qualquer um tem o direito de assistir as missas e participar de outros eventos.
Eu particularmente não tenho nenhum problema com uma pessoa que se considera católica e apenas faz suas orações pessoais em casa, diante de um quadro do seu santo e não siga o que a Igreja Católica diz sobre várias coisas.
Para alguns é uma chatice ir para a missa todo domingo. Outros vão para todas as missas com grande alegria, mas se negam a doar dinheiro para a sua igreja devido a razões diversas.
Isso significa simplesmente que ninguém é perfeito e ninguém precisa ser. Se a Igreja Católica lhe diz uma coisa e sua consciência diz outra, o que fazer?
Eu sempre gosto de citar que no início do Legenda Áurea é dito que no céu teremos três julgadores: Deus, nosso anjo guardião e nossa consciência. Ir contra um preceito da Igreja pode ser difícil, mas ir contra o que a nossa consciência diz sobre o certo e o errado, o bem e o mal, também pode nos devastar.
Há uma carta encíclica muito boa sobre isso chamada Veritatis Splendor, ou o Esplendor da Verdade, em que o Papa João Paulo II explica sobre pecado venial e pecado mortal.
É possível ler em vários lugares a posição da Igreja Católica sobre isso tudo, mas eu gostaria de deixar claro qual é minha opinião.
Eu amo religiões: cristianismo, islamismo, judaísmo, budismo, jainismo, hinduísmo, etc. Há um lugar especial para cada uma delas no meu coração.
Muita gente opta por não seguir uma religião específica. Outros optam por escolher uma. E cada uma dessas pessoas possuem suas razões.
Teologicamente falando, uma das melhores razões para optar por uma religião é a busca da verdade. Você escolhe uma religião porque acredita que ela é a verdade e não porque os vitrais daquela igreja são mais bonitos, porque essa religião é exótica, porque meditar faz bem à saúde ou porque te ajuda a ter disciplina.
Mas as pessoas são mais complexas que isso. Uma pessoa não é um ser perfeito que se guia apenas pela busca da verdade e fecha os olhos para todo o resto. Eu gosto de citar a história de vida de São Domingos como exemplo. Já li várias biografias dele, pois gosto muito dos dominicanos.
São Domingos é um santo tão admirável quanto São Francisco (os dois foram contemporâneos e se conheceram. Fico tão emocionada com isso quanto fico ao pensar que Buda e Mahavira foram contemporâneos). Ele queria ser mártir, assim como São Francisco. Da mesma forma que ele, tentou várias vezes e não teve sucesso. Sua fé era enorme.
Mas teve um episódio da vida de São Domingos que me fez rir. Diziam que São Domingos preferia conversar com as mulheres mais jovens e esse foi um detalhe tão embaraçoso que nos chegou que a maior parte dos seus biógrafos tenta esconder. Em vez de eu pensar: “Que preconceituoso com as mulheres mais velhas” ou “Então ele não era tão santo assim”, eu posso apenas recordar desse episódio com carinho ao ver um lado mais humano de São Domingos.
Nós gostamos de heróis quase perfeitos. Eles nos dão coragem. A existência dos mártires nos inspira, porque pensamos: “Um ser humano é capaz de morrer pelo que acredita, por amor. Então eu também sou capaz de ser forte”. E isso é muito importante para nos dar forças em momentos de fraqueza. Heróis fortes são necessários.
Mas também gostamos e precisamos de heróis que caíram e se levantaram. De histórias de seres humanos fracos, para nos identificarmos. Por isso, nós também adoramos Santo Agostinho. Ele era muito sincero com suas fraquezas e medos.
Por tudo isso, só consigo pensar que um cristão perfeccionista tem apenas dois destinos possíveis: ou ele se torna um santo ou ele deixa de ser cristão. Não há outro caminho. A não ser que o próprio Deus intervenha (“para Deus tudo é possível”, diz Jesus ao falar do camelo e da agulha), mas para isso é preciso ter a humildade de pedir ajuda em primeiro lugar.
Todos devemos desejar ser santos, como Jesus nos ensinou. Precisamos fazer o melhor possível. Mas não devemos desistir se for difícil.
É claro que é difícil! Quem disse que era fácil? Quem disse que ser de qualquer religião é fácil? Exige comprometimento e responsabilidade. Como em muitas outras coisas na vida!
Se o catolicismo não cabe no nosso calendário, basta abandoná-lo por uma religião com horário mais flexível? Mas a Igreja sabe que isso realmente pode ser duro para alguns. Eu já soube que para alguns trabalhadores do interior do Brasil, que também precisam trabalhar durante sábado e domingo o dia inteiro, a Igreja permite que eles frequentem uma missa semanal e que ela pode valer por uma missa de domingo. Por isso em certas cidades os padres celebram o equivalente à missa dominical em outro dia da semana apenas para esses trabalhadores.
Santo Agostinho tem uma belíssima frase sobre tudo isso:
“É melhor ser um coxo no caminho do que um bom corredor fora dele”
Podemos interpretar essa frase da seguinte forma: é melhor ser um católico que não cumpre todas as regras da Igreja, mas que tenta seguir as poucas que consegue, do que deixar de ser católico. Ou deixar de ser cristão. Ou deixar de ser qualquer outra coisa que você não consiga fazer perfeitamente, só porque não consegue ser perfeito.
Para o perfeccionista, se ele não consegue ser o vencedor ou obter o primeiro lugar, ele não quer mais jogar. Ele abandona esse jogo e tenta ser o vencedor num jogo diferente.
Se o perfeccionista não consegue ser rico, ele passa a falar mal dos ricos e a dizer o quanto ter dinheiro gera desigualdade social, o quanto faz mal para a alma e para a vida espiritual e o quanto torna as pessoas egoístas. Ele passa a ser um inimigo dos ricos, esquecendo completamente de ricos que fazem grandes doações para os pobres, investem em pesquisas científicas ou até se esquecem de citar José de Arimateia ou os grandes reis do Velho Testamento, como Salomão e Davi.
Se o perfeccionista tem dificuldade de cumprir certos preceitos religiosos, ele passa a ser um grande inimigo da religião, considerando os judeus, os cristãos ou os muçulmanos como os culpados por todos os preconceitos, atrasos e guerras do mundo, usando-os como bode expiatório de um problema muito mais complexo, que envolve todos nós.
É claro que o perfeccionista vai dizer: “Se eu quisesse, eu seria muito rico e seria um cristão muito santo. Eu consigo ser o melhor em qualquer coisa que eu escolha fazer. Eu apenas escolhi não me focar nessas coisas porque tenho outras prioridades”.
Tudo bem, isso pode ser verdade. Mas nossas crenças e preconceitos vão sendo moldadas por nossas vivências a partir dessas coisas. Talvez porque conhecemos um cristão extremamente preconceituoso ou ouvimos falar de um muçulmano terrorista (pois essas são as coisas que ganham destaque na mídia) passamos a odiar religião.
É natural que precisemos achar um inimigo para combater e justificar todo o mal que existe no mundo. Uma coisa que eu gosto nos cristãos é que eles batem no peito na missa e dizem: “Por minha culpa, minha culpa, minha tão grande culpa!”. Os três inimigos clássicos dos cristãos são a carne, o mundo e o diabo. Mas nós temos livre-arbítrio e somos responsáveis por nossas escolhas.
Eu gosto muito dessas pinturas em que Adão está apontando para Eva e Eva está apontando para a serpente. Nós não queremos assumir a culpa pelas coisas ruins que acontecem em nossas vidas. Queremos sempre culpar alguém, seja Deus, o diabo, os religiosos, os ateus ou o governo. Falamos muito de direito, mas pouco de deveres. Temos direito ao céu, mas e nosso dever de cumprir os mandamentos?
Se existe alguma coisa errada na nossa rua ou no nosso bairro, nosso primeiro pensamento é culpar o governo local por não ter feito nada. Mas se for algo simples, eu não posso ajudar em alguma coisa? Não posso pelo menos participar dos debates da comunidade do bairro, que se reúne para discutir os problemas e elaborar modos de resolvê-los?
Em igrejas, por exemplo, consegue-se doações para regularmente ajudar a comunidade. Sempre há doações acontecendo na igreja perto da minha casa. O tempo todo ouço o padre dizer coisas como: “No momento estamos aceitando doações de material escolar para o início do ano letivo de crianças que não podem comprar. Quem quiser pode doar na secretaria” ou “Estamos aceitando doações de agasalhos para o inverno” ou “Agora começaram as arrecadações de alimentos não perecíveis”, além de oferecerem vários cursos gratuitos de música, inglês, reforço escolar e outras coisas. A própria comunidade de cada paróquia se organiza e cada um ajuda no que pode, com o tempo e o dinheiro de que dispõem, visitando prisões, asilos, creches, etc.
Pessoas abandonam o cristianismo por vários motivos. E só falam nas coisas ruins, como se não existissem coisas boas. Até hoje a Igreja Católica continua sendo a maior instituição de caridade do mundo. Muitos criticam as Missionárias da Caridade porque alguns locais não são tão higiênicos ou não oferecem cuidados perfeitos. Mas se não fossem elas e os outros voluntários, muitas daquelas pessoas que estão sendo cuidadas por elas, embora de forma imperfeita, teriam morrido.
“Não deixe o ótimo ser o inimigo do bom” é uma frase que eu gosto. Eu a ouvi pela primeira vez na nutrição: sim, hoje em dia todos os alimentos estão contaminados, mas nem por isso eles são iguais. Há sim escolhas alimentares mais saudáveis do que outras, melhores para o ambiente, etc.
Cada um deve tentar fazer o melhor possível, mas não precisa ser perfeito. E muito menos devemos julgar quem não é perfeito.
Uma pessoa tem todo o direito de escolher não ser cristã e nem precisa se justificar por isso. Todos devem ser livres para fazer suas escolhas. O problema começa quando essa pessoa passa a considerar os cristãos seus inimigos declarados e a criticá-los, assim como é igualmente ruim um cristão que critica ateus.
“Ah, mas existem mais cristãos com preconceitos contra gays do que ateus, o que mostra que religião leva ao preconceito” alguém pode dizer e eu poderia argumentar: “Existem mais doações de dinheiro para caridade e trabalhos de caridade feitos por cristãos do que por ateus, o que mostra que religião torna as pessoas mais compassivas”? Ou seja: é uma discussão completamente sem sentido. Existem cristãos que respeitam homossexuais e ateus que fazem trabalhos de caridade. Há ateus preconceituosos e cristãos egoístas. Ponto.
Se optamos por ser de certa religião ou não ter uma religião, ou ser de certo partido político, às vezes nosso objetivo passa a ser provar que somos melhores e estamos certos e quem é diferente de mim é errado, é meu inimigo, é o diabo.
Que bom que há pessoas que pensam diferente de nós, ou poderíamos nos acomodar em nosso ninho, que está muito confortável. Que bom que há pessoas que questionam teorias científicas, porque o mundo ordenado de Newton estava muito agradável, até que Einstein e outros cientistas do início do século XX chacoalharam um pouco nossa cama e acordamos.
Nós gostamos de ordem, principalmente da ordem que criamos e acreditamos (ou da ordem da nossa classe social e da época em que vivemos, que nos foi ensinada). O caos pode ser doloroso, mas olhar as coisas por novos paradigmas e pontos de vista e “de fora” pode nos fazer “despertar de nosso sono dogmático”, como disse Kant sobre a obra de David Hume.
Há épocas em que ser religioso está na moda e outras em que ser ateu está na moda e essas épocas sempre existiram, desde antes de Cristo. Não é algo novo. Ainda temos a herança grega de busca pela beleza e ainda procuramos o Deus e o demônio mais colorido para combinar com nossa roupa. Queremos ser aceitos pelas pessoas ao nosso redor. Ou desafiá-las.
Às vezes ter preconceito contra Deus ou contra o diabo, contra religiosos ou contra ateus, é mais aceito socialmente. Depende onde estamos. Depende quem somos. As forças que definem nossas escolhas são muito mais complexas do que pensamos. Sim, eu tenho livre-arbítrio, mas eu sofro pressões sociais para ser perfeito, ou para me adequar à nova moda religiosa do século XXI, ou para contestá-la. Tudo isso pode ser decisivo na escolha de uma pessoa para optar pelo cristianismo ou abandoná-lo.