Como os livros mudaram minha vida

Wanju Duli
19 min readApr 22, 2022

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Já escrevi muitos textos sobre livros. Nesse, por exemplo, eu expliquei porque gosto de ler. Também já fiz várias listas dos meus livros favoritos de diversas categorias.

Aqui mesmo no Medium há várias listas do tipo “Você precisa ler esses dez livros!”. Eu costumo olhar essas listas e fico feliz quando vejo que geralmente já li alguns ou vários dos livros recomendados. E eventualmente descubro boas sugestões em listas como essas e vou atrás dos livros depois.

Mas existem muitos livros. Diferente de filmes e videogames, a humanidade tem escrito livros há milhares de anos. Mesmo que você passe sua vida toda lendo, é impossível ler nem mesmo todos os considerados “mais importantes”.

É mais fácil ir por assunto. Se você tem interesse em ler os livros mais famosos de literatura clássica, basta pesquisar nas listas disso. Ou as melhores ficções contemporâneas de fantasia. Ou os livros mais famosos de religião.

Ao longo da minha vida já tive interesse por muitos tópicos diferentes. E cada vez que eu me interessava por um assunto novo, lá ia eu numa lista de “dez mais” para conhecer os livros mais famosos da área.

Quando os livros começaram a mudar minha vida? No colégio eu lia principalmente ficção para crianças e adolescentes. E eu pegava a mesma coisa na biblioteca. Desde criança eu já escrevo livros. Inicialmente eu imitava os livros de ficção que eu lia. Eu pedia livros de presente de aniversário ou Natal, geralmente literatura clássica ou os livros de ficção da moda para adolescentes, que minhas colegas liam.

O tipo de livro que eu lia começou a mudar quando eu tinha 13 anos e comecei a me interessar por ocultismo. Desde então, comecei a ler por volta de cem livros por ano e eu fazia resenhas de todos os livros nos meus diários. Eu retirava livros em bibliotecas, trocava em sebos ou comprava em livrarias.

É claro que com 13 anos eu não tinha muito dinheiro. Então já passei várias tardes da minha vida lendo em bibliotecas ou livrarias. Já li dezenas de livros dessa forma, pois era a única maneira de eu conseguir ler um livro que eu queria muito numa época em que eu não tinha computador.

Lembro que pedi autorização para vender ou trocar no sebo alguns livros do meu pai que ele não queria mais. Passei a vender os livros da minha casa em sebos com tanta frequência que um dia o dono do sebo pediu meu telefone, ligou para meus pais e perguntou se eu tinha a autorização deles para vender aqueles livros, já que eu era menor de idade. Provavelmente ele pensou que eu estava vendendo os livros para comprar drogas ou algo assim, de tanto que eu vendia, haha.

Dos meus 13 aos 16 anos eu li muitos livros de ocultismo, filosofia e religião. Eu queria encontrar uma resposta para o sentido da vida. Então eu tinha esperança que após ler centenas desses livros eu descobrisse por que eu vim para esse mundo e qual a minha missão.

Na época eu interpretei que o ocultismo se focava mais na busca de poder mágico para obter recompensas mentais e materiais. A filosofia buscava respostas para o sentido da vida usando principalmente a razão. Então a questão do sentido da vida só podia estar na religião.

Por quê? Porque a religião lidava com o espírito, com o divino, com o outro mundo. A filosofia não ia tão longe. Eu sentia que a filosofia reduzia o ser humano somente à razão e a psicologia o reduzia ao terreno do psicológico. Mas o ser humano é muito mais que razão e emoção. Ele não é somente um somatório de corpo e mente. Pois um mais um não é igual a dois. Da união do corpo e da mente surge um terceiro elemento misterioso, que a religião chama de alma, espírito ou Deus. Lembra um pouco o conceito de “Terceira Mente” de William S. Burroughs.

Então aos 17 anos eu comecei a ler livros de cristianismo e budismo. Sim, os livros mudaram minha vida também nessa época, mas me mostraram igualmente que o aprendizado não podia se reduzir apenas a livros. As religiões ensinam o valor da mente sim, mas também do corpo. O budismo dá menos importância ao corpo, considerando o mundo material uma ilusão. Mas o cristianismo valoriza o corpo, porque Jesus é Deus que veio para esse mundo com um corpo, então é uma religião que dignifica o corpo humano e não o reduz apenas ao psicológico. A dor física pode ter um componente psicológico, mas ela é completamente real (o cristianismo me ensinou a valorizar a importância do corpo, o que influenciaria no meu interesse na área da saúde mais tarde).

No final da adolescência eu me encantei com as religiões indianas, pois me encantei com a meditação. A meditação me levou a alterar meu estado de consciência e deixar meu corpo para trás, me mostrando que havia outra realidade além do mundo físico.

Há pessoas que alteraram o estado de consciência pela meditação e afirmam que aquilo é um truque do cérebro. Eu não acredito nisso. Pode ser muita arrogância minha dizer que essas pessoas provavelmente não alteraram o estado de consciência tão profundamente quanto eu, pois se tivessem alterado não diriam algo assim. Em vez disso, basta dizer que não é algo que se possa explicar com palavras. É preciso passar pela experiência.

E como eu acredito que existe um Deus bom, eu não acredito que um Deus bom nos enganaria com experiências tão intensas do outro mundo que fossem falsas. Mesmo que Deus crie experiências “falsas” para nos ensinar algo, só o fato de aquilo ter um objetivo espiritual ou moral já o torna ainda mais real do que nossa experiência do mundo material. Pois acredito que o que é real é o que Deus determina como realidade (não é por acaso que meu filósofo favorito é Berkeley).

Porém, foi o conjunto de livros com meditações, orações e outras experiências espirituais que me ensinou isso. A existência de Deus ou do mundo espiritual não é necessariamente intuitiva. Eu tive que ler muito para arrancar de mim muito do ceticismo e materialismo com que o mundo contemporâneo nos aprisiona. Evidentemente, há um tipo de ceticismo saudável e investigativo. E eu tampouco estou afirmando que ateus são ignorantes ou que não leram livros bons o bastante. Já li muitos livros ótimos escritos por ateus.

O ser humano nasce e recebe educação da família e do mundo ao seu redor. Mesmo que tenha recebido uma educação religiosa específica, ele mesmo deverá investigar e estudar para descobrir qual o sentido da vida e sua missão nesse mundo.

Sem dúvida, os livros possuem papel fundamental nessa busca. Embora eu já gostasse dos livros de ficção que eu lia no colégio, eu comecei a amar livros de verdade porque eu precisava deles para alcançar respostas sobre o sentido da vida.

Como eu já mencionei, eu escrevo livros desde criança, mas comecei a escrever ainda mais na adolescência. É claro que meus personagens também eram adeptos do ocultismo ou religiosos, e também partiam em aventuras em busca do sentido da vida, como eu.

Mas havia um problema. É claro que eu amava livros de fantasia com magos que lançavam bolas de fogo e enfrentavam dragões. Mas eu não estava satisfeita com a explicação de que essas histórias eram apenas símbolos. Eu acreditava que podiam existir magos de verdade e magias de verdade. Talvez fosse um segredo bem guardado. E eu queria descobrir se era verdade.

Meu ingresso no ocultismo aos 13 anos foi principalmente porque eu queria descobrir se magia era real. Os livros diziam que sim, então eu queria sentir por mim mesma. Eu queria ter contato com anjos, demônios, deuses, espíritos ou qualquer coisa.

É claro que eu tive medo. Mas mesmo com medo, fui adiante. Li muitos livros de ocultismo e fiz muitos rituais nos anos seguintes, até que ouvi falar de um tal grimório de Abramelin, que aparentemente era “muito perigoso” e muitos magos que o usaram “se deram mal”. Era um livro célebre no meio do ocultismo, então claro que eu queria tentar. Mesmo sem ter idade suficiente, concluí o ritual aos 17 anos e finalmente, após anos incansáveis de leituras e esforço, obtive minhas respostas.

E qual foi minha conclusão? Que era tudo verdade. Deus existe, anjos existem, há um outro mundo depois desse. A meditação e as religiões indianas já tinham me apontado fortemente nessa direção, mas o ritual de Abramelin fechou a revelação com chave de ouro.

Mas aos 17 anos eu já tinha lido centenas de livros de ocultismo, filosofia e religião. Se não fossem minhas leituras, talvez eu tentasse me convencer que todas aquelas minhas experiências foram falsas. Porém, o peso das minhas leituras aliado às experiências que tive me fez entender a importância enorme daquilo que eu tinha testemunhado.

Não me entenda mal. A experiência que tive foi real o bastante para eu não ter dúvidas. Porém, se filósofos questionam até mesmo se nós somos reais, se uma cadeira é real, se o mundo é real, se o tempo é real (e os físicos e outros estudiosos também), seria natural do ser humano questionar uma experiência que parecia totalmente autêntica para os sentidos. As leituras me ajudaram a dar sentido a essa experiência, em vez de descartá-la como mero delírio ou ilusão (uma explicação simplista e reducionista).

Existem muitas pessoas analfabetas ou que não leram muitos livros que passam por visões divinas e experiências espirituais. E pessoas que leram muitos livros tentam provar que aquilo foi uma ilusão ou enganação. Porém, você deve ler muito para ter a segurança de dar respostas bem embasadas para essas pessoas.

A maior parte das pessoas não se importa de viver normalmente como se o tempo ou o mundo material fossem reais, mesmo que a física mostre que nossa visão “cria” cores e imagens, e que o tempo é relativo. Porém, alguns se incomodam se pessoas acreditam em Deus da mesma forma que tantos acreditam no amor, no mundo material e no tempo. Como se apenas Deus fosse falso e todo resto fosse real. Ou que, mesmo se Deus fosse falso, é um insulto acreditar nele (por motivos práticos ou de outras naturezas), mas não é um insulto acreditar no tempo ou numa mesa, para sermos práticos (essa é uma longa discussão e não vou me alongar aqui. Até porque acho que Deus vai muito além de mero pragmatismo).

A experiência de estar vivo pode ser bastante confusa e dolorosa muitas vezes. É difícil seguir adiante vivendo cada dia sem ter um sistema de crenças, mesmo que esse sistema seja algo muito simples, como estar vivo para passar os genes adiante. Enfim, mesmo o sistema mais simples pode ser extremamente complexo quando analisado a fundo. E um papel dos livros é nos dar uma luz nessa bagunça da vida.

Claro que podemos acabar nos convencendo de coisas que são convenientes para nós. Enquanto outros afirmam que buscam a verdade de forma desinteressada, mesmo que ela seja dolorosa.

Pode ser que uma pessoa acredite em Deus porque aquilo a ajuda. Mas também pode ser que outra pessoa não acredite em Deus porque aquilo também a ajude.

Pessoas são diferentes e, de acordo com as vivências de cada um, tal sistema de crença faz mais sentido, ou menos sentido. Isso é simplesmente natural.

Eu tive que ler muito e passar por várias experiências espirituais, e nesse mundo também, para formar um sistema de crenças para mim que me estimulasse a acordar a cada dia buscando alegria e sentido. No entanto, eu não pensei conscientemente: “vou acreditar nisso porque me dá mais vantagens”.

Não é tão simples. Claro que você quer ser uma pessoa sincera e buscar a verdade. Mas o que é a verdade? Eu acredito que Deus é a verdade e muitos filósofos e pensadores de peso de diferentes épocas e culturas concordam com isso. Por que meia dúzia de ateístas famosos do último século estariam certos e todos esses milhares de pensadores estariam errados?

É fácil se convencer de algo se você só lê livros de autores que confirmam suas opiniões. Por isso eu sempre dou o benefício da dúvida e leio autores com as mais diversas opiniões. Evidentemente, aprendo com todos.

Os livros mudaram minha vida porque eu leio tantos autores com opiniões diferentes que em diversas ocasiões já mudei de opinião sobre várias coisas. Eu sou uma pessoa que leio pra caralho, então se uma pessoa tem uma opinião muito diferente da minha sobre um assunto que já li pra caralho, pode haver algumas alternativas:

1- Provavelmente essa pessoa leu menos que eu sobre esse assunto, então há maior probabilidade de eu estar certa. Afinal, se eu li 500 livros sobre um assunto, a minha opinião tem o peso de 500 pessoas e não somente uma mera “opinião isolada de uma pessoa só” sem embasamento.

2- Pode ser que a pessoa tenha lido tanto quanto eu sobre um tema, ou até mais. No entanto, eu costumo ler livros de autores com opiniões diferentes sobre o mesmo tema. Portanto, se ela também leu 500 livros, mas só de autores que confirmam o mesmo ponto de vista, novamente, eu teria mais probabilidade de estar certa, já que eu tento fazer um esforço ativo para obter mais pontos de vista. E quando você lê livros sobre vários temas, torna-se um generalista em vez de um especialista. Conhecimento de outras áreas agregam ao seu conhecimento de uma área específica. Todos os conhecimentos estão ligados de uma forma ou de outra, embora nem Einstein tenha conectado as áreas da física e nem um gênio das humanas ainda não tenha conectado as áreas das humanas entre si (humanas e exatas também se conectam e se agregam).

3- Eu estou errada! Sim, acontece (e já aconteceu mais vezes do que eu gostaria de admitir). Ler muito deveria nos deixar mais humildes e abertos para novas visões. Mas às vezes tem o efeito oposto e eu penso: “Porra, eu já li 500 livros sobre esse assunto, então se eu tiver um debate sobre isso, a probabilidade de eu ter razão é muito alta”.

É bom ler muito para ter mais confiança nos seus argumentos. Mas é claro que também é bom escutarmos o que o outro tem a dizer. Já aconteceu de eu ler 100 livros sobre um assunto, estar certa sobre um ponto e o livro número cento e um me fazer mudar de opinião completamente. Sim, eis a magia da leitura!

Experiências de vida também podem ter efeito semelhante, não só livros. Eu também já mudei de opinião sobre coisas que li porque a experiência me mostrou o exato oposto do que li. Nesses momentos é preciso ter cuidado. Em que vou confiar, na leitura ou na experiência? Depende. A lógica pode enganar, mas os sentidos também. O velho duelo entre empiristas e racionalistas na filosofia. Mas eu acredito que a razão e a experiência dos sentidos não precisam ser inimigos. Uma ajuda a outra.

Os livros mudam nossa vida, mas até certo ponto. Porque não somos apenas mente, mas também corpo.

Eu ainda gosto muito de ler ficção (e espero sempre gostar!) e de ver filmes de ficção. Eu escrevo livros de ficção até hoje. Porém, eu também sou apaixonada por livros de não ficção, principalmente biografias ou livros sobre temas específicos.

Sempre menciono o caso de livros e filmes de fantasia. Claro que um livro de ficção que se passe no mundo real e com cenas do cotidiano parecem estar mais próximos de nós. Porém, o caso da fantasia desperta um fascínio particular, principalmente os chamados “high ou epic fantasy”, que são os livros com magos, dragões e seres desse tipo.

Esse tipo de obra me fascinou tanto que, como já mencionei, foram elas que me levaram ao ocultismo, porque eu queria descobrir se magia era real mesmo. Eu descobri que sim e fiquei totalmente surpresa!

Claro que tive momentos de desânimo na minha busca. Quando eu tinha uns 16 anos, após 3 longos anos lendo livros e fazendo rituais, eu comecei a pensar se a magia da vida real se reduzia apenas a meros rituais para ganhar dinheiro ou vencer no amor, que às vezes davam certo, por uma mistura de elementos psicológicos com forças ocultas misteriosas, ou até mesmo acaso.

Não, eu me recusava a acreditar que era só isso. Eu estava determinada a não desistir. Eu encontrei minhas respostas cedo demais até. Pensei que aos 17 anos eu já sabia tudo que havia para saber sobre o mundo após essas revelações.

Antigamente, quando eu lia livros de fantasia com magos e dragões, eu costumava pensar que as aventuras dos magos da ficção eram muito mais emocionantes do que a nossa entediante vida real. Hoje em dia penso o contrário: eu penso que a vida real pode ser ainda mais emocionante que a ficção.

Por quê? Porque magia existe na vida real e mais que isso: Deus existe. Seres espirituais existem. Eu acredito que a vida é uma espécie de jogo ou desafio. Estamos nesse mundo para aprimoramento moral e espiritual. Deus se esconder faz parte do jogo. Porque se Deus se mostrasse claramente e as regras do jogo ficassem bem claras desde o início, talvez ajudássemos os outros por medo ou por esperar a recompensa divina. A incerteza torna nossos atos mais sinceros.

Durante a adolescência, antes de eu ter minhas experiências espirituais mais profundas, eu evitava escrever histórias de fantasia de propósito. Acho que eu invejava o mundo da fantasia e preferia escrever histórias sobre os magos da vida real, com a magia que eu ia descobrindo. Eu queria poder me identificar com as histórias através de situações reais e não imaginárias.

Porém, quando eu comecei a achar a vida real mais divertida que a fantasia, eu fiz as pazes com os magos e dragões das histórias. Inclusive, fiquei encantada quando descobri que Tolkien era católico e criou o mundo de O Senhor dos Anéis como uma analogia religiosa. Isso significava que o mundo de fantasia não era uma fuga da realidade. Tolkien estava mostrando a luta espiritual real entre anjos e demônios que ocorre em nossa vida. De forma simbólica, sim, mas não era uma mentira ou uma fuga. Por isso a mensagem ressoava tão profundamente.

Eu sou apaixonada por livros de ficção, então eu não queria descartar a ficção como inútil e me focar somente na não ficção. Acredito que os livros de ficção também têm um papel para o autoconhecimento e para a busca do sentido da vida.

Sim, às vezes ficção pode ser fuga ou diversão e não há nada de errado nisso. Porém, eu nunca quis viver apenas no mundo dos livros como se eles fossem uma realidade alternativa para escapar do sofrimento do nosso mundo.

Para mim, livros podem ser um momento de relaxamento e de se desligar das preocupações do mundo, mas só às vezes. Na maior parte do tempo, para mim livros têm um significado profundo.

Eu sempre quis partir na minha própria aventura. Eu gosto de ler e escrever livros, mas eu não queria apenas ler ou narrar as aventuras de outras pessoas. Inclusive, muitos livros que escrevi são metáforas de aventuras que já tive ou que pretendo ter no futuro.

Há aquela pergunta clássica: “Se você pudesse escolher apenas um poder para ter, qual escolheria?”. Alguns respondem coisas como poder voar, ser invisível ou ler mentes. Porém, acho que a maior parte das pessoas responde: “curar!”. Não sei se as pessoas dizem isso para soarem boazinhas ou moralmente corretas. Não sei se esse seria o poder que elas realmente gostariam de ter ou se elas dizem isso porque acham que é a resposta certa e querem ser vistas como “boas” pelos outros.

Eu mesma geralmente respondia “curar” quando me perguntavam isso. Mas eu não pensava muito a fundo no assunto. Eu só pensava: “Não existe magia de cura na vida real, então não importa eu descobrir qual o poder mágico que eu queria ter, porque não vou obtê-lo. Essa pergunta é irrelevante”.

No entanto, quando comecei a praticar o ocultismo, eu voltei a pensar seriamente sobre isso. Qual poder eu gostaria de ter?

Eu fiz vários feitiços quando comecei a testar a magia, mas somente alguns eram de cura. Eu não estava sendo muito sincera então, quando eu dizia que o poder que eu mais queria ter era de cura. Por que eu não dava uma resposta mais sincera? Qual o problema de ser egoísta? Todos somos egoístas de vez em quando.

Quando eu comecei no ocultismo se falava muito em alta e baixa magia, em magia branca e magia negra. Muitos magos queriam ser vistos como “um dos bons”. Se você queria ser visto como um rebelde, podia gostar do termo “magia negra”. No entanto, soava muito melhor dizer que você praticava a “alta magia”, que não se preocupava com coisas materiais, mas com coisas espirituais.

Esse é um longo assunto que dividiu e ainda divide muitos ocultistas e religiões. A velha dualidade bom ou mau, altruísta ou egoísta.

Novamente, os livros me ajudaram a esclarecer esse ponto. Hoje em dia eu penso que sim, que o sentido da vida é ajudar os outros, é crescer espiritualmente e moralmente, que a melhor coisa que você pode fazer nesse mundo é salvar a vida de outra pessoa. Porém, o mundo não é preto no branco.

Isso significa que investir em você mesmo, seja tempo ou dinheiro, cuidar de você, ser “um pouquinho egoísta” não é ruim. Eu tive minha época de me encantar lendo livros sobre santos católicos e até hoje eles me inspiram. Eu queria ser santa ou mártir, mesmo sabendo que era difícil e doloroso, mas que Deus poderia me ajudar, se eu permitisse.

Enfim, já passei por várias “fases” no meu caminho espiritual. Hoje em dia estou numa fase muito peculiar. Tive minha época de católica fervorosa e minha época recente de quase conversão ao Islã.

Caso esteja curioso, vou te contar o que estou passando atualmente, tanto num sentido espiritual quanto nos livros.

O cristianismo é apaixonante em muitos sentidos, mas a ideia de fazer parte da visão do “colonizador branco” não me agradava. Comecei a me interessar pelo Islã também porque é uma religião comum na África e Oriente Médio, uma religião mais aceita na comunidade negra. Embora muita gente na África seja cristão, muitos reclamam que o cristianismo é “muito branco”.

Porém, atualmente eu tenho lido mais livros sobre antirracismo do que sobre o Islã. Ainda acho o Islã muito interessante, mas não acho que eu preciso necessariamente me tornar muçulmana para lutar contra o racismo.

Lendo esses livros, eu descobri que desenvolvi o “complexo do salvador branco”. Eu tinha o sonho de fazer trabalho humanitário na África e no Oriente Médio, e ainda tenho. Porém, no início desse ano, ao conversar com meu professor de árabe (ele é do Egito), minha visão sobre isso mudou um pouco.

É comum que os brancos ocidentais achem que os negros africanos precisam ser “salvos”. Mas salvos de que, meu Deus? Da pobreza, da religião, da cultura, da ignorância? Todos os países têm problemas e têm pobreza. Porém, é típico da arrogância do branco ocidental achar que é mais fácil resolver os problemas dos outros do que os próprios problemas. Então eles se metem no país dos outros e às vezes bagunçam mais do que ajudam, como alguns norte-americanos já fizeram no Afeganistão e no Iraque.

Acabei me envolvendo na área da saúde porque acho que ela é algo muito próxima da magia de cura no mundo real. No entanto, ao ter planos de fazer trabalho humanitário descobri que muitas ONGs operam de forma racista, com brancos em posições de liderança, dando salários mais baixos para os trabalhadores negros locais e menos voz.

Enfim, é uma questão complexa. Veja só, o mundo não é perfeito. As religiões não são perfeitas, que surpresa. Quem não sabia disso ainda? Não sei porque ainda me surpreendo.

Eu poderia dizer: não serei cristã, nem muçulmana, nem trabalhadora humanitária por causa do preconceito e racismo. Mas eu também poderia dizer que vou me recusar a trabalhar num hospital porque os hospitais têm um sistema injusto e racista de hierarquias, com pessoas negras trabalhando com a limpeza e brancos médicos e na liderança.

Como mudar isso? Por dentro ou por fora?

Nesse exato instante estou lendo vários livros sobre antirracismo, como já mencionei, e eles estão mudando minha forma de ver o mundo novamente.

Antes eu pensava que diminuir a pobreza ou trabalhar na área da saúde eram algumas das melhores coisas que se poderiam fazer pela humanidade. No entanto, trabalhar só nisso não diminui necessariamente racismo e preconceito em geral.

A luta pelo direito dos negros, LGBT, mulheres, etc, é tão importante quanto a luta para diminuir a desigualdade social. São lutas que devem ser feitas juntas.

A religião pode alienar, mas também pode libertar. Martin Luther King foi inspirado pelo cristianismo e Malcolm X pelo Islã.

Escrevi esse texto para explicar como os livros mudaram minha vida. A resposta é que eles estão mudando até hoje e sei que mudarão ainda mais no futuro.

Em diferentes momentos da minha vida eu tentei ler menos, porque eu estava ocupada “tentando salvar o mundo” (estudando enfermagem, por exemplo), mas como é que eu vou ajudar o mundo sem ler? Não posso ficar muito tempo sem ler, porque ler me faz crescer. Sem ler eu vou me estagnar.

Estou tentando ser menos dramática atualmente. De vez em quando eu gosto de usar termos grandiosos como salvar o mundo, cumprir minha missão, sentido da vida, porque assim eu me sinto mesmo numa história de fantasia.

Porém, acho muito arrogante essa história de que eu vou salvar o mundo ou “ajudar os outros”. Isso é um pensamento muito colonialista, muito “complexo de salvador branco”. É possível ajudar o mundo com todas as profissões. É possível encontrar seu papel no mundo em várias religiões e sistemas de crenças.

Às vezes eu fico cansada e não quero mais salvar o mundo, só quero relaxar um pouco, ver um filme bobo. Sim, Deus existe, tenho uma missão, tive um papo com anjos, foi tudo o máximo.

Mas talvez o melhor ensinamento das religiões seja a importância da humildade. Foda-se se já li vários livros ou se me sinto a protagonista de uma história de fantasia, a escolhida para uma missão grandiosa que vai salvar o mundo. Eu sou também uma mortal comum que às vezes fica cansada, de saco cheio, que grita, age de forma infantil e que quer se entupir de chocolate.

Sendo bem realista, eu não acho que eu vou “salvar o mundo” literalmente e nem tenho essa pretensão (vou deixar essa parte para o Elon Musk). Acho que precisamos uns dos outros, incluindo pessoas que pensam diferente de nós (para sacudir nossas “certezas”). Vamos ajudar uns aos outros juntos. Não gosto mais dessa história de que eu vou ajudar, de que eu sou a pessoa boa que vai salvar alguém.

Eu já fui “salva” tantas vezes, por tantos autores maravilhosos, por tanta gente que me ajudou, que talvez esse meu desejo de fazer algo legal no mundo seja uma forma de retribuir pelo menos de forma pequena tudo que já fizeram por mim.

Mas preciso ter paciência. Não quero viver só pelo futuro, sobre o que farei no futuro, mas também valorizar o presente e o que posso fazer agora.

Lendo atualmente os livros sobre antirracismo, eu descobri que não sou uma pessoa boa. Não sou “um dos brancos bons”, porque isso não existe. Eu sou racista e preconceituosa. Aceitar isso é o primeiro passo para mudar. Em todas as coisas.

Não posso me colocar como superior, mesmo tendo lido tantos livros, como se eu tivesse todo o conhecimento e toda a verdade. Ou mesmo conhecimento científico e prático para curar alguém. Essa é apenas uma pequena peça de um quebra-cabeça que muda o tempo todo.

Já aprendi tanto com livros, mas aprenderei muito mais no futuro. Preciso continuar lendo. Mas não ficarei só nos livros. Irei viver também e não somente de uma única forma. Se houvesse apenas uma única forma de viver como “um dos bons”, mas não há.

Não há regras, uma profissão, um caminho ou livro certo. É a junção de tudo. E principalmente o relacionamento e troca entre as pessoas, seja por meio dos livros ou na vida real.

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Wanju Duli
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