Como eu leio e escrevo tão rápido?
No início desse ano, eu escrevi esse texto, explicando porque eu gosto de ler. Eu conto toda a minha trajetória de leitura desde os 7 anos, meus livros favoritos, todas as bibliotecas que frequentei antes de eu ter um computador, o que eu penso sobre literatura clássica, etc.
Só mais para o final do texto eu falei um pouco sobre como eu faço para ler tanto. Uma ou duas pessoas que me enviaram mensagem sobre esse texto mencionaram essa parte. De vez em quando alguém me pergunta como eu faço para ler tão rápido e até pede dicas, então eu queria falar um pouco sobre isso.
Meu pai sempre gostou muito de ler, desde pequeno, e desde que eu era criança tínhamos praticamente uma biblioteca dentro de casa. Meu pai me emprestava muitos livros, então eu tenho o hábito de ler desde que eu aprendi a ler. Os colégios que frequentei também incentivavam muito o hábito de escrita e leitura nos alunos. Então eu leio e escrevo histórias desde que eu tinha uns 7 ou 8 anos. Tenho até hoje os primeiros livros que eu escrevi, cheios de desenhos que eu fazia. Desenhar é outra coisa que faço desde essa época.
E se você não tinha uma biblioteca em casa? E se sua família e seu colégio nunca te incentivaram a ler? E se você nunca teve o hábito de frequentar bibliotecas?
Minha resposta para isso é bem direta: não importa. Tem gente que acha que se não fez algo durante a infância está condenado para sempre. Qualquer pessoa pode começar a ler ou escrever a qualquer momento, ou a aprender algo novo.
A única diferença é que quando somos crianças temos menos medo de errar e encaramos as coisas como uma brincadeira. Para mim ler e escrever eram diversões. Então eu não pegava um livro com a obrigação de terminar e começava a escrever uma história testando coisas, riscando, etc, porque era muito legal.
Então a minha dica para ler e escrever é exatamente essa: ler e escrever como se você fosse uma criança. Não comece a ler um livro como se estivesse prestes a realizar uma operação de vida ou morte. Não comece a escrever um livro como se fosse algo assustador.
Escritores falam de bloqueio, de encarar uma tela em branco e não saber o que fazer. Isso nunca aconteceu comigo apenas porque eu não acho que uma tela em branco seja algo assustadora, mas um universo emocionante a explorar, a minha próxima aventura! Em vez de medo, essa tela é meu coração batendo forte cheio de emoção, o coração que não vê a hora de iniciar.
Se eu ouço falar num livro e estou curiosa, imediatamente o pego e começo a ler as primeiras páginas. Eu estou ocupada com outra coisa? Mas se eu tenho cinco minutos livres, basta até 1 ou 2 minutos para ler uma página.
Tem gente que separa livros para ler, mas nunca começa a ler a primeira página. O segredo é ler pelo menos uma ou duas páginas, sem obrigação de ir até o fim. É para isso que servem marcadores de páginas.
Tudo bem, mas parece que existem pessoas que têm medo de livros, acham que os livros vão te devorar vivo e ficam paralisados de medo de abrir aquela página. Qual é a minha dica para essas pessoas?
Eu entendo essa sensação porque embora eu não a sinta para ler e escrever eu a sinto em relação a outros deveres chatos que eu sei que devo fazer e fico adiando. A diferença é que eu considero ler e escrever coisas divertidas, então eu geralmente não adio (a não ser que seja mesmo um livro muuuito chato que eu precise ler) porque pra mim ler é como ver um filme, assistir uma série, é um momento muito legal!
Então o segredo talvez seja se convencer que você vai se divertir como nunca. Nem todos os livros nos divertem, mas nem todos os filmes nos divertem também. E o que você faz quando não gosta de um filme ou série? Você simplesmente para de ver e começa a ver outra coisa, não é mesmo? Não sei se você faz isso, mas é assim que eu faço, porque eu nunca assinei um contrato com sangue com nenhum filme ou série.
Se você paga para alugar um filme, talvez se sinta mais na obrigação de ver até o fim e eu entendo isso. Se eu pago por um livro, costumo dar mais uma chance e insisto um pouco mais numa leitura que talvez eu largaria antes se fosse de graça. Isso é compreensível.
Hoje em dia é comum que as pessoas assinem sites com pagamento mensal em que podem começar a assistir vários filmes ou séries diferentes sem a obrigação de ver nada até o fim. Como você não pagou por um filme específico, mas está pagando pelo mês de acesso a todo conteúdo, é uma forma mais tranquila de passar de um filme para outro sem terminar, como uma pessoa que muda de canal e vê um pouco de cada coisa sem fazer nenhum pacto com o diabo para ir até o fim.
Se esse é seu caso, eu sugiro que assine algum site de leitura de livros, como é o caso do Kindle Unlimited da Amazon. Eu o uso há muitos anos, talvez desde que lançou esse serviço no Brasil. E há outros serviços parecidos em outros sites. Eu costumo baixar vários livros diferentes, toda semana, leio as primeiras páginas de vários e decido quais deles quero ir adiante ou interromper a leitura.
A escolha de interromper uma leitura é tão importante quanto a de começar uma. Você não precisa dizer “sim” para todos os livros, assim como não precisa dizer “sim” para todas as coisas na vida, pois dizer “sim” para todos os livros é como dizer “não” para o livro que você realmente quer ler ou para a coisa que realmente quer fazer.
Cada pessoa tem hábitos diferentes de leitura. Tem gente que gosta de ler só um ou no máximo dois livros ao mesmo tempo e não começar outros antes de finalizá-los. Pode ser que essas pessoas defendam esse estilo de leitura e dê certo para elas. Eu não estou aqui para dizer qual é a forma “certa” de ler, pois não há forma certa. Há a forma que funciona para você, então pode ser bom testar várias coisas até escolher a que funciona ou aquela com que você se sinta confortável.
A minha forma de ler sempre foi ler vários livros ao mesmo tempo. Eu geralmente leio em torno de dez ou até vinte livros juntos.
Não significa que todo dia eu leia um pouco de cada um dos dez ou vinte. Eu geralmente seleciono em torno de cinco para ler num dia. Pelo menos duas páginas de cada. Eu leio mais quando me empolgo.
Eu geralmente dou uma chance para cada livro que começo, que pode durar alguns dias ou semanas, dependendo do livro. É a fase de teste.
Vou dar um exemplo. Eu comprei ou aluguei um livro (ou me emprestaram, baixei, enfim). Aliás, antes de comprar eu sempre verifico se aquele livro existe disponível gratuitamente em algum lugar. Essa não é uma forma somente de economizar, mas também de tornar o seu compromisso com o livro menos sério. Se as primeiras páginas estão disponíveis para leitura, eu também geralmente as leio para ter uma ideia se posso gostar.
No primeiro dia de leitura, eu leio a contracapa, as orelhas, o sumário e as duas primeiras páginas do prefácio ou do primeiro capítulo. Se eu me empolguei, já aproveito e leio mais algumas páginas. Se não, deixo de lado e continuo somente no dia seguinte.
Dia 2: Leio mais duas páginas do livro. Não empolguei, deixo de lado.
Dia 3: Mais duas páginas, etc.
Já houve casos em que eu terminei de ler livros de 100, 200 ou 300 páginas lendo apenas duas páginas por dia. Mas em muitos casos, se eu não estou gostando muito do livro e nunca me empolgo, eu tenho duas escolhas: manter as duas páginas de leitura diária até acabar ou largar o livro.
Não sei se essa técnica que eu uso é boa, mas tem funcionado. É uma forma de iniciar o livro imediatamente, dar uma chance para ele (vai que no primeiro dia você não estava muito disposto, mas em outros dias pode gostar do livro) e decidir se deve prosseguir ou não.
Confesso que eu uso a mesma técnica para ver filmes ou séries. Da mesma forma que eu leio uns dez livros ao mesmo tempo, eu costumo assistir pelo menos uns cinco filmes ou séries ao mesmo tempo. Vejo alguns minutos de cada por dia, às vezes fico alguns dias sem ver. Algumas eu abandono, outras prossigo lentamente.
A cada dia eu me pergunto: “O que eu estou a fim de ler/ver hoje?”, então eu pego o que tenho vontade. Eu raramente passo um dia sem ler pelo menos algumas páginas de um livro, pelo mesmo motivo que eu raramente passo um dia sem assistir alguns minutos de alguma coisa: porque é divertido.
Então pra mim o segredo é ver aquilo como uma diversão, sem compromisso. Ao mesmo tempo, como é uma diversão, o compromisso é naturalmente estabelecido, por amor. E você acaba tendo um encontro diário com seu grande amor, não por dever, mas por pura paixão. E às vezes a paixão é tão grande que um dia eu decido ler um livro inteiro num dia só e passo horas seguidas com ele, de tão empolgante.
Minha média de leitura de livros por ano é entre 100 e 200, embora em certo ano eu já tenha lido 300. Já teve épocas que eu contei minhas leituras anuais, nos anos em que eu usei o site Goodreads. Atualmente eu não conto mais, mas eu sei que essa é minha média. Isso dá em torno de ler um livro inteiro a cada dois dias.
Sobre escrever livros, eu escrevo em torno de cinco livros por ano, embora eu já tenha escrito uns dez livros em certos anos. Ou seja, eu escrevo um livro por mês ou um livro a cada dois meses. Eu não conto nem bato ponto, só vou escrevendo quando tenho uma ideia.
No entanto, para mim escrever ou ler não são compromissos. São apenas hobbies. Faço por pura diversão, quando estou a fim, quando tenho vontade. Eu simplesmente tenho vontade de ler em torno de 150 livros por ano e de escrever pelo menos uns cinco livros por ano porque eu acho super divertido. Assim como muita gente assiste filmes ou joga jogos porque é legal. Vejo exatamente da mesma forma.
Recentemente terminei de ler o livro “A Guerra da Arte” de Steven Pressfield. Ele é um excelente escritor de ficção, que às vezes passa anos fazendo pesquisas e escrevendo livros de altíssima qualidade.
Eu entendo que há escritores que desejem passar anos fazendo pesquisa e refinando o livro até que ele fique muito bom. Admiro esses escritores, é um estilo de escrever. Eu apenas tenho um estilo diferente e costumo terminar de escrever um livro em alguns dias ou algumas semanas. Não porque é melhor fazer dessa forma, mas porque é a forma que eu faço. Não costumo passar muito tempo num livro só. Isso tem suas vantagens e desvantagens, claro, como tudo.
O perfeccionismo tem suas vantagens e desvantagens. Eu não me importo tanto se tem um erro de digitação num livro meu porque eu o revisei apenas uma vez. Há pessoas que também gostam de ler devagar um livro, fazem anotações, marcam trechos, etc. Eu releio meus livros favoritos e eu entendo isso. Mas em geral eu leio apenas uma vez um livro e passo para o seguinte.
Pressfield sugere que um escritor deve ter uma rotina para escrever, todo dia, principalmente se ele faz isso profissionalmente. Essa dica é boa e pode funcionar para muita gente.
Eu começo a escrever um livro quando eu tenho uma ideia. Aí eu seleciono nomes de personagens, anoto e começo a escrever em seguida, sem pensar muito. No meu processo de escrita, eu costumo escrever todos os dias, várias horas por dia, não porque eu marquei no relógio, mas porque eu me envolvo tanto no processo de escrita que fico curiosa para terminar. Várias vezes deixei de comer e dormir porque eu estava muito curiosa para saber o que aconteceria na minha história a seguir.
Então pra mim o segredo para ler e escrever é amor. Mas até a pessoa mais apaixonada vai ter dias de preguiça, então eu entendo a importância do compromisso.
Com leitura e escrita eu sou aquele tipo de pessoa que faz isso naturalmente e pode ser difícil explicar “como eu faço” para ler e escrever tão rápido. A resposta sincera seria: porque é legal! É divertido!
Alguém já te perguntou como você tem disciplina para passar o dia todo vendo filmes na Netflix? A resposta seria: porque é legal! Não é mesmo?
Porém, existem pessoas que gostariam de ver mais filmes e séries, mas não têm tempo. Essas pessoas precisam adquirir uma disciplina espartana para conseguir sentar pelo menos meia hora por dia para conseguir assistir alguma coisa, principalmente junto com outra pessoa.
Elas precisam determinar um horário todos os dias para ver um filme ou série, pois de outra forma passariam talvez semanas sem parar para relaxar alguns minutos, seja porque são viciadas no trabalho ou porque, por dever, têm mil compromissos.
Então eu concordo que funciona estabelecer um horário diário para ler ou escrever. Eu já fiz isso para conseguir terminar de ler livros extremamente chatos que eu realmente precisava acabar ou fazia questão de terminar.
Mas algumas pessoas têm dificuldade de parar mesmo por cinco minutos diariamente. Para essas pessoas, a dica é: inicie seu dia fazendo as coisas chatas, os compromissos. E depois de terminá-las, se recompense fazendo algo que você gosta, assistindo algo, etc.
É bom começar pequeno: só duas páginas por dia; uma página; meia página. Qualquer coisa! E dê para si mesmo uma grande recompensa, mesmo tendo lido apenas uma página. Aí você associa a recompensa com algo bom.
Então, se eu fosse resumir minhas dicas, eu diria que tudo inicia no amor, com uma paixão arrebatadora. Mas se não há amor ele pode ser aprendido, aí tudo começa com a disciplina. Cinco minutos por dia. Depois tente aumentar para dez minutos. E assim por diante. O amor vai nascendo e você aos poucos começa a associar aquele momento de leitura e escrita com algo bom.
Por isso para quem não gosta muito de ler é bom começar lendo livros curtos, com imagens, ou livros de ficção, de fantasia, com muitos diálogos. Para escrever é a mesma coisa: inicie escrevendo histórias curtas, com diálogos, algo que te interesse, que te empolgue.
Escreva algo que você gostaria de ler. E leia algo que você teria orgulho de ter escrito.
Depois que você começar a gostar desse tipo de coisa, passe para os livros mais longos, mais difíceis. É como meditar: precisamos começar meditando num lugar tranquilo, confortável, agradável. As meditações longas, com jejuns, penitências, etc, começam depois que você já se apaixonou pela meditação tranquila. Mais adiante você entenderá qual é a diversão de fazer meditações hardcore no meio da floresta ou leituras hardcore de mil páginas de um James Joyce (ou se nunca gostar desse tipo de coisa, não tem problema! É por isso que existem muitas opções).
Se você está aprendendo um idioma também, comece pelo básico: frases simples, divertidas e interessantes, cores, animais, comidas, dias da semana, meses, números, etc. Vá devagar, vá se apaixonando e se orgulhando de cada pequena conquista. Somente depois passe para etapas mais difíceis, senão há o risco de você se desesperar com a gramática, achar chato e sair correndo.
Cada pessoa tem histórias engraçadas de como aprendeu inglês: com músicas ou jogos de videogame, por exemplo. Embora eu tenha frequentado alguns cursos de inglês, a maior parte eu aprendi lendo, porque havia muitos livros que eu queria ler que não tinha em português, somente em inglês. Então no começo eu ia lendo sem entender tudo, mas não me importava. Algumas centenas de livros depois, já dava para entender bem. E fica difícil contar o momento em que a mágica aconteceu, mas não foi mágica. Foi leitura diária. Pareceu mágica porque estava divertido. Mas nem tudo é divertido, claro. É preciso aprender a gostar.
Cada dia faça um pouquinho e aprenda a fazer crescer o amor, a reconhecer a beleza. Não precisa ser tão rigoroso consigo mesmo, não precisa pular etapas.
E cada pessoa é diferente. Não precisa se comparar com os outros, a não ser que seja de forma positiva, para se inspirar. Não importa se eu leio cem livros. A conclusão é: se é possível ler cem livros, então é possível ler um! Celebre um livro lido. Eu mesma celebro cada livro que termino. Não importa se um escritor já escreveu cem livros. Aquele livro que você escreveu é seu, a vida é sua. E todo escritor e leitor começou com o primeiro. O ritmo de cada um é diferente.
Tem várias coisas que eu tenho dificuldade de fazer. Eu sou péssima com computadores, não sei cantar bem, sou péssima em esportes ou atividades físicas. Eu admiro pessoas que sabem fazer essas coisas, fico impressionada e elas me dizem: “Ah, mas não é nada, é fácil” porque para elas talvez seja, mas cada um tem suas facilidades e dificuldades.
E as pessoas escolhem se dedicar a coisas diferentes na vida. Para mim escrever é apenas uma diversão. Mas uma pessoa que decide escrever profissionalmente e a sério, com o tempo vai se dedicar mais que eu e chegar mais longe que eu. Porque realmente, gostar de fazer algo e ter “facilidade” não é tudo. A diferença são as escolhas que você faz.
E pode ser muita coragem escolher fazer algo que você inicialmente talvez não seja tão bom. É uma forma de se desafiar e isso é admirável. Em sua autobiografia, Edward Snowden conta como ele se dedicou desde criança para ficar bom em programação, que era algo que ele gostava muito. Até que em certo ponto ele considerava algo fácil. Então quando terminou o ensino médio, inicialmente ele não quis fazer a coisa que ele achava fácil. Ele quis se desafiar e por isso entrou para o exército, porque queria servir ao seu país dessa forma. Quando se feriu e não pode mais prosseguir no exército, voltou para a programação.
Eu acredito que qualquer um pode fazer qualquer coisa. É claro que se você ficar quinze horas por dia fazendo essa única coisa, por um ano, vai ficar bom muito depressa. Mas passar quinze minutos por dia fazendo algo por longos anos também funciona. Só leva mais tempo. Mas é melhor fazer quinze minutos por dia do que nenhum.