Como assim “Deus falou comigo”?
Terminei de ler o livro “A Segunda Montanha” de David Brooks. O autor vem de família judaica, teve contato com o cristianismo desde cedo, mas não acreditava em Deus na juventude. Somente depois começou a acreditar e ama tanto o judaísmo quanto o cristianismo.
Achei curiosa uma passagem do livro em que ele confessa que não se identifica muito com aqueles religiosos que têm uma fé muito forte. Ele define sua própria fé como não tão forte e por isso ele se identifica mais com pessoas como ele.
Ele disse que acha muito estranho pessoas que falam coisas como “Ontem Deus falou comigo e me disse para fazer isso” o tempo todo, como se Deus se comunicasse frequentemente e de forma muito clara e direta. Como se Deus fosse seu amigo íntimo que te telefonasse todos os dias, te visitasse pessoalmente ou estivesse com você o tempo todo.
David Brooks define suas orações como não tão boas também e ele até diz que faz frequentemente críticas literárias das próprias orações depois que termina de orar. “Essa frase não ficou tão boa. Devia ter usado outros termos”. Achei bem engraçado.
Na verdade, eu sempre acho fascinante quando ouço pessoas falando sobre a própria fé, sobre suas orações ou como Deus se comunica com elas. Eu não acho que exista uma forma certa e absoluta de fazer essas coisas. Ao contrário, eu fico inspirada cada vez que ouço relatos do relacionamento espiritual único de cada um com Deus. Sempre que ouço cada um contar, tenho novas ideias que posso acabar testando para ver se dão certo para mim.
A história de cada um é diferente. Há pessoas que acreditam em Deus desde crianças ou em uma religião específica porque foram criados nela, nunca tiveram crises de fé muito sérias e para elas ter fé é tão natural quanto respirar. Outras pessoas que começam a ter fé mais tarde talvez possam ficar mais em dúvida, mas também acontecem casos de pessoas que começam a acreditar em Deus mais tarde e passam a ter uma fé fortíssima (talvez devido a algum acontecimento particular em suas vidas que foi muito marcante). E há os que perdem a fé da juventude depois. Existe de tudo.
David Brooks conta que já conheceu muitas pessoas que não têm fé e admiram pessoas com uma fé muito forte. Curiosamente, ele também conta que já conheceu pessoas que têm fé mas não gostariam de tê-la.
Quanto a mim, eu nunca fiquei muito satisfeita em estudar certas religiões que gosto muito somente de forma intelectual. Afinal, o ser humano não é apenas mente, mas também corpo, espírito. Então eu sinto que estudando apenas intelectualmente uma religião eu nunca vou entendê-la completamente. Sempre achei necessário mergulhar fundo, com tudo, sem me segurar e sem medo de me afogar, para ter uma experiência completa.
Richard Preston é um autor que eu gosto muito e que ficou famoso com vários livros que escreveu, como “The Hot Zone”, seu livro de 1994 sobre o Ebola. Eu li esse livro e sou fã. Atualmente estou lendo outros dois livros do autor. Uma coisa (dentre muitas) que admiro em Richard Preston é sua coragem. Ele ama tanto estudar Ebola que ele teve a ousadia de entrar na caverna que é tida como o local de origem do Ebola. Nem mesmo os moradores locais tinham coragem de entrar lá. E isso numa época em que a mortalidade do Ebola era de 60% e não havia vacina.
Alguns podem considerar o ato do autor uma tolice, mas eu o entendo. Ele queria ter uma experiência completa. Imagine passar anos estudando o Ebola, você se torna fã. Então aquilo foi o mais próximo que ele chegou de conhecer finalmente o seu grande amor! (sem necessariamente pegar a doença). No final, ele não foi contaminado. Ainda bem, porque o autor escreveu outros livros maravilhosos recentemente e estou muito feliz de poder lê-los!
Essa é uma imagem da entrada da famosa caverna Kitum, que fica na fronteira Quênia-Uganda. Não é raro que pesquisadores com o devido equipamento de proteção entrem nela. Mas turistas ocasionais (“fãs” de febres hemorrágicas) também visitam (espero que também usem o equipamento de proteção apropriado).
Eu diria que estar num lugar desses seria o equivalente da busca de um tipo de experiência espiritual. Quando você é fã de uma banda, por exemplo, provavelmente gostaria de assistir um show deles ao vivo. É como visitar lugares sagrados turísticos: se não pode conhecer alguém no presente, visite um lugar em que ele esteve no passado (já que Deus não está preso pelos limites do tempo, mas para ele passado, presente e futuro são uma coisa só).
Pessoas que buscam se comunicar com Deus desejam essa experiência mais direta. É verdade que existe todo o nível de experiência. Ler os livros sagrados, orar, frequentar igrejas e tempos, por exemplo, pode ser um tipo de comunicação com Deus. Um êxtase místico seria uma comunicação muito profunda com Deus, mas ainda assim um tipo de comunicação.
É compreensível porque tantas pessoas buscam experiências místicas, seja através de meditações, orações, danças ou outros exercícios espirituais. No entanto, em geral as religiões nos ensinam que experiências como essas não costumam ser rotineiras. Você não vai ter uma visão de um anjo ou de Deus todos os dias. Elas simplesmente não são necessárias, porque Deus quer que acreditemos nele pelo testemunho da vida dos outros: pela bondade das pessoas. E não porque você viu um anjo.
Pessoas que não acreditam em Deus podem não acreditar pelas mais variadas razões. Porém, uma razão comum é ter uma visão pessimista da vida e do mundo. Achamos que porque existem coisas como doença, morte, desastres naturais ou mesmo o mal causado pelos próprios seres humanos, Deus não existe. Como Deus permitiria tanto mal? Como Deus permite que uma criança inocente sofra tanto e morra? Não é muita crueldade permitir isso apenas para nos dar lições morais?
Uma pessoa que acredita em Deus costuma ter uma visão otimista do mundo. Apesar de todo mal que acontece, Deus está nos protegendo e existe um propósito para tudo isso. Nós não entendemos, mas Deus entende. Nós confiamos e temos esperança.
Comunicar-se com Deus ou ter uma experiência mística não significa necessariamente ver Jesus em sua janela ou ver um anjo voando por aí. Uma experiência mística profunda ou uma comunicação poderosa com Deus pode ser, por exemplo, presenciar o momento de uma boa ação. Você pode presenciar uma pessoa fazendo uma ação muito boa e sua fé em Deus aumenta. Porque aumenta sua esperança na bondade humana.
Eu nunca fui ateísta. Embora eu não tenha recebido uma educação cristã em casa, eu estudei em alguns colégios cristãos. Então para mim a existência de Deus era uma possibilidade. Eu apenas não me importava muito com essa questão na infância.
Na adolescência tive contato com o paganismo e o budismo, então pensei coisas como “talvez existam vários Deuses” ou “talvez para atingir a iluminação não importe muito se Deus ou Deuses existam”.
De qualquer forma, eu sempre acreditei em alguma forma de espiritualidade. Isso parecia divertido, dava mais cor para a vida. Sempre achei chato que não existisse nada. Achava improvável que a vida além da matéria fosse apenas um grande nada ou uma grande chatice. Então eu decidi que se Deuses não existissem eu iria criá-los, como os servidores da Magia do Caos.
Ou seja, se Deus, céu e anjos não existissem, eu criaria meu Deus, meu céu e meus anjos. Sempre achei esse pensamento tão natural que eu nunca entendi muito bem o pânico que toma conta de algumas pessoas que passam por alguma crise de fé. Tudo bem, eu entendo crises de tristeza ou uma depressão profunda com coisas ruins que acontecem em nossa vida. Mas alguns ficam em pânico com a possibilidade de Deus não existir.
Não sei explicar bem, mas pra mim não existe a possibilidade de Deus não existir. Eu sempre disse algo como: se Deus não existir, na verdade ele existe sim.
Na adolescência eu tinha alguma confusão sobre a forma que esse Deus teria. Seria panteísta? Seriam vários Deuses? Ou os Deuses só ficam na deles, quietinhos e não se importam com os humanos? Mas eu sempre achei que se os Deuses não se importavam com os humanos não é porque Deus era mal. Era porque ele queria dar a oportunidade para que o ser humano amadurecesse sozinho e alcançasse sozinho a iluminação, como um pai que quer dar espaço para que seus filhos se tornem independentes.
É claro que temos momentos em que nos sentimos sozinhos, abandonados, em que parece que Deus não fala conosco. Isso é chamado noite escura da alma na literatura cristã e acho que todos experimentam isso pelo menos uma vez. Ou cada um pode ter pequenas “noites escuras” aqui e ali.
Acho que esse tipo de tristeza, quando “Deus não fala com você”, como eu já disse, faz parte da caminhada espiritual. É claro que, apesar de eu entender isso claramente, eu não gosto de sentir tristeza, vazio, desespero. Isso é muito ruim. É fácil entender que o sofrimento faz parte da vida. Difícil é quando ele acontece e você está muito mal.
O ser humano é um ser tão social que até quando está sozinho ele não quer estar completamente sozinho. Quer ter um Deus junto, cuidando dele. Quer conversar com esse Deus. Quer ter alguém para se apoiar em momentos de dor.
Eu acho muito legal quando o ser humano admite sua fraqueza. Quando ele confessa que não gosta de estar sozinho. E quando tem a humildade de dizer que passa por crises de fé.
Todos gostamos de ter momentos sozinhos de vez em quando, mas não sempre. É algo natural não querer estar só e precisar de ajuda de vez em quando. Existem alguns ateístas que dizem que não acreditam em Deus por um tipo de orgulho do macho alfa, de querer ser independente, forte, fazer tudo com suas próprias forças. Mas isso é meio bobo. Nós precisamos uns dos outros.
Eu acredito em Deus e acho muito estranho o conceito de não existir Deus (mas eu entendo e respeito quem não acredita). Meu conceito para Deus é o “judaico-cristão-islâmico”. Mas mesmo que esse conceito não estivesse certo, eu estaria aberta a outras definições de Deus, mais panteístas, mais “Deus é amor” ou qualquer coisa do tipo.
Ou seja, é quase como se, caso Deus não existisse, eu o faria existir criando um conceito novo para Deus que o tornasse existente através do próprio conceito. Algo parecido ao argumento ontológico de Santo Anselmo. Aquela história de que Deus é algo maior do que o algo maior, etc. É como uma armadilha teológica. Você vai dar um jeito de pescar Deus na sua rede, nem que você crie um peixe holográfico.
Por exemplo, a maior parte das pessoas acredita no amor. Mas e se o amor não existir, for uma ilusão? É raro alguém ter grandes crises com essa questão. Nós apenas dizemos, mas eu sinto o amor, ele existe, ponto. Penso parecido com Deus. Não tem jeito de o amor não existir, eu estou vendo, sentindo, ele está pulsando mais forte ainda do que o mundo material. É exatamente como vejo Deus.
Por isso toda essa questão de Deus existe ou não, talvez eu nunca tenha entendido bem porque essa questão é relevante. Ele existe como o amor existe, pronto. Acabou. Pra mim isso sempre foi o bastante.
Talvez eu seja uma otimista incorrigível. Mesmo se alguém me provar que Deus não existe, amor não existe, o mundo não existe, pessoas não existem, isso não ia me incomodar tanto. Eu ia dizer, mas eu acredito, minha crença torna tudo isso real, meus sentimentos são reais, então pronto.
Se o ser humano for um cérebro numa cuba, nossa inclinação natural é tentar encontrar a verdade. Ou você quer continuar vivendo na Matrix? Bom, eu acho que amar sempre foi o mais importante, fazer atos bons, não importa se for na Matrix ou fora da Matrix. Se Deus criou o mundo e a Matrix como um jogo para nos testar, faz diferença se o jogo é real ou não? Se a vida for apenas um teste moral, é nele que temos que passar, não importa se é real.
De qualquer forma, eu considero a interpretação e o simbolismo cristão do mundo muito inteligente, amoroso, eficiente, sagaz, impressionante, extraordinário (eu poderia citar outros adjetivos), assim como a interpretação de outras religiões que admiro, como islamismo, hinduísmo, judaísmo, budismo, etc.
Não sei porque alguns se dedicam tanto a querer encontrar o que é real ou a verdade (que não seja o amor). Se essas pessoas estão tão preocupadas com isso, de forma literal e analítica, por que passam tanto tempo vendo filmes, lendo livros de ficção e jogando videogame? Se apenas o real importasse, elas não fariam isso. Por mim, não me importo de me divertir e aprender lições morais em mundos imaginários. Se a lição moral, reflexão que obtive, é real, não importa se o modo de ensiná-la é real ou não.
Estou enganando a mim mesma? Não, porque o amor e ajudar os outros parece ser o objetivo da vida, então todo o resto envolvendo as outras coisas realmente importam?
Então talvez o meu “segredo” para minha fé em Deus ser tão forte é porque eu “burlei” as regras do jogo e para mim qualquer definição de Deus serve, se a existência de Deus fortalece o conceito do amor. E me parece que fortalece.
Estou tão convicta da importância do amor, que a definição de Deus acaba vindo junto. Porque é como se Deus precisasse existir para aumentar nosso amor ainda mais, sendo ele o próprio amor.
É claro que eu tenho minhas crises de fé, mas não sei se minhas crises são exatamente duvidar da existência de Deus. Quando tenho crises é quando eu tenho medo. É quando eu fico doente, sinto muita dor e penso: “Será que eu aguento fazer coisas difíceis em nome do amor e de Deus?” É quando duvido da minha própria capacidade, da minha própria força. Por extensão, minha dúvida seria como duvidar do poder do próprio Deus de me dar forças quando eu não tenho mais.
Então, sim, tenho “crises” desse tipo vez ou outra. Faz parte, para fortalecer minha aliança com Deus. E nem sempre esses momentos são simples ou agradáveis, mas temos que passar por eles para reforçar nossas juras de amor.
Eu admiro pessoas que têm a fé mais forte que a minha. Afinal, embora eu considere minha fé como “relativamente forte”, ela não é a mais forte do mundo. Há muita gente com mais fé que eu. Perto delas, eu diria que sou bastante secular e mundana.
Não é bem visto que uma pessoa diga algo como: “minha fé é forte”. Quem fala isso é tido como arrogante. É como se você dissesse, ah, minha fé é tão forte que sei que vou pro céu. No cristianismo esse é o pecado de considerar a graça garantida, algo que nunca se pode fazer.
Mas eu nunca achei que meu céu estivesse garantido. Ao contrário, sei que ainda vou precisar me esforçar muito. Mas eu gosto de confiar na minha fé em Deus e no amor, pois isso me dá forças (e Deus me deu minha fé, não é mesmo? Não é mérito meu). E falar da força da própria fé também pode inspirar pessoas que têm menos fé que você. Elas podem pensar, ah, então minha fé pode aumentar, que bom!
Ter bastante fé não é a mesma coisa que ser uma pessoa boa. Ter uma fé forte pode indicar que você tem potencial de boas ações, mas não significa que essas boas ações já foram ou estão sendo externalizadas. É aquela história da fé sem obras. Vê-se a fé da pessoa pelas obras. Mas cada pessoa tem seu momento de florescer e frutificar no mundo, o que também exige paciência. Por isso não podemos julgar os outros. Há pessoas com fé fraca ou que não acreditam em Deus que fazem coisas muito boas.
Sinceramente, eu não acho estranho, assim como David Brooks acha, quando ouço pessoas dizendo: “Deus me disse para fazer isso” como se fossem amigos íntimos ou vissem Deus o tempo todo.
Essa é uma linguagem que usamos e acho uma forma de falar muito agradável, correta e inspiradora. É um modo de dizer, mas também podemos interpretar de forma literal.
Eu falo isso o tempo todo. Eu digo: “Deus me disse que tenho que fazer isso”. Por exemplo: “Orei ontem e Deus me deixou claro que devo fazer isso e isso”. É claro que Deus nem sempre deixa as coisas claras. Às vezes ele fica em silêncio. Mas outras vezes ele é bem claro sim!
Bom, então agora vamos falar mais diretamente do assunto do post. Como exatamente Deus fala conosco?
Como eu disse antes, Deus pode falar conosco de várias formas. Você pode ler um trecho da Bíblia que responda uma pergunta sua. Provavelmente foi uma mensagem de Deus. Você pode orar ou ir para a igreja e sente algo muito fortemente. Pode ser Deus falando com você.
OK, mas como saber se foi Deus mesmo falando? E se foi minha imaginação? Ou pior, e se foi o diabo?
Eu sempre acho essas perguntas engraçadas. Tudo bem, de vez em quando você fica em dúvida para julgar se a ação que certa pessoa fez foi boa ou ruim. Mas na maior parte das vezes nós conseguimos distinguir o bem do mal.
Eu sei que foi Deus falando comigo quando sinto uma sensação muito poderosa, muito boa. Quando sinto meu coração inflamado, pegando fogo de amor. Ou às vezes é mais sutil. Como disse meu profeta favorito da Bíblia, Elias, Deus pode falar por uma brisa suave (o Espírito Santo). Pode ser uma sensação de paz, mas também pode ser uma sensação forte como fogo.
Às vezes sentimos desconforto quando Deus nos fala coisas difíceis, que ferem nosso ego e nosso conforto. Mas costuma haver um propósito maior por trás dessa dor. Ela não é meramente dor.
A resposta mais sincera para isso seria: você apenas… sabe. Às vezes tentamos enganar a nós mesmos e escolher a opção mais fácil e confortável. Mas em geral sabemos quando estamos tentando fugir da missão que Deus nos deu.
Você reza, espera. Escuta. Sente uma sensação. Tem sua resposta.
Isso parece um pouco vago para uma mente científica e investigativa, que exige respostas exatas. Mas nem a ciência é assim tão certinha. Por que Deus seria? Deus criou esse mundo e deixou vários mistérios escondidos.
Deus está sempre conosco. Nosso anjo guardião está sempre ao nosso lado. Você não fala com Deus o tempo todo porque não quer. Quanto mais falar com ele, mais o relacionamento de vocês se aprofundará.
Mas você não precisa falar com Deus o tempo todo. Jesus não ficava rezando o dia todo. Apenas em momentos determinados do dia. No resto do tempo ele usava seu corpo, pois foi para isso que Deus nos deu um corpo. Não só para ficar o dia todo ajoelhado, mas para atuar no mundo.
Claro que a missão de cada um é diferente. Os anjos guardiões dos humanos são considerados os anjos mais “baixos” na hierarquia e os mais “altos” são os que ficam adorando Deus o tempo todo. Porém, os últimos serão os primeiros e o maior de todos será aquele que servir a todos.
Então em vez de ficar sempre rezando para Deus, que é o maior de todos, é uma boa ideia ajudar o menor de todos (um pobre, uma prostituta, um doente, uma “pessoa má”, um rejeitado da sociedade) porque essa é uma forma tão grande de servir Deus quanto rezar diretamente.
Ajudar essas pessoas também é uma forma de conversar com Deus, através do serviço aos pobres.
Como disse São Francisco, pregue o Evangelho sempre, às vezes use palavras, pois devemos pregá-lo e falar com Deus através de nosso corpo. Essa também é uma forma de orar e conversar com Deus.
Então você pode “escutar” as palavras de Deus quando ajuda alguém. Na Bíblia, os anjos às vezes se disfarçam de pobres para testar os humanos.
Mesmo se Deus parece não responder, nós continuamos falando com ele. Pense em todas as vezes que Deus falou conosco e nós não respondemos. Isso é muito mais frequente do que o contrário.
E como são as minhas orações? Eu nunca pensei em fazer uma crítica literária das minhas orações, como faz David Brooks. Aí está uma boa ideia.
Eu geralmente uso um modelo das minhas orações que eu repito mais ou menos igual todos os dias, para não esquecer as coisas essenciais: agradecer pelo dia, pedir proteção para certas pessoas, etc.
Mas depois de falar essas coisas que considero importantes, tenho meu momento livre de falar para Deus o que eu quiser. Aí eu literalmente falo qualquer coisa mesmo, sem medo. Tento ser sincera.
Quando eu falo com Deus eu realmente me sinto livre para falar qualquer coisa. Em confissões para um padre, por exemplo, você se preocupa em ser sucinto, objetivo, ir direto ao ponto, não esquecer de coisas essenciais. Porque é um ser humano e você fica preocupado que a pessoa pense mal de você. Humanos podem te julgar, porque eles não são perfeitos.
Mas Deus é perfeito. Se ele te julgar, será de modo justo e com perfeita sabedoria.
Mas sim, eu reconheço que um diálogo com Deus não é sempre simples. Você não fica em êxtase e com o coração queimando de amor todas as vezes. E nem precisa ficar. Isso seria exaustivo.
Na maior parte do tempo, uma oração é normal como uma conversa, sem grandes momentos místicos. Acho que os momentos místicos são especiais porque são raros. Claro, alguns santos ficam em êxtase com certa frequência, mas isso é um dom particular para eles. Deus dá bênçãos diferentes a cada um.
Talvez seja um erro pensar que Deus se comunicar com uma pessoa seja algo espetacular. Ao contrário, quem ora com frequência passa a falar com Deus e seu anjo como se realmente eles fossem seus amigos íntimos. Porque são!
Isso não deveria ser estranho. Por que é estranho?
Eu sempre achei que o mundo humano, o mundo material, era algo lindo e extraordinário, um milagre (é criação de Deus!). Não é um milagre que uma pessoa esteja viva, fale, caminhe, possa abraçar alguém?
Acho que esse é um milagre tão importante quanto ter uma experiência mística com Deus ou um anjo. O problema do ser humano é dar as coisas por garantidas.
Aí se um dia perdemos uma perna, um braço, a visão, a audição, nós valorizamos.
Acho que estar vivo é um milagre. E ter a bênção de caminhar nesse mundo, vivenciar as coisas, é um milagre.
Nós reclamamos demais. Devemos agradecer mais. Mas a oração de petição, como chamam os cristãos, também é importante. Não devemos ter vergonha de pedir coisas. Deus deseja que nos humilhemos diante dele, pois é sinal de humildade admitir que não conseguiremos fazer muitas coisas sozinhos. Precisamos de ajuda.
O momento de conversar com Deus é confessar que somos pequenos sem ele e precisamos de ajuda. É uma linda amizade. É natural, é profunda. Assim como cheirar uma flor é profundo, é um milagre.
Então, essa conversa com Deus não precisa ser extraordinária ou sobrenatural. Sim, falei com Deus e ele me respondeu. Qual é o problema? Falar com outro ser humano também é um milagre.
Estar vivo é um milagre. Morrer e encontrar Deus é um milagre.
Eu não sou tão boazinha como a Pollyanna, que sempre consegue ver lados bons em tudo. Eu também tenho momentos pessimistas, fico triste, fico desesperada, com raiva, com medo.
Sim, eu tenho muito medo! Tenho medo de viver, de morrer, de ficar sozinha, de sentir dor. Tenho medo de desapontar aqueles que amo.
Mas há outros seres humanos no mundo. Outros seres vivos. Há Deus, há os anjos. Então há esperança. Estamos todos juntos nessa jornada. E mesmo quando eu morrer minha vida continuará nos outros.
As coisas espirituais não são tão distantes e separadas assim das coisas físicas. Deus habita em nosso coração e na alma dos outros. Então é tão esquisito assim falar com Deus e ele responder? Acho natural.
Às vezes Deus demora para responder ou para dar uma resposta clara e há vários motivos para isso. Talvez porque devemos esperar naquele momento. Ou ainda falta fazermos algum sacrifício ou oferenda para Deus para que ele nos entregue a resposta.
Não é Deus que decide tudo e nós ficamos estáticos. A Bíblia nos conta a jornada de Deus e dos humanos. As pessoas agem e Deus responde conforme essa dança. Então você não é apenas um espectador passivo, mas atua na sua história e na história do mundo.
Várias vezes eu fiz perguntas para Deus e ele não respondeu. Às vezes demorou meses, ou até anos. Cheguei até a acreditar que Deus nunca responderia certas perguntas minhas.
Até que ele respondeu e foi muito emocionante, muito especial.
Há perguntas que eu pensei que Deus nunca ia me responder. E ele respondeu. E muito antes do que eu esperava. Achei que certas coisas eu só ia saber (se é que um dia saberia) quando eu estivesse mais velha e madura, tivesse sei lá, uns oitenta anos. Mas certas coisas ele já respondeu quando eu era adolescente ou aos vinte e tantos anos. Nunca se sabe ao certo quando a resposta virá.
Mas não esperamos sem fazer nada. Se queremos muito saber algo, nós temos que lutar para isso. E nossa luta faz diferença na resposta e na velocidade dessa resposta.
Deus às vezes quer nos proteger da dor e demora para responder. Ou quer nos ensinar pela dor e dá respostas que nos machucam.
As respostas centrais para as minhas questões eu já tenho. Porém, ainda aguardo algumas coisas. Algumas delas o próprio tempo dirá.