Como a fé se torna automática?

Wanju Duli
17 min readNov 13, 2020

--

https://jamestabor.com/why-a-spiritual-resurrection-is-the-only-sensible-option/

O que significa “automático”? Fui até o dicionário dar uma olhada achei os seguintes significados:

“1- Que opera sem a participação da vontade: movimento automático.

2- Imediato: se se excita um nervo sensitivo, a resposta motriz é automática.

3- Que opera por meios mecânicos: telefone automático.

4- Arma automática, arma de fogo na qual a pressão do gás de combustão da pólvora efetua, em lugar do atirador, a maior parte das operações necessárias ao funcionamento.

5- Escrita automática, a que se faz sob o domínio exclusivo do subconsciente (segundo o surrealismo)”

(Dicionário Online de Português)

Eu estava pensando em escolher somente os meus significados preferidos para comentar aqui, mas eu gostei de todos eles! Acho que todos contêm algo adequado para o ponto em que quero chegar.

Um grandioso objetivo da fé é que ela se torne algo tão automático quanto respirar. Algo inconsciente, algo imediato, que nem precise passar pela mente racional. Você nem precisa pensar. Ela faz parte do seu corpo, da sua mente, do seu coração, do seu espírito.

É esse o objetivo que precisamos atingir. Também se busca algo parecido com meditação, embora às vezes com outras metas. Não é por acaso que tantos monges e eremitas dedicam longas horas diárias para a meditação.

Eu mesma já passei por períodos intensivos de meditação. No começo, tentamos aprender como se faz para atingir estados alterados. Mas quando meditamos muito (muuuito mesmo, longas horas sem se mexer, com um treino de semanas, meses, ou até anos) você atinge os estados alterados sem nem se esforçar.

Ou melhor, o seu esforço será ficar lá por horas e aguardar que algo aconteça “sozinho”. O seu outro eu, sua alma, ou seu “não eu” assume. Ou Deus. Sabe-se lá o que ou como você prefira chamar. O processo é o mesmo, embora possa haver alterações sim se você pensa naquilo como Deus, alma, não eu ou outra coisa. Mas não irei me focar nisso agora.

A questão da meditação foi apenas um exemplo, porque o objetivo é ter fé não só quando se está com o estado de consciência alterado. O objetivo é ter fé o tempo todo: andando, acordado, dormindo. Por isso os monges budistas fazem seus exercícios de atenção plena, prestando muito atenção a tudo que fazem, mesmo quando não estão meditando.

https://br.pinterest.com/pin/331085010088269200/

Uma vez eu escrevi esse texto falando sobre um tema parecido. Eu conto um episódio em que acordei durante a noite e desmaiei. Acredito que isso já tenha acontecido com muita gente: acordamos durante a noite e por um breve instante achamos que estamos morrendo. Com base nessa e em outras experiências eu escrevi o seguinte:

“Se eu sobreviver agora, tenho que dar um jeito de retomar minha rotina de orações para que orar para Deus seja SEMPRE um pensamento automático em qualquer circunstância, principalmente situações de quase morte. Isso dá coragem”.

Afinal, um dos grandes objetivos da fé, além de nos dar forças para enfrentar a vida, o dia a dia, lidar com momentos ruins, etc, é nos dar forças em momentos de morte, medo da morte ou situações de quase morte.

Porém, é bem provável que numa situação dessas não estaremos completamente conscientes. Não necessariamente teremos a oportunidade de “lembrar” de orar para Deus.

Por isso um objetivo importantíssimo das religiões é estabelecer uma rotina tão rigorosa de orações a ponto que orar para Deus se torna algo automático. Isso deve estar literalmente na ponta da língua e da mente em qualquer situação em que nos encontremos. É uma das coisas mais fundamentais para lembrar.

Se você bate a cabeça e não está lembrando direito das coisas, ainda tem que lembrar de Deus mesmo que não lembre do resto. E para isso seu cérebro vai aprender a selecionar o que é prioridade com base no tempo que você passou em cada coisa que fazia.

Lembro que no retiro que fiz num mosteiro católico de Israel no ano passado, uma monja francesa (que sabia falar português!) me levou para conhecer o túmulo de duas monjas. O túmulo de uma delas foi a da monja que fez os vídeos sobre cristianismo desse mosteiro que eu amava assistir! Fiquei feliz de prestar uma homenagem especial a ela e agradecer.

Sobre a segunda monja no túmulo, a monja francesa me contou que ela teve Alzheimer. A propósito, estou lendo um livro sobre Alzheimer agora mesmo, chamado “O Fim do Alzheimer” de Dale E. Bredesen. Já adianto que já existe tratamento e cura para muitos tipos de Alzheimer e as pesquisas atuais são promissoras.

Porém, essa monja morreu há muitas décadas. Eu soube que ela esqueceu quase tudo, mas continuava repetindo orações para Deus e sua fé continuou enorme, impressionando e inspirando as outras monjas. Isso porque nesse mosteiro elas rezam por longas horas todo dia. Depois de décadas fazendo isso, a oração passou a ser parte dela.

Eu achei aquela história belíssima. Não era uma história triste. É uma história de um grande testemunho de fé.

Eu concluí o seguinte: mesmo se esquecermos de todo o resto, se não esquecermos de Deus, se continuarmos rezando para ele, é tudo que importa.

E como se faz para não esquecer de Deus jamais? Através de uma rotina intensa de orações para toda a vida. E é exatamente isso que os muçulmanos fazem. Pessoas de outras religiões também, como no caso dessas monjas católicas. Porém, o caso dos muçulmanos se destaca, já que todos eles são chamados a seguir os Cinco Pilares do Islã, que inclui cinco orações diárias.

Mesmo na etapa final da operação de Abramelin eu só orava três vezes por dia. Então imagine só orar cinco vezes! Não admira que a fé dos muçulmanos seja tão grande e que seja uma religião tão admirável: a religião que mais cresce no mundo. Foi a religião que foi direto ao ponto mais importante de todos: orar, orar, orar sem cessar, como fazia o Peregrino Russo repetindo o Kyrie Eleison do cristianismo ortodoxo. E como é repetidamente pronunciado no requiem de Mozart.

https://fasbam.edu.br/2020/09/16/a-historia-e-uso-da-oracao-kyrie-eleison/

No livro sobre Alzheimer que estou lendo eu aprendi que no Alzheimer os neurônios são atacados e como mecanismo de proteção o cérebro seleciona esquecer as memórias que considera não essenciais e preservar as que considera essenciais. Digamos, ele considera que a memória do corpo como se respira e come, por exemplo, são mais essenciais do que nossas memórias sobre os filmes que assistimos. Mas eu li o caso de uma mulher que esqueceu de quase tudo mas misteriosamente manteve suas habilidades de tocar piano intactas. Isso porque já estava no automático, como rezar. Claro, no Alzheimer avançado vai se perdendo cada vez mais memórias até a morte e esse processo não é perfeitamente regulado, mas algumas memórias realmente antigas ou que foram repetidas muitas vezes ao longo da vida podem eventualmente permanecer.

Ou seja, existe uma técnica, uma esperança para preservar o que realmente importa: repetição, repetição, repetição. Pessoal, vamos fazer muito sexo, hein? Brincadeira. ;)

Mas vamos retornar para os significados de “automático” do dicionário. O primeiro significado é operar sem a participação da vontade. O que isso quer dizer?

Eu tenho vontade que minha lembrança de Deus se torne automática e para isso devo realizar um esforço inicialmente consciente de repetição, para que posteriormente minha lembrança se torne inconsciente.

Dessa forma, minha vontade de lembrar quando algo está automático se torna irrelevante. Aquilo simplesmente vem. É como um movimento automático da alma.

Saber algo “de cor” significa literalmente saber algo com o coração, ou com o espírito. Significa que aquela coisa já está tão bem decorada que atingiu o âmago do seu ser a ponto de não ser preciso pensar, como uma pessoa que treinou muito um instrumento consegue tocar certas músicas que já treinou vezes sem conta.

O segundo significado de automático desse dicionário é “imediato”. Se você está prestes a morrer, precisa de uma resposta imediata.

Eu já li relatos de pessoas que estavam prestes a morrer (mas obviamente se salvaram no último instante para contar a história) que costumam dizer que o tempo passa de forma diferente, em câmera lenta. Não é que o tempo de fato passe mais devagar, mas nossa percepção do tempo.

Isso acontece principalmente em casos de acidentes: acidente de carro, de helicóptero, quedas de alturas, etc. Parece que o cérebro percebe que aquela é uma questão de vida ou morte (e é mesmo! Às vezes ele acerta!) e investe todas suas energias para que aquele último instante transcorra (pelo menos para nossa mente) de forma mais devagar.

Daí, provavelmente, as histórias de que lembramos de toda nossa vida quando estamos prestes a morrer. É porque nosso tempo “se estica”. Para que o corpo ainda tenha uma última chance de pensar no que fazer e tentar se salvar. Ou para que, se não salvar o corpo, pelo menos salve a própria alma, lembrando de Deus e rezando.

Sobre a salvação do corpo, sem dúvidas devem existir exercícios para que possamos agir de forma automática em certas situações e protegermos a nós mesmos, como artes marciais que treinam o corpo para cair de forma segura e outras coisas. Mas um dia nosso corpo eventualmente morrerá. E, ao que parece, mesmo em situações em que acontece algo muito rápido, como uma explosão, teremos esses segundos finais. Já sabemos, por exemplo, que uma cabeça decapitada ainda fica consciente por alguns segundos.

Então o objetivo desse post é argumentar o quão importante é você manter uma rotina de oração para que em seus segundos finais aquele apelo a Deus (pedido de ajuda, pedido de desculpas, agradecimento, o que você quiser) se torne automático.

Obviamente, ter a lembrança automática de Deus também é maravilhoso não só para situações de quase morte, mas muitas outras.

https://brianzahnd.com/2014/04/dying-sins-work/

O terceiro significado do dicionário é “que opera por meios mecânicos”. O quarto faz referência a uma arma automática. Que tal isso? As suas orações serão o combustível da sua arma, que será disparada no momento mais importante. A própria arma atua no lugar do atirador. Mas o quinto significado é particularmente encantador: escrita automática sob o domínio do subconsciente.

No mundo em que vivemos não é tão frequente nos encontrarmos em situações reais com risco de morrer. Eis um dos motivos pelos quais estávamos tão despreparados para essa pandemia. Para os ocidentais atualmente risco constante de morte é algo que acontece somente em países muito pobres e esquecidos ou em camadas realmente miseráveis da população. Aquilo é algo que acontece com os outros, e não comigo.

Por outro lado, alguns séculos atrás a morte era uma presença constante na vida. Por isso religiões como cristianismo e islamismo se tornaram tão poderosas nessa época.

Nós achamos que não precisamos mais dessas religiões geniais, que são mestras absolutas em lidar com a morte após tantos séculos de treinos com milhões de pessoas sofrendo e morrendo. Isso porque em geral vivemos vidas relativamente confortáveis, com comida garantida, sabendo que se tivermos um acidente ou doença há chances de tratamento. Então nossa mente pode esquecer de coisas como morte por alguns momentos.

Nesse ano nós relembramos que a morte é algo que pode acontecer a qualquer um, a qualquer momento. Nós nos lembramos não somente das nossas técnicas para curar o corpo, mas da importância das técnicas para fortalecer a mente.

E quem são os melhores para nos mostrar como fortalecer a mente diante da morte? Autores bem alimentados do século XX? Quem sabe alguns deles, se fizeram o dever de casa e estudaram os autores mais antigos de épocas em que até filhos de pessoas ricas morriam aos montes, no parto e na infância.

Por isso eu confio nos exercícios espirituais medievais e antigos. Exercícios de religiões que serviam os pobres, como é o exemplo de cristianismo e islamismo, embora particularmente o cristianismo tenha passado por momentos de riqueza em que esqueceu seu passado de pobreza, assim como os brâmanes do hinduísmo.

É verdade que há religiões muito interessantes na Grécia e Roma antiga, mas precisamos ter em mente que muito da filosofia que se produziu no período foi pela camada privilegiada da população que não precisava trabalhar, tinha muito tempo livre e escravos. Diferente das religiões com origens de pobreza e sofrimento, hoje não por acaso as maiores do mundo.

Eu gosto de todas as religiões e não estou afirmando que, por exemplo, budismo não é tão bom em lidar com a morte só porque Sidarta Gautama nasceu príncipe. O próprio Maomé tornou-se rico ao se casar, embora fosse analfabeto. Você não escolhe se nasce rico ou pobre. Não significa que está condenado a ter uma visão simplista do mundo se nasceu rico. A grande questão é o que você decide fazer depois.

E Sidarta escolheu bem. Ele largou suas posses e passou por muita fome e sofrimento. Ele realmente experimentou o pior. Ele, embora fosse rico, nasceu numa região em que havia muita pobreza. Ele queria uma solução e achou respostas sensacionais.

No caso de Maomé, ele também enfrentou o pior, pois ele, diferente de Jesus, experimentou guerras. Ele viveu numa época de guerras. Nem preciso falar da pobreza e sofrimento da cruz que Jesus experimentou.

Buda, Maomé, Jesus e muitos santos tinham algo em comum: experimentaram sofrimentos imensos e a partir daí eles encontraram soluções para lidar com esse sofrimento.

É verdade que a resposta de Buda é um pouco mais complicada. Não que não seja tão efetiva, mas realmente exige um pouco mais para chegar no mesmo insight que Buda chegou.

Jesus e Maomé, por outro lado, apresentaram respostas mais simples para que o povo entendesse.

Jesus falava através de parábolas para o povo, mas para seus apóstolos falava e mostrava coisas mais complicadas (como a transfiguração no Monte Tabor). Tanto que até hoje essa história de Deus Pai, Filho e Espírito Santo é bem difícil de entender!

Eu diria que enquanto o budismo é grau 3 em dificuldade e cristianismo é grau 2, o islamismo é grau 1. Dentre os três, islamismo é o mais fácil, sem necessidade de tanta filosofia e teologia (é mais direto, mais prático. Até o Alcorão fala mais de questões práticas de como agir no dia a dia). E isso é bom! Mais pessoas entendem, mais pessoas se convertem e mais rápido você resolve suas questões existenciais.

Esse post é sobre a fé se tornar automática. Você pode chegar num ponto parecido com as meditações budistas, mas o budismo tem suas particularidades.

Por outro lado, rezar uma Ave Maria ou um Pai Nosso parece ir direto ao ponto. Você pode entender porque um mantra budista tem valor (para afastar a mente consciente dos pensamentos e tornar o processo de alterar o estado de consciência realmente inconsciente). Mas entender porque você está fazendo isso e o que é exatamente a iluminação (o vazio, o nada? Por que eu vou querer isso?) é um pouco mais complicado. Nesse sentido o hinduísmo, quando acrescenta Deus ou Deuses na equação, se torna mais fácil e imediato para entendimento.

É verdade que quando você reza orações cristãs ainda pode se perguntar o que é esse Deus em três pessoas ou porque Deus teve um filho, etc. Por outro lado, no islamismo não há essas complicações: há um Deus e Maomé é seu profeta.

Eu já passei pelo processo de fé budista, processo de fé cristã e um pouco de islamismo. Na minha opinião, qual delas funciona melhor para tornar a fé automática?

Isso, é claro, depende do rigor com que você pratica. Qualquer uma delas, ou até outras religiões, podem ter efeitos semelhantes se você pratica com fervor e paixão.

Acho que meu maior problema com o budismo é que eu o encarava de forma ocidental: sem muita fé, quase como se fosse uma religião lógica e científica. Então no momento que não me servisse mais eu poderia abandoná-la. Eu não tinha “fé” em Buda. Ele era uma pessoa como eu, que conseguiu fazer algo incrível. Então eu queria seguir os passos dele e tentar fazer algo incrível.

Por outro lado, quando há Deus na jogada, principalmente um único Deus superpoderoso, como no caso das três religiões abraâmicas (e em algumas seitas hindus) eu estava lidando com algo muito maior que eu mesma. Algo que excedia meu conhecimento humano. E quando lidamos com algo tão forte como a morte, precisamos de um amor igualmente forte (parafraseando Cânticos).

“Põe-me como selo sobre o teu coração, como selo sobre o teu braço, porque o amor é forte como a morte, e duro como a sepultura o ciúme; as suas brasas são brasas de fogo, com veementes labaredas”

Cânticos 8:6

Embora superficialmente os Cânticos pareçam uma história de amor de um homem e uma mulher, analisando mais profundamente é a história de amor do ser humano por seu Deus. Nós procuramos Deus e não o encontramos. Ele se esconde, como um amante, para testar nosso amor.

Acho que o cristianismo é uma religião poderosa para inflamar o nosso amor por Deus. É algo muito próximo: Deus é um Pai. Deus é um ser humano de carne. Deus está no nosso coração (Espírito Santo). Como disse Santa Teresa de Ávila:

“Senhor, você está mais perto de mim

do que a minha própria respiração,

mais perto que minhas mãos e meus pés”

O islamismo é mais próximo do judaísmo do que do cristianismo, então o Alcorão soa mais parecido com o Velho Testamento do que com o Novo. Ele fala de amor sim (fala muito mais de misericórdia e perdão do que de punição), mas também tem certo rigor, pois Maomé enfrentou ele mesmo muitas guerras, assim como há muitas guerras no Antigo Testamento e uma guerra no Bhagavat Gita.

Então enquanto o cristianismo é mais parecido com uma história de amor trágica (embora com final feliz, já que Jesus ressuscita), o islamismo fala mais em termos de uma guerra espiritual ao estilo do Bhagavat Gita: temos que vencer um inimigo interior (nosso medo) assim como seres espirituais no exterior (demônios, djinns) que tentam atrasar nosso progresso. É uma batalha espiritual, a qual Jesus também às vezes se refere (ele diz que veio trazer a espada).

Se você quer tornar sua fé automática, faz muito sentido considerar-se em meio a uma batalha de vida ou morte. Não uma guerra literal, mas uma guerra simbólica. A guerra é literal no sentido que nosso relógio está correndo e temos que transformar a nossa fé enquanto temos tempo. Pois, dizem as religiões abraâmicas, só temos essa vida, o que nos dá um senso de urgência.

Independente de sua religião ou método para tornar sua fé o mais automática possível, venho aqui lembrar a imensa importância de uma rotina de orações.

Uma oração não é um mero exercício de autossugestão para que você se torne mais agradecido pelas coisas boas, peça desculpas para você mesmo e fique em paz com sua consciência. Esse é apenas um efeito residual positivo de uma oração, mas jamais foi a meta.

O objetivo da oração é reconhecer que existe um Deus totalmente bom e forte. Ele conhece seu sofrimento e o sofrimento da humanidade, do mundo. Tudo ficará bem no final, dizem todas as religiões. E isso não é otimismo vazio. É uma esperança no bem. Não apenas no bem da humanidade, mas numa fonte absoluta de bondade que resiste a qualquer fraqueza humana.

Existem sofrimentos na vida que superam a capacidade humana de suportá-los se não fosse Deus. Os antigos sabiam disso ainda melhor do que nós. Eles não “inventaram” Deus para se consolar. Eles também não “descobriram” Deus de tanto procurar, mas o próprio Deus se apresentou à humanidade, porque ele quis. E fez suas revelações para profetas.

Existe sentido no sofrimento, na vida, no mundo. As coisas não são assim por acaso. Por muito tempo da minha vida eu investiguei religiões, filosofia e outras coisas em busca de uma resposta. Levei um bom tempo para encontrar, mas eu não desisti. E, como muitas coisas na vida, a resposta estava bem debaixo do meu nariz e era bem mais simples do que aquelas questões complicadas de teologia.

A teologia é útil, ao menos para não permitir que a fé com base no amor se distraia com mera falação que não possui resultado prático. É importante ler e estudar para não deixar que questões teóricas complicadas enganem a fé. Você pode dizer qualquer coisa que pareça fazer sentido, mas existem formas de testar o que você diz: “isso tem sido feito com sucesso nos últimos séculos ou milênios? Funciona para os mais pobres, os analfabetos? Pode ser aplicado na prática de forma simples e efetiva?”

Cada religião pode ser tão complicada ou tão simples quanto se queira. A parte complicada pode ser útil para explicar porque a parte simples é tão boa.

Nessa época de pandemia concluímos que nada substitui uma conversa direta e o contato com outros seres humanos. De forma análoga, nada, nem mesmo o contato humano, substitui esse contato único com Deus através da oração. Mas como os humanos são imagem de Deus, interagir com outras pessoas e ajudarmos uns aos outros é também uma forma de se aproximar de Deus e ser testemunha. Por isso orar junto com outros é tão bom. E para ajudar a fé a se tornar automática, pode ser uma boa coisa fazer isso em conjunto com outros, numa religião.

Coisas como oração, jejum e caridade sempre foram centrais para a maior parte das religiões. Atualmente se quer reduzir o ato humano apenas para a parte da caridade, ajudar os outros sem jejum e oração. Mas por que é melhor orar e jejuar além de ajudar os outros? (lembrando que ajudar nunca é um processo de um lado só. Ao ajudar você também é ajudado, ao se tornar feliz por ter ajudado).

https://www.eatright.org/health/lifestyle/culture-and-traditions/ramadan--the-practice-of-fasting

No cristianismo existe o chamado para que nos tornemos como crianças, como pobres, como as pessoas desprezadas da humanidade. Somente assim sentiremos o sofrimento do outro.

O jejum é uma forma de tentar experimentar o que é passar fome, mesmo que de forma mais leve. E dessa forma sentiremos mais urgência em ajudar. E teremos mais identificação com o sofrimento do outro. Não é uma mera caridade. É um desejo genuíno de fazer alguma coisa. Porque o outro sou eu e o sofrimento do outro é o meu sofrimento.

Orar é uma forma de humildade. Quando você é rico pode ter a ilusão de que é independente, de que não precisa da ajuda de ninguém. Então se não passamos fome e não temos desconforto achamos que não precisamos de Deus.

Orar nos relembra de que somos mais miseráveis diante de Deus do que o ser mais pobre do mundo é diante do mais rico. Pois na morte todos se igualam e nesse momento só Deus pode nos ajudar. Orar é uma lembrança da morte. Quando não oramos, é comum nos esquecermos o quão desamparado é o ser humano diante da morte. Ou há o risco de encarar a morte com desespero, indiferença ou vazio.

Quando lembramos disso, do quão assustadora é a morte, surge em nós o desejo de orar, jejuar e fazer trabalhos de caridade. Essas coisas andam juntas. Quando você tira uma delas é comum que a outra se enfraqueça.

E quem está dizendo isso? Eu? Algum pensador do século XX ou XIX? Não, são os mártires, os santos e os maiores pensadores dos últimos séculos e milênios. Nada disso eu inventei ou estou falando por mim. Só estou repetindo o que tantos outros já disseram. E se continuamos repetindo até hoje é porque isso tem um valor tão imenso que nem podemos sonhar o quanto.

Só iremos descobrir o valor quando fizermos o exercício por nós mesmos: orar, orar, orar, jejuar, doar a nós mesmos para o mundo, até que nossa fé se torne automática.

“Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no filho de Deus, que me amou e se entregou por mim”

Gálatas 2:20

De que forma você vai fazer isso? Há algumas opções. Dentre as opções disponíveis, você deverá investigar qual ressoa mais fortemente em você. Qual religião ou prática te chama. Para alguns esse é um longo processo. Para outros chega mais rápido. Mas para todos uma hora chega, desde que não se desista da busca. Para mim demorou longos anos, mais de vinte anos, mas uma hora chegou.

E não tem problema se no futuro as coisas mudarem um pouco. Quando mudamos, crescemos em fé e em todo o resto.

--

--

Wanju Duli
Wanju Duli

No responses yet