Coisas preciosas para mim
Há muitas coisas nesse mundo que eu considero preciosas. No entanto, eu frequentemente tenho dificuldade para explicar para outras pessoas porque aquilo é tão importante para mim.
Um exemplo fácil é a religião. Eu gosto daquelas pessoas que entendem imediatamente quando eu falo de religião e eu não preciso explicar nada. Você fala “Deus” e elas sabem do que eu estou falando!
Às vezes você fala “Deus” para algumas pessoas e elas começam com aquela conversa: “Qual Deus? O Deus dos cristãos? Ou os Deuses egípcios? E se Deus está em todo lugar ou dentro de nós? E se não existe?”.
Você não consideraria extremamente entediante (e até meio mal educado e inconveniente) se você falasse de amor e alguém rebatesse com a pergunta: “Amor? Que amor? E se amor não existe? E se é só algo dentro de nós? Algo que inventamos para nos sentirmos melhor? É só um amontoado de sensações químicas no cérebro. Você sabe que falar de amor carrega uma carga muito grande de preconceito e exclui da conversa pessoas que não acreditam no amor? Sabe quantas guerras já foram feitas em nome desse tal amor invisível?”
É compreensível que você faça perguntas como essa se você é uma criança e ainda não sabe muita coisa sobre o mundo. É até bonitinho e você acha que aquela criança é bastante inteligente por fazer “perguntas difíceis”.
O problema são adultos que se consideram mais inteligentes que os outros porque acham que descobriram a roda fazendo perguntas “espertas” sobre Deus, já que elas descobriram que Deus está morto (e ninguém mais sabe disso!) porque leram Nietzsche. (Aliás, eu já li uns dez livros do Nietzsche e o acho um cara engraçado. Assim como dizem que o problema não é o cristianismo e sim os cristãos, eu diria que o problema não é Nietzsche, mas os seguidores de Nietzsche).
Não importa se você é cristão, muçulmano, budista, ateu. “Deus” já se tornou um termo cultural. Nós falamos “Meu Deus”, “Graças a Deus”. É claro, você pode achar preconceituoso usar o termo Deus, assim como pode achar preconceituoso usar o masculino e não o feminino para generalizações. É chato que se use o termo “branco” para algo bom e puro e o termo “negro” para algo mau e sombrio. Essas são discussões legítimas e eu entendo.
Mas no que diz respeito a religião, às vezes eu apenas me canso. Porque muitas vezes tenho a impressão de qua a maior parte das pessoas ao meu redor consideram que religião é algo sem importância ou obsoleto.
Eu me importo com o que as pessoas ao meu redor dizem. Eu mesma confesso que eu já estou meio cansada de filosofia e teologia. Muitas vezes parece que as discussões andam em círculos e não chegam a lugar algum.
Por isso eu atualmente estou mais interessada em arte e ciência. Parece que a arte não se esgota, até porque ela não tem pretensões (a filosofia e a teologia são meio metidas a sabichonas). Você só faz arte e com ela sente o mundo. Não está tentando explicar nada. Aquilo apenas é. E a ciência, embora seja meio metida também, pode pelo menos provar algumas coisas e não ficar apenas na especulação.
Eu tenho gostado mais daquele tipo de religião, teologia e espiritualidade que não tem pretensão de explicar as coisas com palavras. Aquela coisa meio mística que você só sente, como o amor.
Estou meio farta de racionalizar as coisas. Como disse um pensador que eu não lembro o nome agora, se você tem uma explicação sobre alguma coisa, mas não consegue simplificar o suficiente para que uma criança pequena entenda, é porque aquilo não vale a pena.
Atualmente eu estou mais interessada nas coisas simples da vida e não em filosofia e teologia complicadas. Eu gosto daquele Deus que até pessoas que não sabem ler e escrever conseguem entender. Aquele Deus que pessoas que se acham espertas não acreditam, porque elas são arrogantes demais para acreditar no mesmo Deus que os pobres acreditam.
Claro, tem gente que não acredita em Deus por outros motivos. Porque ficou farto com os preconceitos de algumas pessoas e religiões. Isso também é totalmente compreensível. Os ateus sofrem muito preconceito também e merecem respeito.
No entanto, há estatísticas de que a maior parte dos ateus são homens brancos de classe média e alta, enquanto pessoas que acreditam em Deus geralmente são mulheres negras de países pobres (principalmente da África, Oriente Médio e América Latina).
Eu não gosto de estar do lado do clube dos homens brancos ricos que estão entediados demais com sua riqueza para fingir que a morte (e Deus) não existe. Realmente, for para escolher, eu prefiro estar do lado dos que não sabem ler e escrever, que enfrentam a morte no dia a dia e sem Deus já teriam perdido a esperança.
Claro que há o pessoal LGBT que não acredita em Deus, o que também é totalmente compreensível.
Só queria explicar um pouco porque religião, particularmente cristianismo e islamismo, são tão importantes para mim. Porque é através dessas religiões que eu me sinto conectada com as pessoas mais pobres do mundo. Antes cristianismo era sinônimo de europeu branco. Mas já faz uns bons séculos que isso mudou, caso você não esteja em dia com as estatísticas. Há muito mais cristãos negros e pobres do que ateus negros e pobres.
Se você tem o luxo de ser ateu, geralmente é porque você tem o suficiente para comer, não está num país em guerra, sua casa não foi explodida por uma bomba na Síria, no Iêmen ou no Sudão do Sul. Claro, agora com a pandemia de covid-19, que é apenas mais um problema para se somar a outros problemas ainda maiores nesses países, muita gente está tendo que conviver de perto com o medo e a morte. Não sei se isso aumentou a fé das pessoas ou diminuiu.
Minha análise pode ser meio simplista, claro. Eu corro esse risco num texto curto. Há muitos ateus que eu admiro. Vou dizer um nome que resume tudo o que penso sobre a integridade de ateus: Pat Tillman. Já li a biografia dele. Eu o admiro enormemente! O que prova que ficar dividindo as pessoas conforme a crença é um preconceito, claro.
Infelizmente eu sou uma pessoa preconceituosa. Não é algo de que me orgulho. Sem dúvidas ateus sofrem muito preconceito (e são mortos), assim como o pessoal da umbanda, budistas e outras religiões. Mas eu fico muito frustrada com o preconceito que tantos muçulmanos imigrantes sofrem e com minorias cristãs em países pobres, que são perseguidos e mortos.
Isso tudo é muito difícil de explicar. Repito: eu gosto do cristianismo e do islamismo porque assim eu me sinto unida a essas pessoas que são perseguidas e mortas. Sim, ateus também são perseguidos e mortos. Mas, com raras exceções, geralmente quando falamos de ateus são homens brancos de classe média.
(Um parênteses: admiro umbanda e candomblé. Mas sabia que a maior parte dos africanos são cristãos e muçulmanos? Estatisticamente, poucos hoje em dia seguem as religiões tradicionais africanas, por mais lindas que elas sejam. E isso não ocorreu porque alguém fez “lavagem cerebral” neles e afirmar isso é um insulto à inteligência dos africanos, já que cristianismo e islamismo estão presentes na África desde os primeiros séculos depois de Cristo. Inclusive, muitos escravos africanos que vieram ao Brasil eram muçulmanos, embora poucos brasileiros saibam disso ou falem disso. Islamismo sempre foi uma forma de orgulho negro, religião de Malcolm X).
Atualmente muita gente prefere lutar pelos pobres usando a política e não a religião. Claro, uma coisa não exclui a outra. Mas eu gostaria de argumentar que religião e política estão bem envolvidos em muitos países do Oriente Médio, para o bem ou para o mal. É assim que as coisas são.
Assim como os indígenas do Brasil não gostam muito de cristãos impondo suas crenças e forma de pensar, em países do Oriente Médio muita gente não gosta que o Ocidente imponha seu ateísmo e secularismo. Claro, essa é uma questão delicada.
Você me diz: “eu quero ajudar os pobres” e eu respondo: “você sabe quem são os pobres e o que eles querem?”. É uma atitude típica da arrogância ocidental querer “libertar esses ignorantes de suas religiões e superstições” como se religião fosse o “ópio do povo”.
Eu não gosto dessa história de “vou ajudar os pobres, mas eu sou diferente deles, não quero ser um pobre, quero ser um rico que ajuda pobres”. Já escrevi outros textos sobre isso.
Por isso os santos católicos são geniais: eles largam tudo, eles querem se tornar o pobre! Querem se tornar como eles e não manter essa separação entre “eu” e “eles”.
Você é a pessoa branca e ateísta de classe média que ajuda o negro cristão/muçulmano pobre e ignorante.
Não! Por isso, eu quis ter a religião dos pobres, para me aproximar mais deles.
Qual é outra forma de se aproximar dos pobres e saber como eles se sentem? Jejuns. Jejum é nada mais do que uma simulação para sentir-se como alguém que passa fome.
Eu acho jejum algo difícil de fazer. Já fiz vários jejuns religiosos diferentes, de várias religiões: Quaresma, Ramadã, Yom Kippur. Já fiz até jejuns budistas. Meu recorde por enquanto é três dias sem comer e 24 horas sem beber água (no Yom Kippur).
Mas enfim, o objetivo de fazer jejuns não é se gabar que você consegue ficar vários dias sem comer, pois eu conheço pessoas que ficaram muito mais tempo sem comer que os meros três dias que eu fiquei duas vezes (estou falando aqui de jejuns voluntários e não forçados).
O objetivo principal do jejum é você se sentir como alguém passando fome, com a diferença que alguém que passa fome de forma involuntária sofre muito mais. É isso que te une a Deus: a sua união com um pobre que passa fome. Dessa forma a religião santificou o pobre através da prática do jejum, o que é algo extraordinário.
Mas vamos voltar ao título do post, porque eu já mudei de assunto há muito tempo. Existem coisas preciosas para mim. Por exemplo, a religião. Mas até eu, porque eu vivo ao redor de pessoas sem religião, não ando tão interessada em religião ultimamente.
Tenho orgulho de tudo que aprendi sobre cristianismo, islamismo e outras religiões até hoje. Ajudou-me também o que eu aprendi sobre filosofia. Mas agora é hora de seguir em frente, para a etapa seguinte da minha vida.
Acredito que eu ainda vou topar com religiões no futuro, principalmente essas duas, cristianismo e islamismo, simplesmente porque mais da metade da população mundial tem essas religiões e eu quero me conectar com metade da população.
Honestamente, ninguém se importa se eu sou católica não praticante, cristã, muçulmana ou se apenas “acredito em Deus mas não sigo uma religião”.
Para muita gente religião é um assunto privado. Já o islamismo é diferente, já que é uma religião bem mais pública.
Enfim, religião é algo precioso para mim, que já valorizei um monte no passado. Porque eu acredito que Deus é central quando se fala sobre a morte.
Lidarei com minha própria morte e com a morte de muita gente no futuro, então é claro que preciso de Deus e de ideias religiosas.
Mas eu considero outras coisas preciosas para mim além de religião. Eu, como muita gente, também fico frustrada com a parte dos preconceitos que existem no cristianismo e islamismo. Eu também fico frustrada com o excesso de ritualística e superstições.
Isso, em parte, também é algo que me afastou um pouco de religiões e me fez buscar soluções mais práticas no mundo para o problema da identidade, pobreza e sofrimento.
Eu aceito que há coisas que eu considero fundamentais, mas que para outras pessoas não tem importância nenhuma.
Que importância tem para os outros se eu gosto de uma música, de um filme, de um jogo? Às vezes eu compartilho meus gostos com os outros, principalmente com pessoas próximas.
Mas até que ponto isso faz diferença? Até que ponto somos uma inspiração ou decepção na vida das pessoas?
Se eu escolho ter uma religião ou não ter isso fará diferença principalmente na minha própria vida. Não são os outros que rezarão cinco vezes por dia e farão um mês de jejum por ano.
Se você é corajoso ou covarde, se você é preconceituoso ou supersticioso. Você, é claro, terá que prestar contas sobre isso somente para Deus, que te conhece. Sim, eu tenho medo, de Deus e das pessoas, e de mim mesma. Mas, acima de tudo, eu tenho medo de não seguir a voz da minha consciência que me diz o que é certo e errado. E eu tenho que fazer o que é certo independente do que dizem as pessoas ao meu redor.
Eu não sei se eu dou uma impressão negativa demais sobre mim mesma na internet. Às vezes eu sinto que eu estou jogando contra mim mesma quando eu simplesmente declaro: “Sim, eu sou preconceituosa, eu não sou humilde”. Talvez eu soe pior do que eu realmente sou e talvez isso não seja uma coisa ruim.
Mas é melhor que eu me ache pior do que eu sou, dizem os cristãos, para aí nascer a humildade.
Esse texto já está grande demais. Eu vou parar por aqui por esse motivo, porque eu mal comecei a dizer o que eu realmente pretendia dizer com esse texto. Vai ter que ficar para outra vez.