Clube 18: Capítulo 1
— Era o sonho da Cora entrar no Clube 18. Ela morreu por um sonho estúpido.
— Por isso você odeia a Zoe — observou Orion, virando a terceira lata de cerveja.
— Ódio é um eufemismo — corrigi.
— Você tem medo dela — acrescentou Orion.
— Só não quero estar perto dela — eu disse.
— Ignore a Zoe — sugeriu Yan — finja que ela não existe.
— Eu adoraria — falei — mas ela me persegue. Ela tem prazer em me atormentar. Porque ela odiava Cora. Ela acha que não a puniu o bastante. Ela precisa me destruir também.
Orion riu amargamente.
— Quanto drama — disse Orion — apenas bebe e curte. Esquece isso tudo aí.
— Como se eu pudesse — falei.
— Você é muito sério — disse Orion — você não teve culpa de nada. Há coisas que não controlamos. Então…
— É ela — apontou Yan — Zoe está olhando pra cá.
— Merda — falei — ela tá olhando pra mim?
— É claro que ela tá — Orion sorriu — ela é tão linda. Também queria ser perseguido por ela.
— A 17 está vindo pra cá — avisou Yan.
17 era o apelido da guarda-costas de Zoe. A escrava de Zoe, sua maior puxa-saco, sua secretária, como queira chamar. O nome dela era Kiara, mas raramente alguém lembrava disso. Zoe a chamava de Kiki.
Eu odiava o som da voz de Zoe. Odiava tudo nela. E também odiava 17.
— Oi — disse 17.
— Some daqui — eu disse.
Orion riu quando eu disse isso.
— Você ouviu o homem — falou Orion — vaza.
— Não — falou 17, de forma infantil.
— Se não sair, vou jogar o conteúdo dessa lata na sua cabeça — ameaçou Orion.
Às vezes ele era um bom melhor amigo. Mas só às vezes.
— Zoe quer falar com você, Milo — 17 me disse.
— Então por que ela não vem até aqui? — perguntei — por que tem que mandar sua garota de recados?
— Porque — disse 17 — ela tem mais o que fazer.
— Já chega — eu disse — vou embora dessa festa. Isso tá muito chato.
— Sério? — perguntou Orion — só por causa daquela puta? E dessa putinha? Não deixe que elas estraguem sua noite.
17 bloqueou o meu caminho, mas eu a empurrei.
— Me deixa em paz — falei.
— Tchau, Milo — falou Yan, bebendo uma lata de refrigerante.
Meus dois amigos, Orion e Yan, já estavam acostumados com isso: eu indo embora de festas para fugir de Zoe.
Eu não gostava daquelas festas. Só ia por causa da comida e bebida de graça. Eu já tinha comido um pouco, então era hora de ir embora. A música também estava ruim.
Saí da festa, sem nem me despedir dos meus amigos e sem avisar ninguém. Porém, quando eu já estava lá fora, meu coração quase parou.
Zoe em pessoa parou diante de mim. Quase tropecei nela, mas fui cuidadoso o bastante para não encostar naquela mulher.
— Indo embora tão cedo? — ela perguntou — tem algum compromisso, Mimi?
Eu odiava quando ela me chamava de Mimi. Senti um misto de ódio e terror.
Não respondi. Eu apenas a ignorei e caminhei na direção oposta.
— Pode fugir de mim o quanto quiser — ela disse — assim é mais divertido.
Eu não tinha nenhuma intenção de diverti-la. Mas tinha menos intenção ainda de continuar aquela conversa.
O caminho até em casa foi longo e tortuoso, com meus pensamentos e memórias a me assombrar.
Quando eu finalmente voltei pra casa, meu irmão mais velho estava na sala.
— Já voltou?
— É.
— Festa chata?
— Só fui pra comer.
— Tem comida em casa, sabia?
Fitei Gaspar com cara de bunda.
— Meus amigos insistiram para que eu fosse — dei essa desculpa.
— Mas Zoe estava lá.
— Enchendo meu saco.
— Só faltam mais alguns meses — disse Gaspar — depois você não vai precisar ver a cara dela nunca mais.
Cada dia vendo a cara dela pareciam anos. Alguns meses passariam lentamente como décadas.
Fui pro meu quarto e deitei na cama, ainda com a roupa da festa.
Eu só queria não poder mais pensar. Explodir meu cérebro. Não queria mais um único pensamento passando lá. Cada imagem era como veneno.
Dormi pouquíssimo. Nem sei se dormi. Fui pra porra da aula, como quem caminha para o corredor da morte.
Sentei lá no fundão, ao lado de Orion e Yan.
— Você perdeu Briana tirando a roupa — disse Orion.
— Eu não dou a mínima pra nenhum membro do Clube 18 — deixei claro.
— Mas ela não tirou tudo — acrescentou Orion — que pena.
— Cala a boca — falei.
— Fala sério — disse Orion — se uma gata como a Briana quiser dar pra ti, você vai negar?
Eu bocejei.
— Prefiro dormir do que trepar — respondi.
— Que entediante — disse Orion — comentário de velho. Quer um Viagra pra levantar?
— Quero uns remédios pra dormir — eu disse — pra apagar.
— Eu também — disse Yan — parece que esse ano não passa. Mas agora é aula de matemática, então eu vou dormir igual.
Os dois otários realmente dormiram na aula de matemática. Cutuquei Yan quando ele roncou, ou o professor ia notar.
Infelizmente não consegui dormir. Que desperdício.
Quando a aula de matemática terminou, havia alguns minutos entre a troca de períodos. Zoe aproveitou a oportunidade para ir até o fundo e sentar na minha mesa.
Zoe estava usando uma saia curtíssima. Estava de barriga de fora, ombros à mostra e um pouco de decote. Ela estava expondo o máximo de pele que a escola permitia. Se é que a escola permitia aquilo.
O que mais me distraiu foram as coxas dela. Quando ela sentou, a saia subiu um pouco. Prendi a respiração e engoli. Orion e Yan também pareciam hipnotizados.
Mas é claro que eu disfarcei, diferente dos dois idiotas. Eu jamais iria deixar Zoe feliz, fazendo-a acreditar que as coxas dela significavam qualquer coisa pra mim.
— Gostou? — ela me perguntou.
Eu não iria jogar o jogo dela. Fiquei quieto, fingindo que estava escrevendo algo no caderno.
— Comprei essa saia ontem — disse Zoe — o perfume que estou usando também é novo. Consegue sentir?
Ela colocou o pulso bem debaixo do meu nariz. É claro que quando ela fez isso eu senti. Eu odiava admitir, mas o perfume era agradável. Bem leve, delicado, ligeiramente sensual.
— Passei um creme novo também — ela prosseguiu — e lavei meu cabelo com um xampu de chocolate.
Zoe colocou seus longos cabelos na minha cara. Tentei desviar, mas foi tarde demais. Senti o aroma de chocolate dos cabelos dela.
Aquele cheiro era… maravilhoso. Ela cheirava bem. Zoe era linda, mas e daí? Ela não era linda pelas razões que ela acreditava.
Honestamente, eu não me importava com a nova saia ou com o xampu de chocolate. Só queria que ela sumisse de lá.
Senti tanta raiva que queria empurrá-la da minha mesa e vê-la se esborrachar no chão. Mas eu me neguei a encostar nela. Porque se eu fizesse isso, ela ia ganhar. Eu não queria reagir.
— Esse é meu novo esmalte — ela mostrou as mãos, cheias de anéis e pulseiras — é verde esmeralda. Qual a sua cor preferida?
— Azul — respondeu Yan.
— Fica quieto — eu disse.
— Azul é a sua cor preferida ou a cor preferida do Milo? — perguntou Zoe.
— Do Milo — respondeu Yan — azul escuro.
— Cara — eu disse — não dá corda.
— Legal saber — Zoe deu um risinho — amanhã vou pintar de azul escuro. Vou vir toda de azul pra você. Estou de sombra azul hoje.
Ela mostrou a maquiagem e piscou os olhos graciosamente. Meu coração acelerou um pouco, mas eu também senti raiva de toda a situação.
Ela só se jogava em cima de mim daquele jeito porque sabia que eu fazia força para não reagir. Zoe se divertia fazendo aquilo. E quanto mais eu reagisse, mais eu a deixaria feliz.
Eu não era uma pessoa vingativa. Não queria tornar a vida dela um inferno. Só queria ser deixado em paz.
— Minha cor favorita é verde — disse Orion.
— Que bom pra você, querido — disse Zoe.
— Gostei do seu esmalte — disse Orion — se enjoar de Milo, saiba que eu estou disponível.
— Disponível pra quê, exatamente? — perguntou Zoe, se fingindo de inocente.
— Pra qualquer coisa que você quiser — informou Orion.
— Que prestativo! — zombou Zoe — pra começar, pode me emprestar seu cartão de crédito. Queria comprar umas bolsas.
— É claro — disse Orion — mas antes, queria ver melhor sua saia nova. Poderia levantá-la um pouco mais? Sua amiga Briana mostrou bastante as roupas ontem, mas você não foi tão generosa.
— Você acha que eu sou tão barata assim? — perguntou Zoe — para a sua sorte, estou usando minha calcinha nova. Eu posso te mostrar, mas vai ser bem caro.
Orion tirou a carteira da mochila. Alcançou uma nota de cinquenta reais. Zoe gargalhou.
— Menininho — disse Zoe — isso não compra nem uma bala. Vamos conversar de novo quando você for homem.
— Você vive se jogando em cima do Milo de graça — argumentou Orion — por que eu preciso pagar?
— Todos os homens são apaixonados por mim — disse Zoe — isso é chato. Milo é o único aluno da turma que me odeia. Ele genuinamente me odeia e tem um motivo. Não é fingimento. Eu vejo nos olhos dele. Mas ele não é cego. Ele sabe que sou linda. Ele não é estúpido. Ele enfrenta uma luta interna cada vez que eu mostro minhas coxas. Ele desvia o olhar porque não aguenta. Mas eu já vi um volume nas calças dele, mais de uma vez. Sei que fui eu que causei isso. Eu sei de tudo.
Eu me senti extremamente ofendido. Senti um ódio extremo daquela desgraçada. Ao mesmo tempo, fiquei sem fala e gelei. Tentei responder alguma coisa, mas pra minha desgraça senti meu rosto pegando fogo.
— Ele ficou vermelho — Zoe riu, balançando as pernas de alegria — que fofo! É verdade, não é? Você se excita comigo.
— Que monte de bobagem… — eu disse, olhando pro chão.
— Você nega? — ela me provocou — olha pra mim e me diz que nunca, nunquinha, teve uma ereção por minha causa.
Eu olhei pra ela. Raiva era pouco para descrever como eu me sentia. Ela queria me humilhar, mas não ia conseguir.
— Eu tô cansado — falei — de tudo isso. O que você quer provar, exatamente? Que eu sou heterossexual? E que você é uma mulher? Que perda de tempo… pare de desperdiçar meu tempo e o seu.
— Ou seja, você acabou de admitir que se excita comigo — disse Zoe, triunfante.
— E daí, porra? — perguntei — eu não quero nada com você. Vai dar pro Orion ou pra os outros caras da turma que querem te comer. Me deixa em paz.
— Não — disse Zoe — eu só quero dar minha bocetinha pra você.
Orion segurou o riso, mas conseguiu se conter. Olhei feio pra ele.
— Onde foi parar essa bosta de professor de química? — perguntei, indignado — a gente não tinha uma merda de aula de química agora, caralho?
— Eu não sabia que você gostava tanto assim de química, Mimi — disse Zoe, se divertindo — você quer fazer faculdade de química ano que vem, quando se formar?
— Eu aceito trepar até com o diabo, se você sumir da minha frente — eu disse.
Zoe riu de novo. Eu era um otário. Eu estava jogando o jogo dela.
Subitamente, Zoe saltou da minha mesa.
— Você e essa sua boca grande! — ela disse — o prof de química chegou. Você acabou de conjurá-lo. Maldito feiticeiro! Conversamos mais no intervalo. Vou ficar com saudades.
Zoe piscou para mim e voltou para sua própria mesa.
— Orion — eu disse — dê um jeito de fazê-la se apaixonar por você, para ela me esquecer.
— Ela não é apaixonada por você — comentou Orion — nem vai se achando. Ela só está brincando contigo.
— Sei disso — falei — mas é a mesma merda. Você sabe que eu não posso sair do colégio agora, faltando poucos meses pra terminar o ano. Meus pais iam me matar. Esse colégio não é barato.
— Ela só fala, fala e não faz nada — disse Orion — não te preocupa. Ela nunca encostou em você, né?
— Não — eu disse — mas esse tormento psicológico é quase tão ruim quanto.
O professor de química já estava dando aula, mas continuamos sussurrando.
— E se você aceitar a provocação dela? — sugeriu Yan — tente abraçá-la. Tente beijá-la. Aposto que ela não vai deixar. Diga que se apaixonou por ela. Ela vai te achar chato e vai parar de te perseguir.
— Não vai funcionar — garanti — ela ia perceber que estou fingindo. Que só estou fazendo isso para ela enjoar de mim. Além do mais, eu jamais beijaria a garota que matou Cora.
— Zoe não matou Cora — Orion revirou os olhos — ela não é uma assassina. Ela só fundou um clube ridículo.
— Ela atormentou Cora — eu disse — e por causa das regras ridículas do clube, Cora morreu. Você sabe disso.
— Zoe não obrigou Cora a participar do clube — disse Orion — Cora foi lá de livre e espontânea vontade. E ela estava feliz lá. Por um tempo.
Lembrei do brilho nos olhos de Cora quando ela foi finalmente admitida no Clube 18, depois de muito esforço. Ela finalmente conseguiu fazer parte do grupinho idiota de Zoe. Usava as mesmas roupas que elas usavam. Falava as mesmas gírias. Olhava os mesmos sites imbecis.
Claro que eu queria respeitar os gostos e as opiniões de Cora, pois eu não queria ser controlador. Mas aquilo tomou um rumo péssimo. Alertei Cora várias vezes, mas ela não me escutou. Até que o pior aconteceu.
Apenas lembrar daquela merda me enlouquecia. Foi o pior dia da minha vida, de longe. Chorei muito, fiquei uma semana sem ir para a aula. Voltei parecendo um zumbi. Eu não tinha certeza se estava vivo ou morto.
Até aquele dia, eu ainda ia para as aulas como um zumbi. Eu tinha melhorado um pouco. Até que Zoe começou a me perseguir.
Qual era a dela? Ela não gostava de ver as pessoas felizes. Ela era invejosa. Só tinha aquele clube para controlar as outras garotas.
Quando a aula de química terminou e o intervalo começou, Zoe me barrou na porta.
— Vamos conversar — disse Zoe — agora.
— Não — falei.
Saí da sala e tentei entrar no banheiro. Ela me barrou na porta do banheiro também.
— Vai se esconder o intervalo inteiro no banheiro masculino? — perguntou Zoe — só porque não posso entrar? Covarde.
— Eu só quero mijar — falei — sai da frente!
Elevei um pouco o tom de voz e ela saiu. Até porque havia outras pessoas que queriam entrar no banheiro e ela estava no caminho.
Depois que eu mijei, fui até o bar do colégio comprar um lanche. Comprei um cachorro-quente e um refrigerante. Já ia começar a comer quando Zoe chegou, como um raio.
Ela fingiu tropeçar em mim. Zoe derrubou todo o conteúdo do copo na minha camisa e meu cachorro-quente caiu no chão, espalhando salsicha, molho e batata palha por todo lado.
— Ops — ela sorriu — foi um acidente.
Senti ódio daquela vadia e pena de mim mesmo. Eu não tinha mais dinheiro pra comprar outro lanche. Apenas recolhi o conteúdo do chão com um papel e joguei no lixo. Minha camiseta estava toda molhada. O que eu ia fazer?
Pelo menos consegui despistar Zoe naquele momento. Fui para uma parte bem afastada do pátio do colégio. Não havia ninguém lá. Sentei no chão e comecei a chorar.
Eu estava com sono, cansado, com fome. Estava com frio, com a camiseta molhada e com cheiro de refrigerante. Eu só queria que aquele pesadelo terminasse.
Chorei tanto até meus olhos ficarem vermelhos. Escutei o sinal do fim do intervalo, mas não me movi.
Eu não podia voltar para a sala naquele estado. Qualquer um que olhasse pra minha cara saberia que eu tinha chorado. Mas eu também não podia voltar pra casa, pois meu material estava na sala. Minha carteira. Eu estava sem dinheiro para voltar.
Então resolvi continuar lá naquele canto do pátio até o fim da aula. Quando o sinal tocou novamente, corri para a sala, para ver se conseguia pegar o meu material quando todo mundo tivesse saído.
Infelizmente o pior cenário aconteceu. Achei que pelo menos meus amigos seriam capazes de proteger minha mochila até eu retornar. Mas quando voltei para a sala, havia apenas uma única pessoa: Zoe.
Era tarde demais. Ela havia rasgado meu caderno e meu livro. Tinha derramado suco na minha mochila. Tirou tudo o que havia na minha carteira e estava segurando minha identidade, triunfante.
— Pobre garotinho — zombou ela — está sofrendo bullying da menina má. Coitadinho…
— Vou comunicar os professores — ameacei — e a diretora da escola. Você vai se foder.
Ela não gostou. Terminou de picotar as páginas do meu caderno com minha tesoura. E depois avançou até onde eu estava, com a tesoura na mão.
— Essa tesoura não tem ponta — observei — você não pode me machucar.
— Mas posso cortar suas roupas com ela — ela observou.
Ela me encurralou contra a parede. Ainda sem encostar em mim, ela ameaçou cortar minha camiseta.
— Tá com medo? — ela sorriu.
— Não — eu disse — só tô cansado. Quero voltar pra casa e dormir.
— Dormir? Pare de falar essas coisas patéticas. Eu sei porque você não dormiu essa noite: por minha causa.
— Verdade — admiti — você conseguiu o que queria. Vamos fazer um acordo: eu não vou comunicar a diretora sobre o bullying se a partir de agora você me ignorar. Que tal?
— Eu não consegui o que eu queria.
— O que você quer? — perguntei, embora não tivesse tanto interesse em saber — quer que eu me apaixone por você? É claro que não vai acontecer. Essa sua atitude ridícula está tendo o efeito oposto.
— Eu sei. Mas você ainda não me odeia o bastante. Quero que me odeie mais.
— Por quê?
— Porque… eu já tenho tudo. Eu tô entediada. Sou linda, os homens me desejam, as mulheres me invejam e me veneram. Tenho dinheiro. Sou jovem. Porra, eu já conquistei tudo. Isso é chato. Eu não tenho mais desejos.
— Merda — falei — sinto muito que você se sinta… assim? Vá conversar com um… psicólogo? Sei lá? Não desconte em mim? Largue essa tesoura, caralho?
Zoe começou a rir. Ela riu muito, de um jeito poderoso e sensual. Porra, como ela era linda…!
Depois disso, ela parou de rir. E começou a chorar.
Fiquei em choque. Acho que eu nunca tinha visto Zoe chorar. Não sei se ela era do tipo que sabia derramar lágrimas forçadas, pra comover alguém. Mas parecia genuíno. Ela estava realmente chorando.
Zoe sentou no chão e continuou chorando ainda mais. Acabei sentando no chão também, porque eu estava cansado de ficar em pé, contra a parede.
— Posso ir embora? — perguntei — eu sei que você tem problemas, então eu vou pegar minha mochila e sair daqui quieto. E a partir de amanhã você não me incomoda mais. Combinado?
Sinceramente, eu fiquei um pouco assustado, depois daquilo tudo. Achei que era mais seguro sair do colégio mesmo. Eu ia ter que conversar com meus pais naquela noite.
— Não me deixa sozinha… — ela pediu, em meio a soluços.
Ela achava que eu ia me comover com aquilo? Tudo bem, era tentador ajudar uma menina linda que estava chorando, mas… porra. Acho que qualquer um iria concordar que eu era a vítima da situação e poderia me mandar sem culpa nenhuma.
— Você chorou também, né? — perguntou Zoe — no intervalo. Seus olhos estão vermelhos.
— A culpa foi sua — eu disse.
Zoe pegou a tesoura de novo. Ela segurou a ponta da minha camiseta e ameaçou cortar.
— Quero ver se você tem coragem — eu disse — é só uma camiseta, grande merda. Mas você vai ter que me pagar depois.
— Assim como eu vou ter que pagar pelo seu caderno, seu livro, sua mochila e o resto que destruí? — ela perguntou, com um sorrisinho.
Bem, eu não tinha como obrigá-la a pagar. E eu já estava tão cansado de tudo aquilo que até comunicar um professor, a diretora ou usar meios legais parecia demorado e cansativo.
Se eu conseguisse, não queria envolver outras pessoas naquela situação. Queria resolver somente entre eu e ela. Afinal, já éramos adultos. Tanto eu quanto ela já tínhamos 18 anos. Legalmente adultos, pelo menos.
— Vou abrir o botão e o zíper do seu jeans — ameaçou ela.
— Se você fizer isso, eu te mato — falei.
O sorriso dela se alargou.
— E como exatamente você me mataria? — ela perguntou.
— Eu poderia te jogar da janela — sugeri — e fazer parecer que foi um acidente. Ou suicídio.
— Será que esse colégio tem câmeras?
— Pior pra você se tiver — eu disse — vão ver tudo isso.
Zoe levantou-se.
— Isso tá muito chato — ela disse — talvez devêssemos continuar isso outro dia, em outro lugar. Pra ficarmos mais à vontade.
— Eu não quero continuar.
— E quem perguntou o que você quer? Seu virgem fresco.
— Eu não sou virgem — falei.
Zoe me ignorou e saiu batendo a porta. Até que enfim eu tinha me livrado dela. Por um tempo.
Peguei minha mochila. Se eu lavasse em casa, ainda dava pra salvar. Mas joguei no lixo meu caderno e meu livro didático.
Felizmente minha carteira e tudo que tinha dentro dela estava sã e salva.
Voltei pra casa. Contei a história pro meu irmão.
— Que fodido — disse Gaspar — mas nem pensa em sair do colégio. O pai e a mãe não vão deixar. Eles fizeram o maior esforço pra pagar. Só aguenta.
— Eu nunca quis estudar lá — falei — odeio aquele lugar.
— A faculdade não vai ser muito melhor — alertou Gaspar.
Ele estava na faculdade. Eu acreditava.
— Eu sei que a vida só vai ficando pior — falei — colégio, faculdade, trabalho, velhice, doenças, morte.
— Fantástico resumo da vida — zombou Gaspar — pelo menos no meio disso tem Doritos.
— Odeio Doritos — falei.
— Cara, é esse seu problema. Você não gosta de merda nenhuma. Vá arrumar um hobby pra tornar sua vida mais suportável.
— Eu tinha uma pessoa importante — argumentei — e aquela puta tirou ela de mim.
— Você tem seus amigos — disse Gaspar.
— Orion e Yan? — perguntei — eles nem serviram pra salvar minha mochila hoje.
— Vai lá jogar videogame com eles pra esfriar a cabeça.
— Não tô no clima pra isso.
Fui pro meu quarto. Joguei minha mochila no chão e sentei na frente do computador. Contei pros dois a história toda.
YAN: Isso foi meio assustador.
MILO: Eu não tenho medo dela. Só tô de saco cheio.
ORION: Ela está muito perto de cometer um crime. Espera até ela botar fogo no seu quarto e denuncia ela pra polícia.
MILO: Claro, só vou esperar ela arrancar um braço meu e me matar.
ORION: Do jeito que a coisa tá, é mais provável que ela arranque o teu pau.
YAN: Parabéns, Milo. Você tem uma stalker. E ela é mulher. Bonita ainda por cima. E perigosa. Estou com inveja.
MILO: Pode ficar com ela. Eu tô exausto.
ORION: Você não é bonito. Então por que ela te persegue tanto?
MILO: Não me enche. Não quero mais falar dela.
YAN: Vamos ver um filme de terror?
MILO: Tô cansado dos filmes trash do Yan.
ORION: Do que você não tá cansado, Milo?
MILO: Eu queria dinheiro. Dinheiro resolve qualquer problema. Se eu tivesse dinheiro, me mandava daquele colégio. Me mudava até pra outra cidade, pra nunca mais ver a cara daquela vaca.
YAN: Então trabalha, ué.
MILO: Boa ideia. Vou fazer isso mesmo.
Não seria uma má ideia pra me distrair, contanto que o trabalho não me deixasse mais deprimido do que a própria Zoe.
Eu já tinha um currículo pronto. Dei umas modificadas e enviei para uns vinte lugares diferentes, por email. Agora era só esperar, para ver se alguém me retornava.
Fui para a aula no dia seguinte. Não fiquei surpreso quando vi Zoe toda de azul. Não fiquei impressionado. Nem olhei na direção dela.
Mas é claro que ela foi me visitar. Ela sentou na minha mesa novamente, como da outra vez.
A roupa azul também deixava as coxas dela à mostra. Deixava porções generosas de pele bem visíveis. Zoe se divertiu descrevendo para mim todo o esforço que ela tinha feito naquela manhã para estar tão linda na aula.
— Acordei quatro da manhã pra me produzir — ela me informou, com orgulho.
— Pra se produzir pra mim? — perguntei, sem acreditar — você não tem mais o que fazer?
— Não — disse Zoe — minha vida toda se resume em me tornar inesquecível pra você.
— Você já é inesquecível pra mim — falei — desde que matou a Cora. Não precisa se esforçar mais. Vou te amaldiçoar até o maldito fim. Se depender das minhas maldições, pode ter certeza que você vai pro inferno.
Ela riu.
— Eu não matei aquela menina idiota — disse Zoe — ela morreu porque foi estúpida.
— Ela morreu porque seguiu as suas regras — eu disse.
— Eu também sigo minhas próprias regras — informou Zoe — todos os membros do Clube 18 seguem. Que entrar para o clube também?
— Nem morto.
— Pensei que seu clube era só pra meninas — observou Yan.
— Ele é — disse Zoe — mas se for Milo, posso abrir uma exceção. Afinal, eu sou a líder. Eu faço o que quero. Se eu quiser mudar o nome pra Clube 19, eu posso mudar também.
— Se você tivesse mudado o nome do clube antes, Cora não teria morrido — comentei, pateticamente.
— Você acha que todos os seus problemas estariam resolvidos se Cora estivesse viva — disse Zoe — é isso?
— É — falei — mas ela precisaria estar viva e fora do seu clube.
— Todo mundo sabe que as meninas mais populares do colégio são membros do Clube 18 — disse Zoe — de que adianta estar viva e ser uma perdedora?
Eu lembrava que Cora já tinha dito algo parecido. Aquele comentário me trouxe lembranças ruins.
— Seu clube é… maligno — falei.
Zoe gargalhou.
— Sou a rainha — disse Zoe — eu sou venerada. Dentro do clube e fora dele. As meninas fazem tudo o que eu mando. E os rapazes babam por nós. Como vocês três estão babando agora.
— Brilhante, mas só tem um problema — observou Orion — quem vai ser a nova rainha quando você se formar? A 17?
— É claro — disse Zoe.
A 17 estava no segundo ano. Então ainda iria reinar por um ano quando Zoe fosse embora.
— E ela vai mudar o nome do clube para Clube 17? — perguntou Orion.
— O que ela vai fazer ano que vem não é problema meu — disse Zoe — porque eu vou fundar meu próprio clube novo na minha faculdade de moda.
Eu tinha ouvido falar que Zoe queria fazer moda na faculdade. Pensando bem, combinava perfeitamente com ela.
A ideia de que eu não sabia o que eu queria fazer da vida e uma pessoa horrível como Zoe tinha tanta certeza do próprio futuro me dava muita raiva. Por que nada bom acontecia na porra da minha vida? Meu passado, presente e futuro pareciam eternamente condenados.
— Por que você não muda o nome do seu clube pra Clube 17 agora? — provocou Orion — porque provavelmente você teria que ser expulsa do próprio clube se fizesse isso?
Zoe não gostou do comentário. É claro que ela ficou ofendida. Mas eu não achava que usar esse argumento para ofendê-la era algo bom. Aquela conversa toda era doentia.
— O nome é Clube 18 porque é o Clube da Princesa — informou Zoe, como se fosse óbvio — porque 18 é o número da princesa.
Eu revirei os olhos. Zoe olhou pra mim.
— Sabia que você fica muito fofo quando me trata feito lixo? — Zoe me disse — porque todos me tratam como princesa. Eu sou bela como uma princesa. Bonita como uma boneca. É disso que o mundo precisa: de bonequinhas lindas.
— Jesus Cristo — Orion riu — que mulher assustadora. Ela fundou a própria seita. Aí está a santa que a Geração Z precisa.
— A Geração Z se importa mais com autenticidade e privacidade do que em ser a musa da internet — observei.
— Na verdade, nós quase fomos geração alfa — disse Zoe — por poucos anos. Tem muita gente ridícula na geração Z. Tem gente ridícula em todas as gerações.
— Menos você — eu disse — porque você sabe mais.
— É claro que eu sei mais — disse Zoe — eu sei jogar o jogo.
Ela sabia jogar o jogo bem demais. A ponto de me fazer vomitar. Ela era a prova viva de tudo o que eu mais odiava no mundo.
É claro que eu mesmo tentava jogar o jogo, para sobreviver. Senão eu não me levantaria todas as manhãs para ir para aquele colégio horrível. Assistir aulas imbecis. Que escolha eu tinha?
Eu devia apenas engolir aquele remédio de gosto ruim e fingir que estava tudo bem. Aquele remédio gosmento chamado Zoe.
Ela sorriu pra mim. Por que meu coração se mexia quando ela sorria daquele jeito? Por que meu corpo era tão burro?
Felizmente eu ainda tinha um pouco de razão sobrando pra me controlar.
Foi então que eu reparei no braço esquerdo de Zoe. Havia alguns cortes nele. Senti um frio na espinha.
Ela percebeu o meu olhar. Mas não se alterou.
— Não é o que você está pensando — disse Zoe — eu não sou cutting. É só uma brincadeira do Clube 18.
Lembrei do braço de Cora. Meu Deus. Ela também já tinha feito aquilo.
O que… significava?
— Não me diga que… merda — eu disse.
— Não é fácil ser uma princesa, Milo — disse Zoe — nós precisamos abdicar do nosso corpo, da nossa carne. Às vezes da nossa própria vida.
E com essa frase de efeito, a princesa azul levantou-se da minha mesa.
A aula de geografia começou. Eu queria acreditar que Zoe era maluca. Mas talvez ela não fosse tão maluca assim.
Talvez o mundo todo fosse doente mesmo e ela só estivesse tentando sobreviver. Mas isso não dava passe livre pra ela fazer o que queria. Ela estava manipulando muitas garotas para algo extremamente perigoso.
Mas eu não era um santo. Eu não tinha intenção nenhuma de salvar nenhuma daquelas garotas. Eu não consegui salvar a única menina que tentei salvar. Eu não era um herói e cansei de tentar ser um.
No intervalo, avistei 17 conversando com Zoe no corredor. Eu não queria tentar escutar a conversa, mas infelizmente escutei.
— Ela é uma 19 agora, então ela está expulsa do clube — disse Zoe — pode tirá-la de lá.
— Mas ela não quer sair… — argumentou 17.
— Pode deixar que eu a arrasto para fora — disse Zoe.
Ela entrou na sala. Não restou muito espaço para conversas. Zoe saiu de lá puxando uma menina linda pelos cabelos.
Não satisfeita com isso, Zoe jogou-a no chão.
— Nunca mais entre nessa sala de novo — disse Zoe — você não é mais uma de nós.
A garota começou a chorar forte.
— Por favor… — ela disse — prometo que voltarei a ser 18 em poucos dias…
— Não — disse Zoe — acabou.
Ela chorou mais. Zoe, 17 e as outras meninas do clube a ignoraram. Elas simplesmente saíram de lá, como se fossem as rainhas do corredor. Uma mais perfeita e maravilhosa que a outra. Não havia um único fio de cabelo fora do lugar, enquanto a menina no chão se acabava de chorar.
Eu já tinha visto uma cena parecida antes. E eu sabia que não devia ajudar a menina no chão.
Cansado, cansado. Cansado de existir naquele mundo. Cansado de estar perto daquela merda chamada Zoe.
Quando o intervalo terminou, contei a cena para meus dois amigos. Eles não ficaram impressionados.
— Ninguém olha mais — disse Yan — já vimos essa cena várias vezes.
Aquilo era verdade. Ninguém nem parou para olhar. Não era mais novidade.
Quando a aula terminou, é claro que Zoe continuou a me perseguir.
— Vamos sair juntos hoje? — ela propôs — como num encontro?
— Não — falei, curto e grosso.
— Por que não?
— Saia com qualquer um dos dezenas de caras que babam por você — sugeri.
— Você baba por mim também — observou Zoe.
Não me dei ao trabalho de negar isso.
— Você é gostosa — admiti — mas e daí?
— Para a maior parte dos homens isso basta.
— Você é maligna.
— Alguns caras acham isso sexy — ela disse.
— Às vezes é sexy — concordei — mas você passa do ponto.
— Se eu não passasse do ponto, eu seria poser — argumentou Zoe — eu sou a coisa real.
— Então você se orgulha de ser autêntica? — perguntei — de não ser falsa?
— Ah, eu sou falsa quando isso é conveniente pra mim — explicou Zoe — ser falsa também faz parte da maldade. E ironicamente também é parte da minha autenticidade, por mais contraditório que pareça.
— Eu duvido que você tenha pensado tão longe — falei — você só faz qualquer merda porque está a fim. Porque você é do mal, psicopata, sei lá. Não sei o que você é e não tenho interesse em saber.
Eu não queria alongar aquela conversa. Tentei caminhar na direção oposta quando saí do colégio, mas ela continuou indo atrás de mim.
— Posso ir pra sua casa? — ela perguntou — deitar na sua cama?
Desisti de ir pra casa. Eu não queria que ela soubesse onde eu morava. Se é que ela já não sabia.
— Se a gente sair num encontro hoje, você desiste de ir pra minha casa? — perguntei.
— Sim — disse Zoe — depois do encontro, voltarei para minha própria casa, comportadinha.
— Tá bom — falei, derrotado — pra onde você quer ir?
— Hmmm — disse Zoe, fingindo pensar — cinema?
— Que filme você quer ver?
— Sei lá — ela disse — tanto faz.
— Qual cinema?
— No shopping. Porque tem ar condicionado.
E lá fomos nós esperar um ônibus na parada de ônibus.
Era uma cena esquisita. Eu me neguei a acreditar que aquela merda estava acontecendo comigo. No dia anterior ela fez bullying comigo, derrubou meu lanche na minha camiseta e picotou o meu caderno. E naquele dia estávamos indo ao cinema!
De certa forma, eu enxergava aquilo como uma continuação do bullying. Ela só podia estar tramando algo. Eu só não queria que ela fizesse uma cena no shopping ou no cinema.
Fitei Zoe desconfiado. Ela mexendo no celular enquanto aguardava o ônibus fazia com que parecesse uma adolescente quase normal.
Eu precisava admitir que ela ficava linda com roupas num tom azul escuro. Mas minha opinião era tendenciosa, já que aquela era minha cor preferida.
Ela tinha feito de propósito. Tudo calculado para me conquistar. Mas eu não podia ir tão fundo no jogo dela. Eu só jogaria o estritamente necessário. Eu não queria admitir que ela me tinha na palma da mão.
Não. Eu ainda não sabia qual era o objetivo real dela. Talvez ela tivesse um objetivo.
Ela me viu olhando pra ela e deu um sorrisinho. Merda.
— Pra qual parte do meu corpo você tá olhando? — ela perguntou, num tom malicioso.
Não adiantava dizer que eu não estava olhando.
— Bunda ou peitos? — perguntou Zoe — homens são previsíveis, então só há duas respostas possíveis.
— Eu estava olhando seu rosto — respondi, sinceramente.
— Mentiroso.
Eu odiava que me chamassem de mentiroso. Senti um pouco de raiva.
— Você parecia concentrada — falei — apenas uma menina normal checando as redes sociais no celular. Se eu não te conhecesse, poderia te achar bonitinha e inocente.
— Prefiro ser sexy e malvada do que bonitinha e inocente.
— Isso eu já percebi.
Ela colocou a língua pra fora e deu uma piscadinha pra mim. Depois disso, voltou a atenção para o celular, enrolando uma mexa de cabelo nos dedos.
Nenhum movimento dela era por acaso. Por alguma razão, aquilo funcionou comigo. Eu achava realmente sexy quando ela mexia nos próprios cabelos.
— Você tem um piercing na língua — observei, como quem não quer nada.
Eu nunca tinha reparado naquilo antes.
— É bom pro sexo oral — disse Zoe — adoro chupar um pau e sou muito boa nisso.
Eu não achava que ela estivesse inventando. Devia ser verdade. Zoe era muito bonita e podia ter o cara que ela queria.
Mas eu senti que, para minha segurança, era melhor encerrar aquele assunto por ali mesmo. Era melhor não dar corda, porque eu estava lidando com uma pessoa perigosíssima. Qualquer coisa que eu dissesse seria usada contra mim.
— A capa do seu celular é meio chamativa — observei — é rosa com brilhos. Você gosta de rosa?
— Está tentando mudar de assunto, espertinho? — ela sorriu de novo — tá bom, vou ser boazinha com você. Minha irmã me emprestou essa capinha de celular. A minha anterior era vermelha, que é minha cor preferida. Mas eu estraguei minha capa e ainda não comprei uma nova. Quer comprar uma nova pra mim?
— Não — respondi, secamente — nem sabia que você tinha irmã. Como você estragou?
Então ela também sabia ter conversas normais. Eu nem sabia porque eu estava conversando com ela. Bom, era melhor conversar do que ouvir Zoe tentando adivinhar para qual parte do corpo dela eu estava olhando.
— Eu estava com raiva, então atirei meu celular na parede — respondeu Zoe, naturalmente — já quebrei dois celulares fazendo isso. Tive sorte, pois dessa vez foi só a capinha.
Quase me arrependi de ter perguntado. A conversa normal tinha terminado.
— Por que você tem tanta raiva? — perguntei — você toma algum medicamento que te deixa com esses efeitos colaterais? Tem dificuldade pra dormir?
Eu sabia que minha pergunta era uma invasão de privacidade. Mas como ela não tinha o mínimo respeito pela minha privacidade, eu não precisava ter pela dela, mesmo que eu não estivesse tão curioso assim.
— Eu tomo um monte de coisa — ela disse — antidepressivo, remédio pra dormir, pílula… e já devo ter tomado quase todos os remédios pra emagrecer que já saíram no mercado.
— Pílula… — repeti, como um idiota.
Até eu tinha curiosidade de saber com qual cara ela andava fazendo sexo atualmente, pra precisar tomar pílula. Eu nunca tinha ouvido falar que ela tivesse um namorado. Só ficantes. Mas, novamente, o que eu sabia da vida dela? Só rumores.
Ela era sempre assunto no colégio, já que meus colegas gostavam de fofocar sobre as garotas bonitas. Eu acabava escutando uma coisa ou outra, mesmo que preferisse tapar os ouvidos ou usar fones.
— É — ela disse, orgulhosa — diferente de você, eu faço sexo.
— Eu desconfio de pessoas que se gabam de fazer sexo — observei — na minha experiência, pelo menos entre os caras, quanto mais alguém se gaba de ir pra cama, significa que é bem menos experiente do que parece.
— Oh, não sabia que você era tão entendido do assunto — ela brincou — eu tenho 99% de certeza de que você é virgem.
— Eu já disse que não sou — falei, cansado daquele tópico. Não adiantava nada dizer que aquilo não era da conta dela — eu já tive namorada.
— Isso não significa nada — disse Zoe — sua ex-namorada era outra virgem perdedora. Eu nunca tive namorado, mas já fiz sexo dezenas de vezes.
Fiquei meio surpreso com a revelação súbita.
— Só dezenas de vezes e não centenas? — brinquei — não sabia que você ainda estava na fase de estar contando. Mas por que nunca teve namorado? Ninguém te aguentou? Nenhum cara teve coragem de encarar o monstro? Eu entendo porque um homem quer fazer sexo com você. Sexo casual é uma coisa. Outra bem diferente é namorar uma mulher fria, egoísta e sem sentimentos. O seu namorado teria que te comprar um celular novo por mês, cada vez que você quebrasse um.
— Até que você está bem falante hoje — ela comentou, com alegria.
Ela não pareceu se irritar com meus comentários. Pelo contrário. A tentativa dela de dialogar comigo estava funcionando perfeitamente.
Antes que ela falasse mais, nosso ônibus chegou. É claro que Zoe subiu primeiro. Ela estava com uma saia curtíssima e eu vi brevemente a calcinha dela quando ela subiu.
Senti um arrepio. Eu tinha quase certeza que a calcinha dela também era azul escura.
Meu Deus, será que ela tinha mostrado a calcinha pra mim de propósito? Será que ela era tão habilidosa assim, a ponto de ser capaz de mostrar a calcinha brevemente, a ponto de parecer acidental?
Mas Zoe não era tão ousada assim. Se ela fosse mais, estaria sem calcinha. Sim, esse pensamento se passou pela minha cabeça. Ela estava me deixando maluco.
Zoe passou pela roleta e levantou a bolsa, deixando mais porções do seu corpo perfeito visíveis. Os cabelos dela balançando. Ela olhando brevemente pra mim, com um sorriso brincalhão.
Precisei me conter. Fingi que nada daquilo me afetava. Passei pela roleta e sentei ao lado dela no banco que ela escolheu.
— Você sentou do meu lado — ela observou, como se aquilo fosse incrível.
— Não era pra eu sentar? — perguntei.
— Claro que sim, fiquei muito feliz! Só fiquei meio surpresa.
— Achei que isso fosse um encontro — comentei — então era o mínimo que eu podia fazer.
— Você é um cavalheiro — disse Zoe — agora fiquei com inveja de Cora. Eu não acredito que vocês dois tenham feito sexo. Vocês só namoraram por alguns meses e vocês dois são tímidos. Mas eu sei que vocês se beijaram. Também devem ter tido outras liberdades que eu não tenho com você. Outros tipos de toques.
— Eu e Cora fizemos sexo — falei — mais de uma vez.
— Não foi o que escutei — falou Zoe — seu amigo Orion me disse que Cora sentia dor no momento da penetração. Vocês tentaram algumas vezes, mas você nunca chegou a penetrá-la. Pra mim, isso ainda classifica vocês dois como virgens.
Eu fiquei furioso.
— Você deu pro Orion pra ele contar isso pra você? — perguntei, irritado.
— Seu amigo é muito barato — disse Zoe — ele se vende por muito menos que isso.
— Que traidor — comentei.
Eu nunca considerei Orion e Yan grandes amigos meus. Eles eram só amigos de colégio. Mesmo assim, achei sujeira ele ter contado aquilo pra minha arqui-inimiga. É claro que ela usaria aquela porra de informação contra mim.
— Eu nunca entendi porque você tem tanto interesse em mim e na minha vida sexual — falei — eu não sou exatamente um cara popular.
— Deve ter sido o melhor dia da sua vida quando você finalmente arranjou uma namorada, né? — provocou Zoe — você nunca achou que uma mulher de carne e osso ia dar bola pra você.
Eu fiquei quieto.
Aquela desgraçada estava certa: sim, foi o melhor dia da minha vida quando eu e Cora começamos a namorar. Talvez tenha sido a única coisa boa que aconteceu naquela minha vida de merda.
Mas é claro que Zoe tinha que estragar tudo. Porque ela não aguentava ver ninguém feliz.
Eu era um adolescente tímido de aparência mediana. Então até o ano anterior eu realmente cheguei a cogitar que ficaria solteiro para sempre. Houve uma época que era até mesmo difícil pra mim conversar com mulheres. Eu ficava muito nervoso.
Obviamente, Zoe percebeu o menino quietinho que sentava no fundo da sala. Um alvo fácil de bullying. Ela já fazia alguns bullyings em mim desde aquela época.
Mas foi só depois que Cora e eu começamos a namorar que o bullying começou a ficar mais violento. E depois Cora entrou para aquele clube maldito… e a coisa só foi ladeira abaixo.
Zoe era uma pessoa terrível, mas havia aquele brilho irresistível nela… era difícil não ser enfeitiçado.
— Mas Cora era tão feia, coitada… — disse Zoe — ela tentou ficar bonita quando entrou no clube, mas não conseguiu. Mesmo depois de todas as dicas de moda que demos para ela.
— As suas dicas de moda eram apenas dicas para morrer mais rápido — observei, com desagrado.
Zoe riu.
— Talvez — disse Zoe — mas é melhor ser um cadáver bonito do que andar por aí poluindo o mundo visualmente com feiura.
— Sabe por que eu não te culpo mais pela morte da Cora? — perguntei — sim, foi culpa sua, mas você mesma é uma pessoa desequilibrada. Apesar de toda essa pose, eu sei que você é profundamente infeliz. E você não aceita ver outros felizes. Eu sinto raiva de você, mas também sinto pena.
— Eu também sinto pena de você — disse Zoe — porque você é feio, solitário e perdedor. Por isso estou te dando atenção: por pena.
— Você mente mal — falei — sim, eu sou solitário e perdedor. Mas não sou tão feio assim. E Cora também não era feia. Fala sério, Zoe. Você não é cega.
Dessa vez fui eu que calei a boca dela. Uma pequena vitória.
— OK, eu admito — disse Zoe — Cora não era feia, mas você vai ter que confessar que eu sou muito mais bonita que ela.
— Objetivamente falando, talvez você seja uma das mulheres mais lindas que eu já conheci — eu me permiti esse comentário, embora ela não merecesse — mas você tem um tipo tradicional, clássico de beleza. Uma beleza de modelo. Cora tinha um outro tipo de beleza, que era único. Pra mim, ela sempre vai ser a menina mais bonita de todas.
— Como você é fofo! — disse Zoe — o namorado ideal! Eu adoraria ter um namorado que me dissesse essas coisas lindas. Ou será que você só a chamou de feia de forma educada? Não se preocupe, ela já está morta. Não vai ouvir você.
— Cala a boca — falei, com raiva — a sua má educação e falta de respeito te tornam feia. Não importa o quão bonita você seja por fora. Sim, eu acho que Cora era linda! Você pode até ser mais bonita que ela, mas não “muito mais” bonita.
— É difícil competir com uma santa morta — falou Zoe — mas vou aceitar seu elogio. Em troca, também vou admitir que você não é feio. Mas, me desculpa, você não está entre os meninos mais bonitos da classe.
— Eu nunca disse que estava — defendi-me.
— Eu, por outro lado, sou a mais bonita da nossa sala.
— Há controvérsias…
— Controvérsias o caramba! — exclamou Zoe — quem você acha que é mais bonita que eu?
Fingi pensar. E eu realmente pensei naquilo por um momento.
— Viu só? — comentou Zoe, triunfante — tem outras meninas bonitinhas na nossa turma, mas nenhuma delas nem chega perto de se esforçar o tanto que eu me esforço.
— Tem razão, nenhuma delas acorda de madrugada pra se maquiar, arrumar o cabelo e se produzir por horas apenas para tentar impressionar o aluno perdedor — comentei.
— É, talvez eu esteja exagerando um pouco — reconheceu Zoe — você iria se apaixonar por mim de qualquer forma, mesmo que eu só fizesse metade do esforço.
— Eu nunca vou me apaixonar pela garota que matou minha ex-namorada — falei — não faz sentido eu gostar da minha stalker que derrama meu refrigerante na minha camiseta e arranca as páginas do meu caderno.
— Você já está apaixonado por mim — disse Zoe — como você mesmo disse, eu não sou cega. Eu vejo como você me olha. Por que você não tira essa mochila do seu colo para darmos uma olhadinha no que está acontecendo?
— Eu não tenho o poder de deter todas as reações do meu corpo, mas eu tenho o poder de resistir às suas investidas estranhas — falei — eu só aceitei sair nesse encontro hoje pra você não surgir na minha cama de madrugada. É melhor manter sua palavra.
— Vai ser apenas um encontro fofo e inocente, eu juro!
— Por favor, não jure.
Vê-la falar daquele jeito era ainda mais assustador.
Finalmente nossa parada chegou. Descemos no shopping e fomos até a bilheteria do cinema. Observamos as opções de filmes em cartaz.
— Tem algum filme bem tarado, com muito sexo explícito? — Zoe perguntou exatamente isso para o moço da bilheteria.
Eu me afastei dela. Não quis escutar o resto. Eu não queria que ninguém descobrisse que eu a conhecia, para não passar vergonha.
Quando Zoe voltou, eu perguntei.
— É esse seu encontro fofo e inocente? — perguntei — não me desaponte. Isso já começou mal.
— Ah, eu sei que no fundo você adora quando eu falo putaria, por mais que tente bancar o santinho! — Zoe sorriu — eu já escutei algumas conversas suas com seus amigos. Ou talvez eu já tenha entrado nas suas redes sociais e lido suas conversas também.
Resolvi não perguntar se ela tinha comprado aquelas informações de Orion. Eu já estava acostumado a ter minha vida pessoal totalmente invadida por ela.
Mas havia limites. Ela já tinha ultrapassado vários deles. Mas não o bastante para eu me dar ao trabalho de dar queixa na polícia. Ainda.
— Diga logo qual filme você quer ver — falei, exausto.
O encontro mal tinha começado e eu já estava mentalmente esgotado. Principalmente depois daquela conversa pesada no ônibus.
— Já comprei os ingressos — ela me mostrou, triunfante — é um romance com putaria leve.
— Ahh… que pena…
— A gente só vai poder assistir pornô juntos quando eu for dormir na sua casa — ela explicou — ou quando você for dormir na minha.
— Nós tínhamos combinado que isso nunca iria acontecer.
— Não me lembro de prometer isso — falou Zoe — eu só disse que, em troca do encontro de hoje, não irei dormir na sua casa hoje. Mas eu não falei nada sobre os outros dias.
Merda. Bom, eu não devia ficar surpreso. Ela não desistiria tão fácil de mim. Ela odiava perder.
— Como eu faço pra me livrar de você pra sempre? — perguntei.
— Bem, se você me odeia tanto assim… há uma forma.
— Há? — perguntei, meio interessado.
— Se você fizer sexo comigo, eu nunca mais te incomodo — falou Zoe — só precisa fazer uma vez. Prometo que depois disso, eu desapareço.
— Quê…?
Ela estava mesmo falando sério? Eu olhei pro chão.
— Não confio em você — eu disse.
— Te dou minha palavra — ela disse, muito séria — mas vai ter que ser a coisa completa. Com penetração. E sexo oral também.
Senti uma pulsação imediata entre as pernas e coloquei a mochila na minha frente.
— Não fale tão alto… em público! — eu disse — você está me deixando nervoso!
— Adoro quando você fica “nervoso” — Zoe deu um risinho atrevido — e aí? Você topa? Podemos fazer nessa noite mesmo. Depois disso, prometo que você nunca mais vai ver minha cara.
— Que nem o seu juramento de que o encontro de hoje seria fofo e inocente… — observei.
— Eu já encostei em você alguma vez?
— Não diretamente — falei.
Eu com certeza teria lembrado. Fora as ocasiões em que ela atirou o cabelo na minha cara pra eu sentir o xampu de chocolate e sentou muito perto de mim, em cima da minha mesa da sala.
Mesmo quando ela praticava bullying, no máximo ela esbarrava em mim. Nada sexual.
Mas nada daquilo importava.
— Zoe… eu não vou fazer sexo com você de jeito nenhum — falei — isso está fora de cogitação.
— Você disse meu nome…! — ela disse, surpresa e encantada — você está tão sério agora!
— Porque eu quero que você escute com atenção — prossegui — nada de sexo. Nada de beijo. Nada de namoro.
— Que sem graça — ela disse — isso significa que ainda vou ficar na sua vida bastante tempo. Com certeza tempo o bastante para te fazer mudar de ideia.
— Você é surda? Eu disse que…
— Zoe! Você por aqui!
Alguém me interrompeu. Era um aluno do nosso colégio, de outra turma. Ele era tão popular que até mesmo um ninguém como eu sabia o nome dele: Vance.
Zoe era a garota mais popular do colégio e Vance era o rapaz mais popular. Ele também era do terceiro ano. Eu já tinha visto os dois juntos várias vezes. Eles com certeza já tinham ficado.
Eles pareciam ser bastante íntimos, pois Vance a cumprimentou com um abraço e um beijo no rosto. Além disso, mesmo após o cumprimento, Vance botou o braço em volta da cintura de Zoe e não o tirou de lá. Ele a trouxe para perto.
— Não acredito que você saiu num encontro com esse bostinha! — exclamou Vance, olhando para mim como se eu fosse um verme — se queria tanto assim ir ao cinema, devia ter me chamado, querida!
Conhecendo Zoe, eu poderia dizer que aquele “encontro acidental” entre os dois havia sido armado. Por alguns segundos eu cogitei aquela possibilidade. Zoe poderia ter pedido para Vance aparecer no meio do encontro pra tentar me deixar com ciúmes.
Mas quando vi a expressão no rosto de Zoe, duvidei que a aparição de Vance tinha sido combinada. Ou ela era uma excelente atriz. Mas não achei que aquele fosse o caso. Zoe costumava ser bem direta. Eu achava que já a conhecia o suficiente para perceber isso.
Zoe não parecia muito feliz com a presença de Vance. Talvez eles tivessem brigado ou algo assim. Ela estava com cara de limão azedo, mas tentou disfarçar.
Muito discretamente, ela tentou se desvencilhar dos braços de Vance, mas ele envolveu o corpo dela com vontade. Na verdade, eu percebi que com aquele abraço indiscreto, Vance estava botando a mão nas coxas dela e na bunda dela.
— Oi Vance, que surpresa… — ela revirou os olhos.
Vance gargalhou.
— Você ainda tá chateada comigo, benzinho? — ele perguntou — só porque eu insisti que queria fazer sexo sem camisinha daquela vez? Só porque eu meti forte demais e sangrou um pouquinho? Vamos, me dá um beijinho e me perdoa…
Eu fitei aquela cena surreal sem acreditar. Pela cara de Zoe, ela se sentia fragilizada e humilhada com a presença e as palavras dele. Ela sempre se fingia de forte na minha frente. Por um momento, a máscara dela caiu.
— Me larga, cara! — ela disse, tentando empurrá-lo — como você é chato!
Eu já tinha visto os dois dando uns amassos no pátio do colégio. Mas eu não sabia que eles já tinham feito sexo, embora não fosse surpresa.
Vance era realmente chato. Ele era alto e forte. Metia um pouco de medo, na verdade. Ele era o capitão do time de futebol do colégio. De vez em quando havia torneios de futebol com outros colégios, mas eu nem era muito ligado em esportes.
Sinceramente, eu nunca pensei em ver algo assim. A Zoe do colégio era forte e poderosa. Aquela Zoe estava com voz trêmula e com medo de Vance, mesmo que ela tentasse disfarçar.
— É claro que vocês não estão namorando, certo? — disse Vance — a rainha Zoe jamais sairia com um cara patético como esse. Olha só os tênis velhos dele! Essa calça de liquidação! Essa blusa amassada! Não quer me beijar pra deixar esse lixo com ciúmes?
Vance tentou dar um beijo na boca de Zoe, mas ela não permitiu.
— O nosso filme já vai começar, então se manda! — ela exclamou.
Vance era como Zoe: ele não se importava que os dois estivessem em público. Ele falava e fazia o que queria. Como os dois eram parecidos!
Mas pelo menos Zoe não me agarrava sem permissão. Pelo menos não até aquele dia. Só porque os dois já tinham feito sexo, talvez Vance a considerasse sua propriedade e achava que poderia tocá-la onde e como bem entendesse.
Não sei direito o que aconteceu comigo naquele momento. Eu geralmente não considerava Zoe uma pessoa. Mas vê-la ser agredida por Vance, me recordou de que Zoe era uma mulher e aquilo pode ter despertado algum instinto masculino meu de proteção, que eu nem sabia que eu tinha.
Sim, a provocação de Vance deu certo: eu fiquei com ciúmes. Mesmo que eu odiasse Zoe. Descobri naquele instante que eu odiava mais Vance do que Zoe. E aquilo foi o bastante para me fazer partir para a ação.
— Por que está tão puritana hoje? Essa não é a Zoe que eu conheço! — disse Vance — a minha Zoe é uma leoa na cama! E você chama isso de decote? Quase não consigo ver seus peitos! Por que não abre mais alguns botões?
E ele começou a desabotoar os primeiros botões da blusa dela! Ele estava quase encostando nos peitos dela! Em público!
Aquilo foi demais pra mim. Antes que a própria Zoe desse um tapa na cara dele, eu a puxei pelo braço.
— Zoe saiu comigo hoje e não com você — falei, friamente — então sai fora! Não encosta nela!
Os dois me fitaram boquiabertos. Acho que nem Vance e nem Zoe esperavam que eu fizesse algo assim.
Afinal, eu era o pobre coitado que sofria bullying de Zoe. Então por que eu a estava defendendo? Eu era burro? Eu devia ter aproveitado a ocasião para escapar de lá. Afinal, eles se mereciam.
Mas eu quis acreditar que os dois não eram farinha do mesmo saco. Que havia gradações do mal e que Vance era pior. Ou, o mais provável: Zoe era malvada, mas era bonita. E eu queria defender garotas bonitas.
Merda. Eu era mesmo um panaca.
Mas panaca ou não, peguei Vance tão de surpresa com o que eu disse e fiz que ele ficou sem reação por um momento. Aproveitei a ocasião para sair de lá.
Ainda segurando na mão de Zoe, levei-a até a sala de cinema. Zoe, ainda confusa, mostrou os ingressos e entramos lá.
Achei que Vance não iria tão longe a ponto de comprar um ingresso para o mesmo filme, apenas para nos importunar lá dentro. Zoe talvez fosse capaz de fazer algo assim. Achei que Vance era mais do tipo que ia se vingar mais tarde, ou apenas deixar a situação por isso mesmo, pois não valeria o esforço.
Seja qual fosse o caso, eu tinha razão: ele não entrou na sala de cinema. Éramos somente eu e Zoe. Fiquei aliviado.
— Você me defendeu? — ela me perguntou — você me salvou daquele filho da puta? É sério isso?
— Sim, eu sou trouxa — falei.
— Você está segurando minha mão — ela observou.
Larguei a mão dela imediatamente quando percebi. Estávamos os dois sentados um do lado do outro na sala de cinema. Eu ainda estava tomado pela adrenalina do que tinha acabado de fazer.
— O que você fez com certeza foi mais romântico do que esse filme inteiro — disse Zoe, empolgada — nem preciso assistir o filme pra saber disso!
Ainda bem que a sala de cinema já estava meio escura, pois eu fiquei bem constrangido com aquilo tudo.
Nós assistimos ao filme quietos, sem falar mais nisso. Achei que Zoe ia fazer gracinhas no meio do filme, mas ela se comportou.
Quando o filme terminou, saímos da sala de cinema e falamos sobre ele.
— Foi tão romântico! — ela comentou.
Era difícil saber se ela estava falando sério ou se fazendo. A verdade era que, no fundo, eu não sabia praticamente nada sobre Zoe. Que tipo de filme ela gostava? Difícil dizer.
— Não foi ruim — opinei.
— Mas também não foi bom? — perguntou Zoe.
— Foi OK.
— Hmmm… — ela me fitou e sorriu.
Era inacreditável que um cara com aparência normal como eu estivesse saindo com uma garota linda como Zoe. Quem olhasse de fora sem nos conhecer devia ficar impressionado.
Mas o que as pessoas sabiam? Se vissem Zoe por dentro a achariam muito feia.
Eu me perguntava o que o babaca do Vance devia estar pensando de mim naquele momento. Ele devia achar que Zoe estava apenas brincando comigo. E talvez ele estivesse certo.
Eu estava caindo como um patinho no jogo dela. Eu a defendi e segurei na mão dela. Aquilo foi demais. Eu não devia ceder mais nada, ou daqui a pouco eu estaria…
Engoli em seco só de pensar nisso. Eu me sentiria um panaca e também imensamente culpado se aquilo fosse longe demais. Cora não merecia aquela traição.
Bem, Cora estava morta. É claro que eu não a estaria traindo por ficar com qualquer outra garota. Mas Zoe não era qualquer uma.
É claro que Zoe não foi diretamente responsável pela morte de Cora. Apenas indiretamente. Ainda assim, eu não me sentiria em paz comigo mesmo se ficasse com ela.
E não era só por causa de Cora. Zoe já tinha me humilhado incontáveis vezes. Ela me usaria e depois me jogaria fora. Como fazia com todo mundo.
Ela não merecia minha amizade e muito menos o meu amor.
— Essa pode ser uma pergunta retórica, mas gostaria de comer alguma coisa? — perguntei — não sei se comer está entre suas atividades diárias.
— Não estou fazendo nenhum jejum intermitente no momento — ela me informou — então, claro, vamos comer!
Fomos até a praça de alimentação do shopping.
— O que você come? — perguntei, curioso — salada?
— As saladas que eles vendem aqui são muito grandes — disse Zoe — só vou comer uma se você dividir metade comigo.
— Se eu comer apenas metade de um prato de salada vou ficar com fome — falei — qual a próxima opção?
— Proteína — disse Zoe.
— Que tal dividirmos um balde de frango frito do KFC? — perguntei.
Zoe riu.
— Nesse caso você teria que comer quase todo o balde — ela disse.
— Tem o minibalde…
— Vamos dividir os nuggets de frango — decidiu Zoe — e o potinho de brigadeiro de colher.
Tive que aceitar, até porque Zoe se ofereceu para pagar. Fiquei indignado com a miniatura.
— Como vamos dividir 6 nuggets? — perguntei, desapontado — isso não dá nem pro aperitivo.
— Você pode comer 4 e eu 2 — ela sugeriu — ou eu como só um mesmo.
— Não, pode comer dois… — eu disse — eu aguento.
Molhamos os nuggets no molho e comemos enquanto conversamos. Tive que comer bem devagar, para durar. Zoe também comia na velocidade de uma lesma.
— Então… qual é a daquele cara? — perguntei — vocês estão ficando?
Eu queria mudar de assunto, pois seria chato continuar falando de comida. Mas talvez o novo assunto fosse ainda pior. Não consegui pensar em nada mais interessante.
— Mais ou menos — disse Zoe — como eu te disse, eu nunca namorei. Vance foi o mais próximo que eu já tive de um namorado. Éramos como amigos coloridos, mas talvez seja forçado chamá-lo de amigo também. Nunca fomos amigos. Ele só serve pra trepar. Vance é chato pra caralho.
— Isso eu percebi.
— Mas não quero mais fazer sexo com ele — disse Zoe, mastigando o nugget em pequenas mordidas, como uma princesinha delicada — ele é muito violento. Ele quer se fazer de macho alfa, mas é muito inseguro na cama. Ele fica com medo de broxar, então ele mete com tudo sem ligar pro meu prazer. Detesto caras assim.
Aquilo estava mais detalhado do que eu gostaria.
— Resumindo, Vance não serve mais pra nada — explicou Zoe — no início foi divertido nos exibirmos como um par no colégio: os dois alunos mais bonitos e populares se pegando. Mas já perdeu a graça. Cansei dele.
Vance era tão alto e forte que já foi apelidado de “estátua grega”, devido ao corpo definido e ao rosto atraente. Então Zoe tinha se cansado do himbo…
— Aguardo ansiosamente que você se canse de mim também — informei — qual o meu prazo de validade? O que preciso fazer para você enjoar de mim? Você parece se entediar com facilidade, então é só uma questão de tempo.
— Eu gostaria de ter um namorado um dia, mas não quero que seja Vance — disse Zoe — ele só fala dele mesmo, é irritante. Ele não para de falar de coisas monótonas como futebol e academia.
— Eu odeio futebol e academia — informei — é isso que me torna atraente como potencial namorado?
— Isso também — disse Zoe — Vance é tão convencido que não tem a menor graça. Mas você é tímido e tem baixa autoestima. Isso é fofo.
— Não é fofo ter baixa autoestima — falei, sem gostar do comentário — estou tentando melhorar nisso.
— Não precisa — disse Zoe — eu já gosto de você exatamente como você é.
Aquilo dificilmente era uma declaração de amor. O “gostar” de Zoe poderia significar muitas coisas. Ela poderia gostar de mim como um brinquedo divertido que ela queria quebrar.
Terminamos de comer os nuggets. Aquele potinho de brigadeiro de colher era tão pequeno que eu provavelmente poderia terminar de comer sozinho em três colheradas.
Zoe pegou um pouco do brigadeiro com a colher e colocou na frente da minha boca.
— Abra a boca — ela disse — e diga “ahhhh”!
— Nem morto! — exclamei.
— Se você fizer isso, darei o encontro como encerrado por hoje — ela disse — e te libero.
Era bom demais pra ser verdade. Mas o preço era alto. E se alguém visse aquilo? E se alguém tirasse uma foto? Eu estava ficando paranoico.
Desde quando eu me importava tanto com o que os outros pensavam de mim? Afinal, eu estava naquele encontro de consciência limpa. Só aceitei aquilo pra me livrar dela.
— Ou o brigadeiro na boca ou um beijo na boca — disse Zoe — escolha.
— Não tem um meio termo? — perguntei — que tal um beijo na bochecha?
— Pode ser — falou Zoe — mas vou querer te abraçar também.
Senti um calorão só de pensar nisso. Naquele dia eu só tinha encostado na mão dela. Eu não queria mais toques. Não queria sentir o cheiro de Zoe.
Será que eu tinha medo de me sentir tentado? Ou eu apenas a odiava do fundo da alma? Quem eu estava tentando enganar?
Por fim, comi metade do potinho de brigadeiro com minha própria colher. Mas na hora da despedida, quando Zoe tentou me abraçar, eu recuei.
— Como você é fresco — ela disse — é só um abraço.
— Não confio em você — falei — você pode colocar a mão em lugares onde não deve.
Ela riu.
— Eu não sou como Vance — disse Zoe — eu sou baixa, mas não tanto. Você tem medo de mim?
— Às vezes você é assustadora — tive que confessar.
Meu coração estava acelerado enquanto eu aguardava a porra do abraço.
Mas estávamos em público. Ela não ia fazer nada. Certo…?
Zoe se aproximou. Eu era um pouco mais alto que ela, mas isso não a fazia parecer menos aterrorizante.
Por fim, ela me abraçou. Um abraço bem leve e inocente. Como ela prometeu. Eu mal senti.
— Não foi tão ruim, né? — ela perguntou.
— Foi OK — respondi, fingindo indiferença.
— Você disse a mesma coisa sobre o filme — falou Zoe — que coisa chata! Quero um comentário melhor depois que eu te beijar.
É verdade. Ainda tinha o beijo. Meu coração disparou de novo.
— No rosto — eu disse, para reforçar.
— Tá bom — ela sorriu.
Zoe ficou na ponta dos pés e me deu um beijo muito leve na bochecha.
— Pronto, acabou — ela informou — doeu?
— Não… — falei — eu nem senti direito. Nem o beijo e nem o abraço.
— Era assim que você queria, não era?
— Era, mas…
— Você parece meio desapontado.
— Sim, eu tô desapontado — resolvi dizer — eu esperava mais da lendária Zoe. Desse jeito, até parece que é você que tem medo de mim…
Ela não gostou. Dessa vez, Zoe me empurrou contra a parede. Ela me deu um abraço muito forte e encostou o rosto no meu peito.
— Seu coração está a mil — ela disse.
— É… pode me largar agora — falei, nervoso.
Eu estava sentindo o maravilhoso aroma do xampu de chocolate de Zoe. Eu queria que ela me largasse logo antes que eu ficasse excitado. Eu quase podia sentir, levemente, os peitos de Zoe encostando contra o meu peito. Se eu deixasse muito espaço para a imaginação, algo muito ruim poderia acontecer.
Eu não queria ficar duro enquanto ela me abraçava. Seria um pesadelo se Zoe sentisse minha ereção. Ela já tinha mencionado que havia visto um volume na minha calça uma vez e eu não sabia se aquilo era verdade ou mentira.
De qualquer forma, eu não queria dar sorte pro azar. E quanto mais tempo ela me segurasse, mais azar eu teria.
Tentei afastá-la levemente e gentilmente. Quando Zoe percebeu que eu fiz isso, ela mesma se afastou.
— Eu sei como os homens funcionam — ela deu um sorriso malicioso — eu sei de tudo.
— Nossa, como você é um gênio… — zombei.
Tentei fingir que não me importei com o abraço. Mas ela não era burra. Ela escutou as batidas do meu coração. E senti meu rosto se aquecer.
— Você está todo vermelho — ela deu um risinho — fofinho. Você deve ser um amorzinho na cama!
Puta que o pariu. Por que ela não calava a boca? Eu só queria ir embora de lá.
Eu poderia relembrar daquela cena na privacidade do meu quarto. Lá eu teria toda a liberdade para deixar meu corpo reagir como queria.
Mas lá no meio do shopping, na frente dela, eu estava nervoso pra caralho. Então eu só queria me mandar.
— Como prometido, o encontro acabou, certo? — falei, para me certificar — fui “liberado”.
— Por hoje — ela disse.
— Não vai ter um segundo encontro — deixei claro — nós não vamos namorar. Você pode até gostar de mim, mas eu não gosto de você.
— Veremos.
E, após um sorriso misterioso, Zoe foi embora.
Respirei aliviado. Uau!
Aquilo foi mais intenso do que pensei. E perigosíssimo.
Nem lembro como cheguei em casa. Lembro vagamente de entrar no ônibus. Achei que eu estaria morto de fome quando chegasse, depois daquele pingo de comida, mas havia outras coisas na minha mente naquele momento.
Assim que cheguei em casa, fui conversar com Orion e Yan pela internet. Contei tudo sobre o encontro. Cada detalhe.
ORION: Por alguma razão, Zoe está fingindo gostar de você. Por que você acha que ela faria isso?
MILO: É tão absurda assim a possibilidade de ela estar gostando de mim de verdade?
ORION: Sim, porque estamos falando de Zoe. Ela não gosta de ninguém.
MILO: Ou você acha que ela jamais daria bola pra um cara como eu?
ORION: Vamos ser práticos: se ela está te usando por alguma razão, use-a também! Aproveite! Faça logo sexo com aquela gostosa e depois a descarte.
MILO: Eu não curto ficar com alguém só pelo sexo. Gosto que tenha sentimento.
ORION: Que bobagem! Se sua cantora ou atriz favorita quisesse dar pra você, quem ia se preocupar com sentimento?
MILO: Zoe não é minha cantora ou atriz favorita!
ORION: Mas ela é famosa no colégio. Ela é a líder daquele clubinho polêmico. Ela é linda pra caralho. Foda-se o sentimento!
MILO: Eu odeio Zoe e odeio aquele clube.
ORION: Será que você a odeia mesmo? Você não ia arrumar um emprego pra fugir dela?
Quase me esqueci disso.
MILO: Estou tentando resolver a situação de forma diplomática.
ORION: Você não está tentando resolver a situação. Zoe está te fazendo se apaixonar cada vez mais por ela. Zoe já te tem na palma da mão. Assim como ela já enlouqueceu um monte de caras. Até aquele imbecil do Vance.
Talvez Orion tivesse razão. Eu queria acreditar que eu ainda tinha o controle da situação, mas talvez eu não tivesse. Se eu não ficasse alerta, aquilo tudo poderia acabar muito mal.
Zoe era manipuladora e gostava de brincar com os sentimentos das pessoas. Ela poderia machucar muito mais que meu corpo.
Fazer sexo com ela uma vez era uma coisa. Mas se eu me apaixonasse de verdade e ela pisoteasse meu coração, seria mil vezes pior.
No dia seguinte, Zoe foi para a aula de vermelho. Agora eu sabia que essa era a cor favorita dela.
Zoe estava belíssima. Era difícil não olhar pra ela.
— Ela parece feliz — observou Yan — você a deixou feliz ontem, Milo?
— Não sei — respondi, sinceramente — não faço a menor ideia do que se passa na cabeça dela.
Mais aulas entediantes. Ainda bem que faltavam poucos meses para terminar o ano. Em breve eu iria me livrar do colégio.
E eu iria me livrar de Zoe. Isso se ela não continuasse me perseguindo depois.
Mas será que eu queria mesmo me livrar dela? E ela ainda teria interesse em mim depois do colégio? Talvez ela tivesse mais o que fazer. Ela ia pra faculdade, teria novos amigos. Teria novos seguidores e fãs. Talvez até um namorado.
Namorado. O primeiro namorado de Zoe. Eu poderia ser esse cara. Se eu deixasse de ser orgulhoso.
Mas, porra, eu não estava sendo orgulhoso. Estava sendo cauteloso. Eu não queria que Zoe me usasse e depois me jogasse fora.
Achei estranho, pois Zoe não foi me visitar nem no início do primeiro período e nem no intervalo. Será que ela já tinha enjoado de mim tão cedo, após o primeiro encontro? Comentei isso com meus amigos.
— Ela nem te deu um beijo na boca ainda — disse Yan — acho que ela só vai enjoar de você depois da primeira transa.
Aquela informação não me deixava muito feliz. Por várias razões.
Fui no bar do colégio e comprei um pastel e um refri. Olhei para os lados. Zoe não estava por lá. Então eu estava seguro.
Desde que ela jogou meu lanche em cima de mim da última vez, eu estava com medo. Voltei para o prédio, para comer tranquilamente na sala. Afinal, Zoe raramente passava os intervalos lá.
Porém, no meio do corredor escutei uma gritaria. Eu congelei. Era a voz de Zoe.
— Não, eu não te quero no meu clube, sua vaca! — exclamou Zoe.
— Você está com inveja — disse Imara, uma menina de outra turma — só porque eu sou mais bonita que você. De que adianta ser magra se você não tem peitos grandes como os meus? Homens preferem peitos grandes do que magreza! Por isso que eu roubei seu namorado!
— Vance não é meu namorado, sua galinha! — gritou Zoe — pode ficar com ele!
— Não me diga que você é uma perdedora solteira! — exclamou Imara — todo mundo sabe que pra uma mulher ter valor, precisa ter um homem na coleira! Quem é seu novo namorado? Quem é seu novo cachorro? Não me diga que está sem cachorrão!
Juro que eu não queria ter visto aquela cena patética e muito menos ouvido. Eu me arrependi no mesmo instante de ter decidido voltar pra sala pra lanchar.
Por outro lado, os outros alunos pareciam estar se divertindo, pois a plateia era grande no corredor.
— Claro que eu tenho namorado — disse Zoe, segura de si — ele está bem ali.
Ela apontou. Olhei para os lados, pois também fiquei curioso. Ela tinha arrumado um namorado em apenas um dia? Ou tinha mentido pra mim?
— Onde? — perguntou Imara, confusa.
Zoe caminhou na minha direção e se pendurou no meu braço.
— Milo não é seu namorado coisa nenhuma, sua mentirosa! — afirmou Imara — ele é apenas o pobre coitado que você atormenta. Além do mais, a aparência dele é bem… básica.
Aquela merda ia acabar mal. Pensando bem, eu não queria ser o namorado de Zoe de jeito nenhum. Se eu fosse, seria alvo constante de críticas e fofocas.
Sim, eu só precisava aguentar aquele colégio por mais alguns meses. Mas eu não queria que aqueles fossem os piores meses da minha vida.
— Milo, diga pra ela — falou Zoe — não é verdade que você é meu namorado?
Zoe me colocou numa situação difícil. Se eu negasse, eu iria humilhá-la publicamente. Humilhar Zoe era uma das piores ideias possíveis. Ela iria me atormentar em triplo e tornar minha vida um inferno.
Por outro lado, se eu mentisse, Zoe ficaria feliz. E ela provavelmente iria me recompensar de alguma forma. Quem sabe ela prometesse se afastar de mim para sempre se eu mantivesse a mentira por um curto período.
— Sim, sou o namorado dela — eu disse.
Imara ficou boquiaberta. Várias pessoas ao redor gritaram de surpresa. Eu não fazia a menor ideia que esse simples pronunciamento causaria tanta comoção.
— Mas ele é… gordo! — exclamou Imara.
Eu achava meio exagerado me chamar de gordo. Eu era apenas gordinho. Claro que, para os padrões de Zoe e das seguidoras dela, eu devia ser considerado obeso. Afinal, eu já tinha visto Zoe chamando meninas com menos de 50 quilos de gordas, então a opinião delas sobre esse assunto devia ser ignorada.
— Ei, menino — prosseguiu Imara — sua ex-namorada não morreu por causa do clube ridículo dessa puta? Então por que você está namorando ela agora?
— Isso não é da sua conta — retruquei.
O público pareceu gostar da minha resposta. Mas Imara não gostou.
— Não era você que estava implorando pra entrar no meu clube ridículo alguns minutos atrás? — perguntou Zoe.
— Eu não estava “implorando”, sua cadela! — exclamou Imara — vá lá chupar o seu cachorro! Ele deve ser muito burro pra namorar a vadia que fazia bullying com ele. Vocês se merecem!
Imara saiu de lá ao dizer isso.
— Vamos para o pátio — disse Zoe, segurando a minha mão.
Resolvi acompanhar Zoe. Afinal, eu precisava de muitas explicações depois daquilo.
Nós dois nos sentamos num banco do pátio.
— De que é esse pastel? — ela me perguntou.
— De carne — respondi.
Ela tirou o pastel da minha mão e deu uma mordida.
— É bom — disse Zoe.
Depois disso, ela pegou minha latinha de refri. Bebeu um gole pelo canudinho.
— Nem gosto desse refri — ela disse.
— Então por que bebeu? — perguntei.
— Porque somos namorados agora — ela respondeu — namorados fazem coisas assim.
— Eu só disse aquilo pra calar a boca da Imara — falei — você sabe que não estamos namorando.
— Eu sei? — perguntou Zoe, fingindo inocência — por mim estamos namorando. O que você acha?
— O que eu ganho com isso? — perguntei.
— O privilégio de me beijar e de foder comigo — respondeu Zoe.
— Eu poderia ter esse “privilégio” mesmo sem namorarmos — observei.
— Podemos sair em encontros mais vezes — ela prosseguiu — e dormirmos na casa um do outro.
— Não estou a fim.
— Pensei que você fosse romântico.
— Eu sou.
— Já faz quase um ano que Cora morreu — comentou Zoe — eu sinto muito que isso tenha acontecido, mas você sabe que não fui eu que passei uma faca no pescoço dela. Você não pode deixar esse fantasma pra trás e seguir em frente? Ou você acha que não tem mais o direito de ser feliz?
Eu fiquei quieto. Fiquei ao mesmo tempo com raiva e surpreso que Zoe tenha dito tudo aquilo.
— Você não tem o direito de dizer nada sobre isso — eu disse — cala a boca.
— Só se você calar minha boca com um beijo — ela deu um sorrisinho.
Eu não ia jogar o jogo dela. Sim, ela estava vencendo. Até ali, tudo tinha ido de acordo com os planos de Zoe. Merda. Eu não ia dar a ela mais esse presente. Ainda não.
— Nós vamos namorar — informei — mas no meu ritmo.
— Vamos? — Zoe perguntou, meio surpresa.
— Nós vamos nos conhecer melhor primeiro — expliquei — não sei quase nada sobre você.
— Mas já estamos namorando, certo?
— Sim — eu disse — mas isso não significa que você pode encostar em mim do jeito que quiser. Entendeu? Não sou o seu ficante.
— Entendi perfeitamente o que você quis dizer — ela deu um sorrisinho, fingindo inocência.
Achei aquela frase meio preocupante.
Mesmo assim, naquele momento ela agarrou meu braço e colocou a cabeça no meu ombro.
— Estamos no colégio — eu disse — não faça isso!
— Nós já declaramos publicamente que somos namorados. Então qual é o problema?
— Eu disse que queria ir devagar, então… pare.
Ela me soltou.
— Como você é sem graça — disse Zoe — mas esse também é um dos seus encantos.
Dei mais uma mordida no meu pastel. No lugar que Zoe tinha mordido antes.
— Você é fofo comendo — ela disse.
— Mas você não é fofa comendo — retruquei — parece que você está sofrendo.
— É essa a impressão que dou? Posso não parecer, mas eu me divirto quando como.
— Não sei se acredito — falei — mas não vou me meter. Faça o que quiser em relação às suas dietas malucas, desde que não interfira no nosso relacionamento e desde que você não morra.
— Você não quer que eu morra? — o sorriso dela se alargou — que amor! Não acha que um duplo suicídio de namorados seria romântico?
— Não! — exclamei — eu sei que você está brincando, mas… eu não duvido que você faria.
— Com você eu faria.
— Acho que a vida é ruim o bastante para justificar um suicídio, mas quero evitar pensamentos suicidas no momento — falei — eu ainda tenho esperanças que algo bom pode acontecer na minha vida.
— Desculpe não ser algo bom — brincou Zoe — prometo que depois que você encostar mais em mim vai ficar melhor.
Resolvi não opinar. Quando terminei o pastel e o refri joguei o papel e a latinha no lixo.
— Acabou o intervalo — informei — vai continuar sentada aí?
— Não, eu vou voltar pra aula — ela levantou-se — tô louca pra ver a cara idiota de surpresa de todo mundo depois da nossa grande revelação.
Talvez eu também estivesse curioso. Mas eu sabia que aquilo não ia gerar nada de bom pra mim. Eu ia virar um alvo.
Eu e ela voltamos juntos pra sala. Claro que quando entramos todos nos fitaram com olhos arregalados, como se fôssemos fantasmas.
Yan e Orion me olharam boquiabertos quando me sentei perto deles.
— Que merda foi essa que aconteceu, Milo? — perguntou Orion — explique-se!
— Qual foi a maldição que a bruxa jogou? — perguntou Yan.
— Que exagero — falei, tranquilo — nós apenas começamos a namorar. Não é nada de mais.
— Caralho! — exclamou Orion — então é a coisa real! Vocês não estão… fazendo teatrinho?
— Não — deixei claro — eu e Zoe somos namorados.
— Desde quando? — perguntou Yan, chocado.
— Desde 20 minutos atrás — respondi.
Orion riu.
— Então… vocês já fizeram sexo? — perguntou Orion — acho que deu tempo, não?
— Cala a boca, imbecil — falei — eu nem beijei ela ainda, seu trouxa.
— Por que não? — perguntou Orion.
— Porque eu não tô a fim! — exclamei.
— É claro que você tá a fim — disse Orion — você não para de olhar pras coxas dela.
— Quero conhecê-la melhor.
— E que porra isso significa? — perguntou Orion — você vai conhecê-la melhor quando a ver nua na cama.
— Não estou falando sobre o corpo dela — eu revirei os olhos — quero saber que tipo de pessoa ela é de verdade.
— Todo mundo sabe — disse Orion — se você cavar mais fundo, só vai descobrir mais podres. Deixa assim e aproveita a casca.
— Vou fazer as coisas do meu jeito no meu próprio namoro — deixei claro — eu não pedi sua opinião!
— Você é um idiota se tem esperanças de que “no fundo ela seja uma boa pessoa” — disse Orion — você vai se desapontar.
— Por acaso você está com inveja? — perguntei — porque você queria namorar a Zoe.
— É uma pergunta difícil — falou Orion — sim, eu adoraria comê-la um dia. Mas namorar? Eu admito, você tem colhões por aceitar algo assim. Eu teria medo.
Eu também ainda tinha medo de Zoe. Mas era estranho ter medo dela mesmo nós sendo namorados. Eu tinha que superar isso.
Quando a aula terminou, Zoe foi na minha direção.
— Você disse que quer me conhecer melhor — ela disse — então quer ir lá em casa hoje?
Fui pego de surpresa.
— Não é uma ideia ruim — falei — mas não vou dormir na sua casa. Não vou deitar na sua cama. Nós não vamos fazer sexo… hoje.
— Hoje — ela imitou minha voz, divertindo-se — que menino mais sério!
Nós dois pegamos um ônibus e fomos até a casa de Zoe.
Era uma situação inusitada vê-la pegar a chave e abrir a porta, me dando passagem. Em que fria eu tinha me metido? Será que eu era capaz de sair de lá com vida? E se ela me trancasse no quarto dela e me prendesse com algemas?
Respirei fundo e entrei no covil do leão. Será que eu gostava mesmo de viver perigosamente? Até aquele dia, eu ainda não conhecia esse meu lado.
Era uma casa de família de classe média, mas tinha até uma escada. O quarto dela ficava no segundo andar.
Nós entramos no quarto de Zoe. Eu desconfiava que iria encontrar um quarto meio exótico.
Porém, para a minha surpresa, parecia um quarto quase normal. O quarto de uma típica estudante do ensino médio.
Ela jogou a própria mochila no chão.
— Pode botar sua mochila aí também — ela disse — quer ir ao banheiro ou tomar água?
— Não, estou bem, obrigado.
— Tenho um monte de coisas pra te mostrar! — ela disse, empolgada.
Pra começar, ela abriu o próprio guarda-roupa. Fiquei surpreso. Havia muitas roupas. Muitas mesmo. Um monte de vestidos, incluindo roupas de festa bem elegantes.
— Essa é minha gaveta de calcinhas e a gaveta dos sutiãs — ela me mostrou — essa é minha lingerie sexy!
— Você não precisa me mostrar isso! — falei, desviando o rosto daquela direção.
É claro que eu estava curioso para ver, mas eu não queria iniciar nosso namoro dessa forma depravada. Sinceramente, eu achava uma atitude mais normal fazer sexo no primeiro dia de namoro do que mostrar a gaveta de lingerie.
— Não quer levar uma de minhas calcinhas pra casa, pra você lembrar de mim? — perguntou Zoe.
— Não se preocupe, eu vou lembrar de você mesmo sem a calcinha — garanti — sua presença já é bem marcante.
Zoe pareceu contente com o elogio. Ela abriu um estojo de maquiagem para me mostrar.
— Essa é minha penteadeira. Meu espelho, meus batons, sombra, blush…
Ela estava muito animada me mostrando tudo. Depois ela me mostrou sua coleção de sapatos, que também era incrível. E a coleção de bolsas.
— Eu não sou rica, mas eu tento comprar coisas de marca sempre que consigo — disse Zoe — ah, aqui estão meus perfumes, brincos, colares, pulseiras, anéis…
Meu Deus, Zoe tinha muitas roupas e acessórios. Mas aquilo era esperado. Afinal, todo dia ela desfilava no colégio com uma roupa diferente. Ela não era a aluna mais popular por acaso. Ela se esforçava muito.
— Essa é minha chapinha, o modelo mais novo. Meu cabelo natural é cacheado. Acho lindo meu cabelo natural, mas dá muito trabalho de cuidar e tratar. Com chapinha eu economizo tempo. É mais fácil, entende?
— Hmmm — falei, mais ou menos interessado.
Eu nunca tinha visto Zoe de cabelo natural. Ela sempre alisava. Zoe me mostrou um álbum de fotos dela mais nova, com cabelo natural.
— Seu cabelo natural é lindo mesmo — eu disse — gostaria de ver um dia, pessoalmente.
— Um dia que você dormir aqui, eu lavo o cabelo e te mostro, antes de fazer a chapinha.
Ela também me mostrou fotos com cabelo de várias cores diferentes.
— No momento não estou pintando o cabelo, mas de vez em quando gosto de tentar algo novo — ela explicou.
— Então… seu hobby é cuidar da aparência? — perguntei, procurando outras coisas no quarto que se parecessem com hobbies.
— Tenho outros hobbies também, mas esse é bem útil, já que mulheres são principalmente julgadas pela aparência — ela explicou — essa é minha balança. Você quer ver meu peso?
— Não precisa — falei — eu acredito em você.
Eu estava mais interessado num painel cheio de fotos na parede.
— Ah, as fotos com minhas besties — disse Zoe.
— As fotos com suas seguidoras, você quer dizer — falei — membros do Clube 18.
— Isso mesmo.
Eram várias meninas com roupas curtíssimas e salto alto. Mostrando bastante pele. Com cabelos perfeitos e maquiagem perfeita.
Pareciam modelos, embora algumas nem fossem tão altas. Acho que o salto dava essa impressão.
— Elas são mesmo suas amigas? — perguntei — já vi você puxando o cabelo dessas duas. E batendo nessa aqui.
— Ah, eu só estava disciplinando quando algumas delas são idiotas — explicou Zoe, como se aquilo fosse muito normal — você não entende nada de amizade feminina. Vocês homens acham que é uma mostra de masculinidade sair no tapa. Mas se mulheres fazem isso, elas estão erradas.
Eu nunca tinha pensado daquela forma.
— Tem razão — concordei — então pode continuar batendo nas suas “amigas”, já que você encontrou uma justificativa feminista pra isso.
— Eu não preciso da sua autorização pra bater nelas. E se você continuar falando comigo nesse tom irônico, você será o próximo a apanhar.
Tive que rir.
— Você já me bateu várias vezes! — exclamei — dezenas de vezes, mesmo que indiretamente, jogando coisas em mim! Já deve ter me humilhado em público mais vezes do que humilhou suas amiguinhas.
— Pois é, não tem mais graça bater em você. Por isso que agora eu prefiro te beijar e te agarrar. Pra tentar algo novo.
— E depois que você enjoar de fazer isso, qual será o próximo passo? Me matar?
— E botar seu pau numa redoma de vidro, para admirá-lo todos os dias — disse Zoe — você prefere que eu arranque seu pau antes ou depois de te matar?
— Depois, por favor.
— Tá bom, vou anotar.
Ela pegou um caderno cor-de-rosa. Anotou isso e depois me mostrou.
— Agora assine embaixo, pois preciso de sua autorização — ela disse.
Eu, como um idiota, assinei embaixo.
— É claro que você não precisa da minha autorização — falei — você sempre faz o que quer, sem pedir autorização de ninguém. Ou você acha que essa porra de assinatura vai diminuir sua sentença quando você for julgada no tribunal pelo seu crime?
Não era aquela conversa que eu esperava para nosso primeiro dia de namoro, mas tudo bem. Podia ser pior. Embora naquele momento eu não conseguisse ser criativo o bastante para pensar em algo pior.
Zoe abriu um laptop vermelho e me mostrou.
— Essas são minhas redes sociais — ela disse — viu só, esse é meu nome. É a prova de que sou eu mesma e não uma impostora.
— Eu não pensei que estivesse conversando com seu clone — falei — eu não aguentaria duas Zoes.
— Acabei de te marcar no Facebook e informar que estamos namorando.
— Nós nem somos amigos no Facebook! — exclamei.
— Mas eu te achei agora e te enviei um pedido de amizade — disse Zoe — acabei de te encontrar no Instagram também. Não foi difícil. Me passa suas outras redes sociais? Você tem TikTok?
Passei todas as minhas redes sociais pra ela. Afinal, se tinha chegado naquele ponto, de que adiantava ser cauteloso agora?
— Depois eu vou analisar todos os seus perfis com calma.
— Você não era minha stalker? — perguntei — vou fingir que acredito que você já não varreu a internet atrás de informações minhas.
— Só um pouquinho — admitiu Zoe — mas você deve ter conta em outros sites que eu não sei. Então é melhor já me passar tudo. Vai me poupar de procurar depois.
E eu passei tudo mesmo. Zoe ficou encantada.
— Precisamos tirar nossa primeira selfie de namorados — disse Zoe — com meu quarto no fundo, pra deixar claro pro mundo que eu já te trouxe aqui.
Eu não consegui nem me posicionar pra foto. Zoe tirou uma selfie nossa na velocidade da luz, postou e me marcou.
— Eu pelo menos fiquei bem nessa merda de foto? — perguntei.
— Ficou um gato! Eu sei tirar fotos, meu bem. Não me subestime. Sei o ângulo adequado e a iluminação. A câmera do meu celular é boa o bastante. É só usar um filtro legal.
Surpreendentemente, a foto não ficou ruim. Eu não fiquei tão feio nela. Aquilo devia ser magia negra.
— Vamos comer alguma coisa? — perguntou Zoe — o que você quer?
— Pode ser qualquer coisa — falei.
— Vou procurar na cozinha.
Zoe voltou bem rápido. Ela retornou com duas canecas de chá, um salgadinho de pacote e biscoitos.
— Como você ferveu a água do chá tão rápido? — perguntei, surpreso.
— Na chaleira elétrica.
— Ah… ok.
— É chá de maçã com canela. Você gosta?
— Eu não costumo beber chá com frequência, mas lembro que gosto desse — falei.
O salgadinho era Lay’s sour cream. E uma caixinha chique de biscoito amanteigado.
Acabei comendo quase todos os salgadinhos do pacote, pois não tínhamos almoçado. E metade da caixa de biscoitos. Por outro lado, Zoe pegou bem poucos, mas bebeu todo o seu chá.
Depois disso, ela fez uma anotação num caderno.
— Você anotou quantos salgadinhos e quantos biscoitos você pegou? — perguntei, ligeiramente surpreso, mas não tanto.
— Sim — disse Zoe — dez salgadinhos e cinco cookies.
Eu tinha comido dezenas de salgadinhos e cookies. Não estava contando.
Depois disso, ela levou as duas canecas, o pacote vazio e a latinha para a cozinha. E retornou.
— Ok, nós já lanchamos e você não quer fazer sexo — disse Zoe — você também não quer deitar na minha cama. Tem alguma sugestão de algo pra fazer, fora comer, dormir e trepar?
— Realmente, não há mais nada pra fazer além disso — respondi, monotonamente.
— Já sei! — falou Zoe, levantando-se — eu sou um gênio! Ainda estou com a roupa que fui pro colégio e quero vestir algo mais à vontade. Mas não tem graça eu me trocar em outro cômodo. Então vou pedir pra você olhar pro outro lado enquanto eu me troco. Mas você pode dar umas espiadas. Ou pode olhar o meu espelho.
Não fiz nenhum comentário em protesto. Afinal, Zoe parecia estar se divertindo, então deixei que ela fizesse o que queria.
Ela começou a arrancar toda a roupa e atirar pelo quarto, enquanto eu olhava pro outro lado. Ela atirou até o sutiã na cama, para ficar visível pra mim.
— Pessoas normais não trocam de roupa dessa forma, atirando tudo pelo ar — comentei, sem espiá-la e sem olhar pro espelho.
— Eu sei que você é muito certinho e não vai me espiar — disse Zoe — então eu quis deixar a coisa toda mais emocionante.
Um minuto depois, Zoe anunciou:
— Terminei! Pode olhar!
— Tem certeza? — perguntei, desconfiado — você se trocou muito rápido. Será que não está só de calcinha?
— Estou prontinha!
Sem escolha, me virei. Lá estava Zoe toda sorridente, com uma camiseta branca sem mangas e um shortinho minúsculo de tecido.
Ela estava de chinelo, sem anéis, pulseiras, colares, brincos ou outros acessórios. Havia muita pele à mostra. Reparei que aquela camiseta tinha um decote generoso.
Zoe sentou na penteadeira e removeu a própria maquiagem na velocidade da luz. Acho que era a primeira vez que eu a via sem maquiagem. Depois disso, ela se jogou na cama.
Quando ela fez isso, reparei que ela estava sem sutiã. Aquela blusa branca realçava os mamilos dela. A blusinha era meio larga, então quando ela fazia certos movimentos dava para ver algumas coisas.
— Zoe! — exclamei, indignado — pelo menos coloque um sutiã!
Fiquei muito embaraçado. Desviei o olhar dela imediatamente.
— Você disse meu nome! — o sorriso dela se alargou — e você ficou todo vermelho! Que fofo! Tem certeza que não quer encostar neles?
— Encostar aonde? — perguntei, confuso.
— Nos meus peitos — ela disse — podemos não fazer sexo hoje, mas chegar pelo menos na segunda base, não acha?
— Nós nem nos beijamos ainda! — falei, me atropelando nas palavras — isso está fora de cogitação!
— Que sem graça! — disse Zoe.
Ela se levantou, tirou a blusa, botou um sutiã por baixo e recolocou a blusa outra vez. É claro que eu não olhei enquanto ela se trocava atrás de mim.
Quando ela voltou a se deitar na cama, reparei que agora ela estava de sutiã. Mesmo assim, a blusa branca era muito transparente. Dava pra ver até o formato do sutiã por baixo.
É claro que Zoe estava muito sexy. Mas esse era o problema: eu não queria ter uma mulher com tanta pele à mostra na minha frente. Eu não queria que meu corpo reagisse de formas inapropriadas e deixasse Zoe feliz.
Aquele shortinho também realçava o formato da bunda dela. Meu Deus, a roupa que Zoe escolheu pra usar na minha frente foi perfeitamente calculada para arrancar reações minhas.
— E então, me conte o que namorados fazem — pediu Zoe — você já teve uma namorada antes de mim, então deve saber disso.
— Na primeira semana de namoro, eu e Cora lemos Romeu e Julieta juntos — contei — eu lia as falas do Romeu e ela as da Julieta.
Zoe gargalhou.
— Que coisa mortalmente entediante! — exclamou Zoe — odeio ler! A não ser que seja putaria. Quer ler um livro de putaria comigo?
— Não…
— Quer ver um filme pornô?
— Não!
— Então vamos jogar videogame — decidiu Zoe.
— Você tem videogame? — perguntei, meio surpreso.
— Sim — disse Zoe — com jogos pornô.
Revirei os olhos.
— Você não precisa se fingir de poderosa na minha frente o tempo todo — falei — eu tenho certeza que você deve ter algum passatempo normal.
Zoe levantou-se e abriu uma gaveta.
— Tenho alguns jogos que não são de putaria também — ela disse — alguns deles dá pra jogar de dois.
Olhei os jogos.
— Mario Kart — falei — esse vai servir.
É claro que ela escolheu a Princesa Peach como personagem. Eu escolhi o Toad.
— Você joga melhor que eu — observei.
— É claro — ela disse — o jogo é meu.
— Não sabia que jogava com frequência.
— Nem tanto. Você que é ruim.
Até que foi divertido. Jogamos por uma meia hora, até que Zoe cansou. Ela deitou-se na cama outra vez.
— Amanhã vamos na sua casa — ela me informou — e você vai pensar em algo interessante pra gente fazer.
— Pode deixar.
Fui pra casa um pouco depois disso, antes que a irmã de Zoe ou os pais dela chegassem.
— Outro dia te apresento pra eles — ela disse — eles são bem normais, do jeito que você gosta.
Eu me perguntava se os pais dela sabiam a filha que tinham. Imaginei que pelo menos a irmã de Zoe devia saber.
Quando cheguei em casa, dei uma olhada nas redes sociais de Zoe, pois ela havia me adicionado em todas. Tentei encontrar a irmã dela no Instagram. Não foi muito difícil.
A irmã de Zoe também era linda. Era uma irmã 3 anos mais velha, de 21 anos. Estava na faculdade de jornalismo.
Havia muitos likes e comentários na postagem do Facebook em que Zoe informou que tínhamos começado a namorar. Achei que haveria um monte de gente me xingando, mas a maior parte dos comentários foi surpreendentemente respeitosa.
Alguém bateu na porta do meu quarto e eu abri. Era meu irmão mais velho.
— Você começou a namorar aquela menina que fazia bullying contigo? — perguntou Gaspar, surpreso.
Pelo jeito, ele também tinha olhado o Facebook.
— Por enquanto — respondi — até eu descobrir se ela vai continuar com o bullying ou vai agir como uma namorada normal.
— A vida é sua — ele deu de ombros — você que sabe.
— Exatamente.
— Mas se quer um conselho…
— Não — eu o interrompi — estou farto de conselhos. A maior parte das pessoas que me dá conselhos estão apenas com inveja, porque estou namorando uma menina bonita.
— Você sabe a verdade sobre pessoas bonitas, ricas ou famosas — disse Gaspar — não importa se é homem ou mulher. A maior parte delas vai tratar um namorado normal de forma descartável. Porque essas pessoas sabem que por causa da aparência, dinheiro ou status vão conseguir alguém melhor se quiserem. Zoe vai ficar com você enquanto ela achar que for conveniente. Depois ela vai voltar a trepar com a estátua grega…
Tive que rir. Até meu irmão sabia o apelido idiota do Vance.
— Obrigado pelo aviso — falei — manterei isso em mente e evitarei me apaixonar até descobrir se Zoe é uma dessas pessoas.
Quando falei com meus amigos pela internet mais tarde, Orion repetiu a mesma coisa que já tinha dito: o mesmo aviso do meu irmão, em outras palavras.
ORION: Zoe está curiosa sobre você enquanto você se faz de misterioso. Quando ela conseguir te dar um beijo na boca e trepar com você, ela vai te largar. Ela vai ver que você é apenas um cara normal e vai perder a graça. A não ser que seu pau seja extraordinariamente grande. É esse o caso?
MILO: Vou ignorar essa pergunta imbecil.
YAN: Eu sempre escolhia o Koopa Troopa no Mario Kart…
ORION: Talvez seja melhor você fazer sexo com ela de uma vez, pra acabar com o mistério, descobrir a verdade e não perder seu tempo.
Eu só estava namorando Zoe há um dia e tinha que escutar um monte de conselhos idiotas e não solicitados. Era melhor eu dizer de uma vez pra ninguém se meter no meu relacionamento. Aquilo era irritante.
Eles só estavam dizendo tudo aquilo pra depois que acontecesse o pior eles pudessem dizer: “Viu só, eu avisei!”, como se eles fossem gênios.
Se Zoe partisse meu coração, me traísse ou fizesse algo idiota, foda-se. Aquilo era problema meu. Ninguém tinha que se meter.
Na manhã seguinte, meu coração estava batendo forte quando cheguei ao colégio. Era uma sexta-feira. Fazia tempo que eu não ficava tão ansioso para ir ao colégio.
Descobri que eu estava desejando ver Zoe. Já estava com saudades dela. Aquilo era perigoso.
Dessa vez, Zoe estava de rosa. Ela deu um sorriso maravilhoso quando me viu e me abraçou na frente de todo mundo.
— Estava com saudades já — ela me disse.
Meu coração pulou. Eu queria dizer: “Eu também”, pois era exatamente o que eu estava pensando. Mas fiquei quieto.
Simplesmente não consegui dizer nada. Não sei o motivo. Será que eu ficava tímido, na frente dos meus colegas? Ou eu não queria deixar Zoe convencida?
De qualquer forma, apenas voltei para meu lugar de sempre. Mas eu não conseguia tirar os olhos de Zoe. Ficava reparando em cada detalhe da roupa dela. A maquiagem, a presilha cor-de-rosa, a pulseirinha dourada…
Aquela mulher era minha. De verdade…? Aquilo era sério?
No dia anterior, ela se despediu de mim com um beijo leve no rosto. Eu me perguntava como nos despediríamos naquele dia, quando ela fosse embora da minha casa.
Será que ia rolar um beijo na boca? Meu coração disparou. Eu já tinha beijado Cora na boca muitas vezes, mas com Zoe era diferente. Eu ainda não conseguia ficar à vontade com Zoe e tinha um pouco de medo dela. Ela realmente intimidava.
— Olha só pra você, todo apaixonado — observou Orion — você não para de olhar Zoe com cara de bobo alegre. Você tá fodido, mano.
— Cala a boca — eu disse.
— Come ela de uma vez, rapaz — prosseguiu Orion — eu sei que você não para de olhar praquela bunda.
— Cala a boca, caralho! — gritei — respeita minha namorada, porra!
Falei meio alto, pois vários dos meus colegas olharam na minha direção. Até mesmo Zoe olhou.
Ok, Orion tinha razão: eu tava fodido. O plano de Zoe funcionou perfeitamente.
Quando saí pro intervalo, percebi que muita gente me olhava e cochichava. Antigamente, eu era insultado publicamente. Outras pessoas faziam bullying em mim além de Zoe.
Mas desde o dia anterior, quando me tornei namorado de Zoe, parecia que estavam me respeitando mais. Será que era apenas impressão minha?
Não. Os alunos daquele colégio pareciam estar com medo de mim. Não queriam mexer com o namorado da Zoe. Ou seriam punidos por ela.
De repente me senti poderoso. Eu tinha a proteção da rainha Zoe agora, a famosa líder do Clube 18 e a garota mais popular do colégio. Achei que namorá-la iria me tornar um alvo de mais bullying ainda, mas estava ocorrendo o exato oposto.
Todo mundo sabia que Zoe fazia bullying em mim e me humilhava publicamente há algumas semanas. Mas aquilo subitamente mudou. Ninguém sabia o motivo, nem mesmo eu.
Por que Zoe me escolheu como namorado? Só para irritar Vance e botar ciúme nele? Mistério. Mas eu não achava que Zoe se importava tanto com aquele panaca a esse ponto.
Eu vi a cara de Vance. Ele também estava me olhando. Parecia furioso. Claro, eu também tinha medo dele. Mas resolvi ignorá-lo.
Comprei um lanche no bar do colégio: uma coxinha de frango e um refri.
Percebi que algumas pessoas estavam até saindo da frente pra me dar passagem. Se fosse uma semana atrás, iam botar o pé na frente pra me fazer tropeçar.
Sentei ao lado de Zoe num banco do pátio. Ela deu uma mordida na minha coxinha de frango e um gole no meu refri. Ela fez isso sem nem pedir.
— Quer mais um pedaço? — ofereci.
— Não — ela disse.
— Você não compra lanche no intervalo, né?
— Não.
Deixei por isso mesmo. Ela agarrou meu braço e deitou a cabeça no meu ombro, como da outra vez.
Dessa vez eu deixei que Zoe se aproximasse. Eu queria mesmo deixar claro pro colégio inteiro que éramos namorados. E que ninguém devia se meter comigo por causa disso. Era bom me sentir poderoso às vezes. Ou no mínimo respeitado e deixado em paz.
E eu aos poucos estava começando a me sentir mais à vontade perto de Zoe. Assim, de rosa e queridinha, ela não parecia tão assustadora.
Senti o cheiro do xampu de Zoe. Não era de chocolate dessa vez, mas era um aroma bem suave e agradável.
— Você gosta de mim, Milo?
Foi quase um sussurro no meu ouvido. Senti um arrepio. Ela pronunciou meu nome com uma voz meiga, como se estivesse miando.
Senti, de leve, os seios dela roçando no meu braço. Novamente, meu coração disparou.
— Gosto — sussurrei de volta.
Ela sorriu, se aproximou mais e me deu um beijo no rosto.
— Quero você — ela sussurrou — quero muito. Quero chupar seu pau…
— Zoe! Estamos no colégio. Em público! Pelo menos diga isso quando estivermos no meu quarto, não aqui…
— Tenho 18 anos — ela disse — completei mês passado. Você também já tem 18, certo? Então somos legalmente maiores de idade.
— Ninguém tem autorização pra fazer sexo em público, não importa a idade.
— Não precisamos fazer em público — Zoe sussurrou no meu ouvido — tem um banheiro logo ali embaixo, que as pessoas raramente usam. Eu só preciso baixar um pouco a sua calça e a sua cueca e dar uma chupadinha…
Eu a afastei. Tentei fazer isso com delicadeza, mas Zoe pareceu ofendida.
— Ai! — ela disse — seu grosso! Não somos namorados? Eu estava só te provocando. Não estava falando sério…
— Desculpe — falei — mas não sei se acredito. Se eu dissesse que topo, aposto que você faria, não é?
— Eu faria — respondeu Zoe, sinceramente.
— Não sei se eu quero esse tipo de namoro — falei — eu disse que queria ir devagar e você está me pressionando.
— Por que quer ir devagar? Não sou sua primeira namorada. Você já beijou Cora e vocês se agarraram um pouco. Do que você tem medo? Que eu termine o namoro depois que treparmos pela primeira vez?
— Ah, então você já ouviu esses rumores? — perguntei, curioso.
— É claro — disse Zoe — as pessoas dizem que só estou brincando com você. E que vou terminar o namoro assim que eu te comer. Mas isso não é verdade. Eu busco um relacionamento sério e duradouro.
Eu suspirei fundo. Eu não confiava em Zoe. Mas não adiantava continuar a namorá-la se eu desconfiasse dela o tempo todo.
— Nós podemos nos beijar em público, mas não… foder — falei — e quando você fala essas… coisas em público, só me deixa excitado. Eu não quero ter uma ereção em público. Então, por favor, vamos falar de outros assuntos quando estivermos aqui fora. Pode ser?
Achei que eu tinha sido bem claro. Zoe me fitou com um sorrisinho malicioso. Afinal, se eu não fosse claro, ela daria um jeito de contornar meu argumento.
— Entendi — disse Zoe — pode ser. Não sabia que você era tão sensível. E que eu tinha tanto poder sobre você.
— Você sabe o poder que tem. Não finja que não sabe.
— Você tem poder também — informou Zoe — por mais que as pessoas digam que você é um cara normal ou mediano, eu te acho bem gatinho. Sempre achei.
Aquilo era novidade pra mim. De repente, me senti mais confiante.
— Mestra — uma garota se aproximou — tem uma menina nova que quer fazer parte do clube. Aqui está o currículo dela. Você pode analisar?
Quem estava ali era ninguém menos que 17, a vice-líder do Clube 18. Eu não sabia praticamente nada sobre ela, fora o fato de ela venerar Zoe.
— Não vê que eu estou namorando, sua burra? — perguntou Zoe, com maus modos — então não me interrompa!
— Perdão, minha rainha! — exclamou 17, com um guincho — vou entregar o currículo dela depois.
— Agora que você já veio até aqui, me dá essa merda — disse Zoe.
— Aqui está essa merda — disse 17, dando a ela uma folha de papel — tenha um excelente dia e um maravilhoso namoro com esse rapaz perfeito, venerável princesa…
Ao dizer isso, 17 se mandou de lá.
Zoe passou os olhos pelo “currículo”.
— Não estou impressionada — disse Zoe — quer dar uma olhada?
Eu olhei. Aquilo se parecia muito pouco com um currículo. Poderia até ter o formato de um, mas estava cheio de informações ridículas.
A menina dava informações detalhadas, desde marcas preferidas de perfumes até o tamanho do sapato que ela calçava.
— Vamos lá rapidinho antes que acabe o intervalo — disse Zoe — vou te apresentar oficialmente para as garotas do clube.
— O quê?! — perguntei, apavorado — aquelas meninas assustadoras? Não, obrigado.
— Você é meu namorado, então não precisa mais ter medo delas. Não precisa mais ter medo de nada.
Uau! Agora que eu era namorado da rainha, me tornei invencível. Nem mesmo doença, velhice e morte me derrubariam, pois Zoe era o novo Deus desse mundo.
Ela me segurou pela mão e entramos numa sala de aula.
Lá estavam dez meninas lindas e perfeitas conversando. Elas se calaram subitamente quando Zoe entrou comigo.
— Oi, amores! — ela as cumprimentou com uma voz meiga e fez barulho de beijinhos — tenho certeza que vocês já conhecem o Milo. Ele é meu namorado. Eu trouxe ele hoje para apresentá-lo oficialmente para o clube.
Fiquei extremamente constrangido no meio de tantas garotas atraentes. Não sabia para onde olhar ou o que fazer. Senti meu rosto queimando. Eu devia estar vermelho e eu sabia que todas elas tinham percebido meu embaraço.
Por que Zoe não me orientou com antecedência sobre o que eu devia fazer? Eu era o namorado dela, então não podia envergonhá-la. Devia agir de acordo, de maneira confiante. O que ela esperava de mim? Por que não me avisou antes que ia me apresentar para o clube? Eu teria pelo menos me vestido melhor.
Mas talvez para Zoe aquele fosse apenas um encontro trivial, como qualquer outro. Ou ela fez de propósito, para me deixar com vergonha? Eu não sabia. Eu não fazia a menor ideia sobre o que se passava na cabeça dela.
— Oi Milo! — disse uma das garotas — somos colegas, então a gente meio que se conhece, né?
Aquela era Aurora, minha colega desde o primeiro ano. É claro que eu a conhecia. Me senti um pouquinho mais à vontade, mas nem tanto. Sempre achei Aurora linda e inatingível, mas ali, cercada por todas aquelas meninas maravilhosas, ela estava brilhando ainda mais.
— Oi Aurora — dei um sorriso tímido.
— Nossa, você se lembra do meu nome! — ela parecia impressionada — que legal!
Era tão impressionante assim que eu lembrasse do nome dela, depois de 3 anos?
Outras meninas me cumprimentaram também. Ouvir um “Oi Milo” ou apenas “Oi” de todas aquelas beldades me deixou extremamente envergonhado. Eu tentei sorrir, acenar, fazer qualquer coisa, mas eu senti que tudo o que eu fazia soava idiota. Eu me sentia ridículo.
Zoe parecia estar se divertindo. Aquela maldita!
— Eu só queria deixar claro que ele é meu — informou Zoe — ninguém pode encostar um dedo nele. Nem pegar na mão e nem esbarrar por acidente. Ficou claro? Se eu souber que alguma menina desse colégio tentou alguma gracinha com ele, essa pessoa será punida severamente por mim. Será expulsa do clube e publicamente humilhada. Ela se tornará um alvo. Não terá mais paz até o dia de sua morte. Entenderam?
Todas elas balançaram a cabeça, afirmando que, sim, com certeza tinham entendido.
Eu fiquei apavorado. Aquilo era sério? Todas elas pareciam ter levado o aviso muito a sério. Elas me fitaram com um pouco de medo. Agora cada uma delas teria medo de esbarrar em mim por acidente nos corredores.
De repente fez sentido que as pessoas estivessem me dando passagem mais cedo. Aquilo não era por acaso. Eu não era apenas o namorado de Zoe. Era sua propriedade.
— Vocês aprendem rápido — Zoe deu um sorriso de aprovação — boas garotas! Kiara, eu vou analisar esse currículo mais tarde e depois te dar o retorno, ok?
— Claro, mestra — respondeu 17, de imediato.
— Vou voltar pra sala agora — avisou Zoe — beijinhos, meus corações!
Todas elas deram adeuzinhos e beijinhos. E Zoe fechou a porta.
Finalmente pude respirar aliviado.
— Elas são bem tranquilas, não achou? — perguntou Zoe.
— Realmente — respondi — agora ficou bem claro de quem devo ter medo.
Zoe riu.
— Eu não sou tão assustadora assim — disse Zoe — sou apenas uma adolescente apaixonada. E garotas apaixonadas podem ser um pouquinho possessivas e ciumentas. Isso é normal e saudável para um bom relacionamento.
Decidi que era mais seguro ficar calado. Será que se eu mesmo decidisse terminar o namoro com Zoe de repente, também seria punido? Imaginei que sim.
Então isso significava que eu não tinha escolha? Eu estava preso a Zoe agora. Se eu tentasse escapar, depois de aceitar aquele namoro… preferi não pensar no que aconteceria comigo.
Quando a aula terminou, Zoe me avisou:
— Vou dar uma passadinha no clube. Só uns cinco minutos. Me espera lá na frente do portão do colégio, no lado de fora? Perto daquela árvore feia.
— Acho que sei onde é — respondi — aquela árvore é feia mesmo.
— Não é? — Zoe riu — eu entendo muito sobre beleza. Aí depois nós vamos juntos pra sua casa. Já pensou em algo divertido pra fazermos?
— Pensei sim.
— Eu não vou ler Romeu e Julieta. Não vou ler nada. Eu não leio.
— Sei disso — falei — não se preocupe, acho que você vai gostar do que planejei.
— Que menino misterioso! É melhor você me divertir mesmo, porque eu não quero morrer de tédio. E teremos todo o fim de semana pela frente, pra sairmos em encontros. É melhor não planejar nada para o findi, pois você é meu.
— Isso já ficou bem claro — respondi.
— Depois eu vou comprar uma coleira. Pode deixar que vou escolher uma bem bonita pra você.
Ela entrou na sala do clube depois disso. Eu não sabia se ela estava brincando ou falando sério. Achei melhor não saber.
Ainda bem que ela me mandou esperar lá fora, pois eu não aguentaria entrar na sala daquele clubinho outra vez. Mesmo que as outras meninas não fossem tão assustadoras quanto Zoe, eu ainda assim me sentia intimidado.
Saí do colégio. Procurei a árvore mais feia que encontrei e me escorei num muro perto dela.
Coloquei minha mochila no chão, pois estava cansado de carregá-la. Olhei meu celular. Cinco minutos já tinham se passado. Eu me perguntava quanto iam durar os cinco minutos de Zoe.
— Ei!
Alguém estava falando comigo?
— É com você mesmo, bonitão.
Era a voz de uma garota. Era a primeira vez que alguém me chamava de bonitão. Mas quando vi quem era, logo percebi que era sarcasmo.
Era Imara, a garota da outra turma que Zoe não permitiu que entrasse em seu clube. Imara tinha dito que minha aparência era “básica” e tinha me chamado de gordo.
Estava claro que ela não gostava de mim e que odiava Zoe. Provavelmente era por causa dela que eu e Zoe começamos a namorar. Mas eu não pretendia agradecê-la por isso.
— Não temos nada pra conversar — falei.
E virei o rosto. Curto e grosso.
Eu não tinha a menor vontade de conversar com aquela garota mal educada. De qualquer forma, imaginei que Zoe odiaria me ver conversando sozinho com qualquer outra menina que não fosse ela. Então era mais seguro não falar com outras garotas se Zoe não estivesse presente.
Sim, eu tinha medo que Zoe me punisse. Eu estava num namoro perigoso. Aos poucos eu começava a perceber isso.
Imara não gostou de ser ignorada. Ela foi na minha direção e bateu a mão no muro em que eu estava escorado, me encurralando.
— Não fale comigo desse jeito, seu lixo! — gritou Imara — você é feio! O que a porca da Zoe viu em você? Qual é o seu segredo? Me conte!
Eu tinha esquecido desse detalhe. Ao namorar Zoe, eu poderia até ter a proteção dela, mas teria que lidar com suas inimigas. E ela tinha várias.
Eu já tinha sofrido bullying de outras garotas além de Zoe, mas nunca de Imara. Acho que Imara nunca me considerou digno de sua atenção, mas agora era diferente.
Porque ela odiava Zoe. No fundo, é claro que ela admirava Zoe, se queria fazer parte do clube dela. Ela era apenas uma má perdedora. Ela invejava Zoe mortalmente.
Imara não admitia que Zoe tivesse um namorado. Eu adoraria dizer para Imara que eu também não fazia ideia porque Zoe estava comigo. Eu também queria saber qual era meu “segredo”.
Mas é claro que eu não diria isso pra ela. Porra, por que ninguém acreditava que Zoe pudesse gostar de mim por mim mesmo? Eu precisava ter algum atributo especial ou secreto para ser digno da atenção de Zoe? Sim, Zoe era bonita, mas ela não era uma atriz famosa. A beleza dela era admirável, mas não a ponto de ser excepcional.
— Você tinha dito antes que minha aparência era básica — observei — de repente fui promovido a feio?
— Tudo bem, você não é feio — disse Imara — mas também não é bonito. Dá pro gasto. Eu até faria sexo com você, caso você insistisse muito, me desse flores e me deixasse usar seu cartão de crédito.
Eu ri.
— Eu não tenho a menor vontade de te comer — informei — mesmo que você implorasse de joelhos.
Imara deu um sorrisinho irônico. Ela devia estar muito puta com o que eu disse.
— Está se achando agora, só porque está namorando a líder daquele clubinho infantil? — perguntou Imara — todo mundo sabe que você é apenas o brinquedo novo dela. Logo ela vai te jogar fora. Assim como ela jogou Vance fora.
— Zoe e Vance nunca foram namorados — contei — é diferente. Sou o primeiro namorado de Zoe.
— Grande coisa! Você acha que isso te garante proteção? Se eu quiser, quebro o brinquedinho de Zoe agora mesmo.
— Você sabe o que acontece com quem quebra os brinquedos dela — falei.
— Eu não tenho medo daquela puta! — gritou Imara.
— E eu não tenho medo de você — retruquei.
Imara tapou minha boca com a mão.
— Cala a boca, seu merda! — ela gritou — é melhor ter medo de mim!
Ela tirou um canivete do bolso e encostou a lâmina no meu pescoço.
Dessa vez eu fiquei com medo de verdade. Estávamos do lado de fora do colégio, então as consequências não seriam tão graves se ela me machucasse. Mas será que ela teria coragem?
Eu fiquei quieto. Aquilo era sério. Resolvi não provocá-la mais.
— O que foi? — ela me perguntou — o gato comeu sua língua? Diga de novo que você não tem medo de mim.
Eu não disse nada. Eu tava nervoso pra caralho.
Imara riu da minha cara.
— Pra onde foram os seus colhões? — ela me provocou — não vai defender sua namorada? Aquela vadia convencida!
Eu defendi Zoe de Vance, mas Vance não tinha um canivete na mão. Agora não era hora de defender a honra de Zoe. Eu precisava lutar pela minha vida. Eu não sabia do que aquela mulher era capaz.
De repente, Imara passou os dedos nos meus lábios. Levei um susto. Agora que ela tinha um canivete na mão, cada movimento dela era perigoso.
— Zoe já te beijou? — ela perguntou — o que ela faria se eu roubasse seu primeiro beijo? Será que ela me mataria?
Não consegui dizer nada. Fiquei paralisado.
— Ah, é. Você namorou aquela menina. Cora, não é? Então esse não vai ser seu primeiro beijo. Que pena. Eu queria deixar Zoe puta.
Mesmo assim, Cora era a única menina que eu já tinha beijado. Quase um ano atrás. Não queria que a segunda garota que eu beijasse fosse uma pessoa pela qual eu não sentia absolutamente nada.
Imara era bonita e tinha peitos grandes. Não seria difícil sentir tesão por ela. Mas naquele momento eu sentia apenas raiva e medo. É claro que eu não seria capaz de me excitar com um canivete encostando no meu pescoço.
Imara passou a mão pelo meu rosto, delicadamente e de forma sensual. Ela me sentia com os dedos. Nem mesmo Zoe já tinha feito aquilo. Senti um arrepio desagradável.
Meu coração acelerou. Eu estava apavorado. Eu poderia tentar reagir, mas… e se ela passasse o canivete no meu pescoço? Se aquela merda estivesse bem afiada e se ela passasse do jeito certo, podia até pegar uma artéria. Eu podia até morrer de tanto sangrar, se alguma ajuda não chegasse a tempo.
Eu não queria morrer daquele jeito infeliz. Não do lado do meu colégio, aos 18 anos, perto de uma árvore feia. Não era tão ruim ser morto por uma garota bonita, mas, porra. Eu ainda tinha toda minha vida pela frente.
Não que eu esperasse grande coisa do resto da minha vida. Mas eu não queria morrer por Zoe. E também não queria dar minha vida por causa da merda de um beijo.
Foda-se se ela me beijasse. Grande coisa. Eu não ia sangrar até a morte como um porco só por causa daquela besteira.
De repente, Imara colocou a mão entre as minhas pernas, por cima da minha calça. Dessa vez eu reagi.
— Shhhh!!! — disse Imara — fica bem quietinho. Será que Zoe está com você porque você tem pau grande? Agora eu vou descobrir…
Eu estava de calça jeans, então ela não conseguiu sentir muita coisa por fora. Ela abriu o botão e baixou o zíper da minha calça.
Dessa vez eu senti uma sensação extremamente desagradável subindo no meio peito e na minha garganta. Eu não ia deixar que aquela filha da puta fizesse o que queria. Nem que ela me matasse.
Sim, eu estava com medo, mas eu fiquei muito puto quando ela fez aquilo. Eu a empurrei. Mas quando eu fiz isso, ela me abraçou e me deu um beijo na boca.
Aquela galinha era forte pra caralho! Ela não era magrinha como Zoe. Ela era alta e mais forte do que eu imaginava. Ela me agarrou e continuou me dando um beijo longo, de língua.
Como foi que eu permiti que ela fizesse aquela merda? O que estava acontecendo? Por que eu não conseguia pará-la? Eu estava tremendo.
Senti uma vontade louca de chorar, mas me segurei. Porque eu não queria ser humilhado daquela forma. É claro que eu não ia chorar na frente de Imara, ou ela venceria.
Eu queria matar aquela cadela. Socá-la, chutá-la, qualquer coisa. Mas por que raios eu não conseguia fazer nada?
Onde estava o canivete dela? Eu estava tremendo de verdade. Não conseguia reagir, não conseguia pensar. Parecia que o tempo estava passando mais devagar, mas meu corpo inútil não fazia nada. Meu coração era como uma bomba explodindo no peito.
Não entendi o que aconteceu, mas eu caí no chão. Imara me soltou. Onde ela estava?
Eu estava sentado no chão. As mãos tremendo. Toquei meu próprio pescoço com as mãos, assustado. Minhas mãos ficaram levemente vermelhas. Era meu próprio sangue. Ela chegou a encostar a lâmina do canivete no meu pescoço, mas a adrenalina foi tanta que eu nem percebi.
Será que eu tinha batido a cabeça? Por que eu estava tão confuso? Será que eu desmaiei? Meu Deus, o que ela tinha feito comigo quando eu desmaiei? Por quanto tempo eu apaguei?
Percebi que meu rosto estava cheio de lágrimas. Toquei meu pescoço de novo, desesperado. Mais sangue. Com certeza o corte não tinha atingido nenhuma artéria, ou estaria jorrando sangue do meu corpo.
Coloquei a mão na minha calça jeans. O botão e o zíper ainda estavam abertos, mas ela não tinha feito nada. Nem chegou a baixar minha calça. Mas nem tive tempo de ficar aliviado.
A cena que eu vi diante de mim era inacreditável. Duas garotas rolando no chão, uma com um canivete na mão e a outra com uma tesoura de pontas afiadas.
Não consegui testemunhar o início da luta, apenas o final. Zoe atingiu o corpo de Imara repetidas vezes com a tesoura. As duas gritavam. Imara estava sangrando, mas Zoe sangrou pouco. Ela estava apenas suja de terra e tinha poucos cortes.
Até que Imara parou de se mexer. Ficou deitada no chão. Ela não devia ter morrido, pois não parecia que Zoe a tinha atingido em algum ponto vital. Mas devia ter perdido bastante sangue.
Zoe foi imediatamente na minha direção. Ela estava toda descabelada e suja de terra. Eu nunca a tinha visto com uma aparência tão selvagem. Até mesmo assim, ela estava linda.
— Você tá bem? — ela me perguntou, com urgência — o que ela fez com você?
Zoe se assustou quando viu meu pescoço e minhas mãos vermelhas de sangue.
— Eu vi que ela te beijou — disse Zoe — ela estava te beijando quando cheguei. Ela passou o canivete no seu pescoço quando você a empurrou.
Então era isso que tinha acontecido. Pelo menos ficou claro que Imara tinha feito aquilo contra minha vontade. A situação ficaria ainda mais complicada se Zoe acreditasse que eu queria aquele beijo. Mas acho que o sangue no meu pescoço era uma prova muito convincente de que Imara não tinha meu consentimento.
Zoe percebeu que o botão e o zíper da minha calça estavam abertos. Ela ficou muito puta. Eu nunca tinha visto Zoe tão furiosa.
— O que foi que aquela vadia fez?! — ela berrou.
— Não sei — falei, com voz trêmula e com as mãos ainda tremendo — acho que ela não fez nada…
Mais lágrimas correram dos meus olhos. Zoe me abraçou. Quando Zoe fez isso, eu comecei a chorar.
Eu não sabia porque eu estava chorando. Provavelmente porque quase fui morto. E não lembrar daqueles segundos ou minutos entre a perda da minha consciência e a chegada de Zoe era meio apavorante.
— Não se preocupe, Milo — disse Zoe — quando eu cheguei, você estava consciente. Ela só te beijou. Foi só isso.
— Ela chegou a encostar em mim, mas só por cima da calça — contei — ela realmente não fez mais nada.
Eu estava mais preocupado com outra coisa.
— Você matou Imara?
— Claro que não! — exclamou Zoe — por mais que ela merecesse, não sou tão louca. Não quero ir pra prisão. Eu só dei umas tesouradas nela.
— Ela desmaiou? — perguntei.
Levei um susto, pois Imara acordou e sentou-se no chão naquele momento. Ela estava sangrando bastante.
— Merda! — ela disse, apavorada — vou chamar um uber e ir pro hospital.
Pensei em opinar que no caso dela talvez fosse melhor chamar uma ambulância. Mas eu não consegui dizer absolutamente nada. Ainda estava chocado demais com aquilo tudo.
— Faltam 2 minutos pro meu uber chegar — informou Imara, tranquilamente, como se estivesse indo pro shopping — Milo, eu não ia baixar sua calça, seu cagalhão. Eu também não quero ir pra prisão. Eu só queria te assustar um pouco.
— Você beijou meu namorado à força e encostou nele, sua filha da puta! — gritou Zoe — isso já dá prisão. Você passou um canivete no pescoço dele!
— Não vou contar pra ninguém sobre suas tesouradas — garantiu Imara — contanto que você não me denuncie. Nem o hospital, nem a polícia e nem o colégio precisam se meter na nossa briga. Vamos resolver isso sozinhas.
— Deixa essa imbecil ir, Zoe — falei — eu também não quero te ver presa ou respondendo num tribunal. É muita chateação por causa dessa vadia. Não vale a pena.
O uber da Imara chegou. Zoe concordou em deixar por isso mesmo, mas ela estava bem mais furiosa que eu.
Foi muita sorte ninguém do colégio ter chegado, pois a briga foi bem ali do lado, ou a gente ia se foder.
— Melhor eu chamar um uber logo pra te levar pro hospital também — disse Zoe, pegando o celular.
— Você tá machucada? — perguntei.
— Não — disse Zoe — Imara não me acertou com o canivete.
— Então vamos pedir um uber direto pra minha casa — falei — não podemos pegar ônibus desse jeito.
Peguei uma garrafa d’água da minha mochila e lavei as mãos com ela. Não havia ferimento nas minhas mãos. Elas estavam vermelhas só por causa do ferimento do pescoço.
Passei um pouco da água no meu próprio pescoço para ver o corte. Zoe me ajudou.
— O corte foi bem pequeno — concluí, olhando com o espelho de bolso de Zoe — não foi nada. Já parou de sangrar. Parecia maior por causa do sangue. Não preciso ir pra um hospital.
— Tudo bem — Zoe também se convenceu — mas hoje você vai descansar. Tem certeza que quer que eu vá junto hoje pra sua casa?
— Sim, pode ir — falei — quero ter alguém pra falar sobre isso. Não pretendo contar pros meus pais, pro meu irmão ou pros meus amigos. Eu teria vergonha de contar.
— Achei que você também teria vergonha de falar sobre isso comigo.
— É claro que eu tenho, mas quero ter você por perto agora, sei lá porquê. Apenas aceite isso.
Zoe aceitou. Ela chamou o uber e fomos direto pra minha casa.
Meus pais e meu irmão não estavam lá. Fomos para meu quarto e eu deitei na minha cama, pois me sentia exausto.
Agora que a adrenalina já tinha passado, voltei a derramar mais algumas lágrimas. Normalmente eu ficaria constrangido de chorar na frente de Zoe, mas foda-se. Afinal, ela já tinha visto tudo aquilo.
— Desculpa — ela disse — a culpa foi toda minha. Isso só aconteceu porque estamos namorando.
— Não foi… culpa sua — respondi, com dificuldade.
Até falar era difícil, de tão esgotado que eu estava. Tanto fisicamente quanto psicologicamente.
Porra, eu podia ter morrido. Nunca cheguei tão perto de morrer antes. E ela ainda fez tudo aquilo. Que merda.
Imara disse que não queria ir pra prisão. Que só queria me assustar. Então ela não pretendia me matar, desde o início. Também não pretendia fazer muito mais do que me beijar. Mas o beijo já foi ruim o bastante.
E será que realmente dava pra acreditar nela? Ela chegou a abrir minha calça, a desgraçada.
Senti muita raiva. No fundo, Imara não fez tudo aquilo por minha causa. Ela estava se fodendo pra mim. Ela só fez aquilo comigo para emputecer Zoe. Eu não era ninguém para Imara. O mundo todo só girava em torno de Zoe. Eu só era alguém naquela porcaria de colégio agora porque eu era “o namorado da Zoe”.
E Zoe também sabia disso. Por isso, ela falou em seguida:
— Vamos terminar esse namoro.
— O quê? — fui pego de surpresa — por quê? Você se esforçou tanto. Você estava quase lá… até Imara estragar tudo.
— Não fiz tudo isso só pra trepar com você — disse Zoe — eu também me importo com seus sentimentos e com sua segurança. Partiu meu coração ver Imara te tratar daquele jeito horrível. Não quero que algo assim aconteça nunca mais. Eu tô muito triste em te ver chorar. Eu não queria isso. Não planejei nada assim.
Talvez fosse verdade. Zoe não parecia estar mentindo. Afinal, mesmo ela sendo uma pessoa horrível, Zoe nunca tinha me forçado a nada… sexualmente falando.
— A gente nem se beijou ainda — lembrei — você vai mesmo me deixar ir sem fazer nada?
— Vou — decidiu Zoe — porque eu gosto de você. Esses dias que estivemos juntos foram incríveis. Mas agora eu te liberto. Pode namorar quem quiser, por sua livre vontade.
— Você me salvou — lembrei.
— Você também me salvou de Vance naquele dia. Então estamos quites.
— Eu só peguei na sua mão — falei — mas você quase morreu por mim. Não é a mesma coisa.
— Vamos terminar — ela repetiu — você estará melhor sem mim.
Peguei meu travesseiro e cobri o rosto. Eu estava assustado por estar preso a ela. Mas o pensamento de terminar com ela era muito mais assustador.
— Eu vou tomar banho — resolvi — e quando eu terminar o banho podemos conversar sobre isso.
— Tem certeza que quer tomar banho agora? — perguntou Zoe — você perdeu sangue e está estressado. Pode desmaiar.
— Não se preocupe. Eu não desmaio facilmente. Quero tirar Imara de mim e relaxar um pouco.
Eu não sentia o cheiro dela, mas eu sabia que uma parte dela estava em mim e aquilo me enfurecia.
Eu me levantei. Realmente, eu ainda me sentia meio tonto.
— Pelo menos não tranque a porta do banheiro — avisou Zoe.
O banheiro ficava dentro do meu quarto, então Zoe conseguiria ouvir se acontecesse alguma coisa. Eu fiz que sim com a cabeça. Fechei a porta, mas não tranquei.
Levei para dentro do banheiro minha toalha e uma muda de roupa. Quando abri o chuveiro, me senti renovado. Eu precisava daquilo.
Não lembro como aconteceu. Quando abri os olhos de novo, eu estava sentado no chão do banheiro. Havia uma toalha por cima de mim e Zoe estava me segurando.
— Você desmaiou — disse Zoe, preocupada — você bateu a cabeça?
Zoe colocou a mão na minha cabeça. Era a primeira vez que ela fazia isso.
— Não parece ter nenhum galo — ela disse — ainda bem. Se segura em mim que eu vou te levar até sua cama. É melhor você deitar um pouco.
Amarrei a toalha em volta da minha cintura, me sentindo meio fraco. Aceitei a ajuda dela. Me deitei na minha cama e Zoe me cobriu com meu cobertor.
— Bom, não era exatamente assim que eu queria que você me visse pelado pela primeira vez — falei, meio chateado.
— Eu não vi quase nada — disse Zoe — eu te cobri com a toalha assim que cheguei no banheiro.
— Não sabia que você era tão séria — comentei, meio surpreso — parece até outra pessoa.
Ela ficou ali do meu lado segurando na minha mão enquanto eu continuei deitado por um tempo.
Quando me senti um pouco melhor, resolvi botar minha roupa.
— Pode virar pra lá? — pedi, percebendo a ironia da situação.
Afinal, Zoe tinha feito a mesma coisa na casa dela, mas em tom de brincadeira. Como aquilo tudo tinha acabado de acontecer, não havia clima para piada. Mas eu também não senti vontade e não vi necessidade de pedir para Zoe esperar fora do quarto.
Ela apenas se virou e ficou olhando para as coisas da minha estante com interesse, enquanto eu botava outra roupa.
— Você tem livros — ela comentou — CDs, DVDs, jogos… tem bastante coisa. Que legal.
— É — concordei — consegui reunir uma boa coleção ao longo dos anos. Algumas coisas que eu não queria mais eu vendi, troquei ou dei. Agora só tem o que eu gosto.
— Vamos escutar seu CD preferido? — propôs Zoe.
— É claro.
Coloquei para tocar. Percebi que Zoe estava tentando me animar. Desde quando estar com ela era tão legal?
Zoe parecia diferente naquele dia.
— Sua banda preferida é Muse? — ela perguntou.
— É a que eu tenho escutado mais ultimamente.
Houve um momento de silêncio entre nós, em que apenas escutamos a música.
— Então… o que você preparou pra hoje? — perguntou Zoe, curiosa.
— Comprei um lanche legal pra gente — contei — sanduíches e torta de chocolate. Sei que você come pouco, então não precisa se forçar a comer muito. Pode comer apenas meio sanduíche e meia fatia se quiser.
— Ah, não se preocupe, hoje eu estou com fome depois de tudo que aconteceu — garantiu Zoe — quero pegar pelo menos um sanduíche e uma fatia inteira.
Eu sabia que Zoe só tinha dito aquilo para ser gentil comigo. Porque ela queria que eu ficasse feliz.
A própria Zoe buscou os sanduíches e a torta na cozinha. Comemos junto com um suco de uva.
Eu me perguntava se a conversa sobre terminarmos o namoro ia retornar. Eu não queria falar sobre aquilo, mas deixar por isso mesmo também me incomodava.
— O lanche está maravilhoso! — disse Zoe.
— Que bom que gostou — falei — estava com medo de não te agradar. Sinto que sempre estou pisando em ovos quando estou com você.
— Como assim? Você tem medo de mim?
— Um pouco… você é tão exigente sobre tudo. Sempre critica todo mundo, nas menores coisas. Estou surpreso que você não exija perfeição de mim, embora sempre exija perfeição de você mesma.
Zoe não respondeu imediatamente. Ficou em silêncio por alguns momentos, enquanto comia pequenos pedaços de torta, bem devagar.
— É difícil ser um humano, mas é mais difícil ainda ser eu mesma. É um tormento estar na minha pele. Acho que você não vai aguentar. Esse é um dos raros momentos em que eu sou legal. Na maior parte do tempo eu sou… um demônio. Acho melhor terminarmos esse namoro logo, antes que você veja o pior de mim.
— Isso significa que eu ainda não vi o pior? — perguntei, com cautela — tem mais?
— Muito mais — ela disse — você e todos os outros só viram a ponta do iceberg. É claro que eu nunca quis ter um namorado, pois significaria mostrar partes de mim mesma que eu não quero que ninguém veja.
— Pensei que você queria terminar o namoro para me proteger — falei, meio desapontado — para eu não ser ferido ou morto pelas pessoas que te odeiam. Mas você não quer terminar por mim e sim por você mesma. Você está fugindo, por vergonha.
— Sim — admitiu Zoe — eu só usei essa situação como desculpa. Só estamos namorando há poucos dias, mas eu já estou morrendo de medo.
— Então você também tem medo de mim? Medo que eu te julgue.
— É.
— Namorar qualquer pessoa significa machucar o outro e ver os podres um do outro — falei — se eu te odiar e te achar uma pessoa insuportavelmente terrível depois de tudo e não aguentar… pelo menos você tentou. Olha, eu não garanto que vou te aguentar. O pouco que já vi não foi fácil. Mas…
— Mas…?
— A vida é uma merda mesmo, estamos todos na merda, um dia vamos morrer, então… foda-se?
Zoe riu.
— Quer que eu te conte uma história terrível? — perguntou Zoe — sobre meu passado.
— É claro. Estava pensando em vermos um filme de terror hoje, mas sua história provavelmente vai ser bem mais assustadora.
— Espero que sim — disse Zoe — podemos ver o filme de terror depois que eu contar minha história. Aí saberemos qual dos dois é mais terrível. Isso se você não sair correndo quando eu terminar…
— Não garanto que não vou sair correndo. Mas agora eu fiquei curioso. Vamos ouvir.
(Continua no Capítulo 2)