A História da Bênção de El-ahrairah
From the beloved book and movie: “All the world will be your enemy, Prince with a Thousand Enemies, and whenever they catch you, they will kill you. But first they must catch you, digger, listener, runner, prince with the swift warning. Be cunning and full of tricks and your people shall never be destroyed.”
Why should he think me cruel
Or that he is betrayed?
I’d have him love the thing that was
Before the world was made.
Por que ele pensaria que sou cruel
Ou que está sendo traído?
Eu o faria amar a coisa que existiu
Antes de o mundo ser construído.
(W . B. Yeats, A Woman Young, and Old)
“Há muito tempo, Frith fez o mundo. Fez todas as estrelas, também, e o mundo é uma das estrelas. Ele as fez espalhando suas gotas pelo firmamento, e este é o motivo por que a erva e as árvores crescem tão firmes no mundo. Frith faz os rios correrem. Os rios o seguem quando ele vara os céus, e quando ele deixa o céu, os rios procuram por ele a noite inteira. Frith fez todos os animais e pássaros, mas quando os imaginou pela primeira vez, todos eram iguais. O pardal e o francelho eram amigos e juntos comiam sementes e moscas. A raposa e o coelho eram amigos e comiam ervas. E havia muita erva e moscas em quantidade, porque o mundo era novo e Frith envolvia-o diariamente em luz e calor”.
“Ora, El-ahrairah estava entre os animais, naqueles tempos, e possuía muitas esposas. Tinha tantas esposas que não podia contá-las, e as esposas tinham tantos filhos que até mesmo Frith não os podia contar, e eles comiam a erva e os dentes-de-leão e as couves e os trevos, e El-ahrairah era o pai de todos eles.” (Manda-Chuva resmungou aprovadoramente.) “E, depois de certo tempo”, prosseguiu Dente-de-Leão, “depois de algum tempo, a erva começou a rarear e os coelhos vagueavam, multiplicando-se e comendo o que encontravam.”
“Então, Frith disse a El-ahrairah: ‘Príncipe Coelho, se não podes controlar teu povo, encontrarei maneiras de controlá-lo. Portanto, presta atenção ao que te digo’ Mas El-ahrairah não quis ouvir e disse a Frith: ‘Meu povo é o mais forte do mundo, pois se reproduz, com rapidez, e come mais do que qualquer outro povo. E isto mostra o quanto ele ama o Senhor Frith, pois entre todos os animais ele é o mais receptivo à sua luz e calor. Observai, meu senhor, a importância do meu povo, a fim de não o estorvar em sua vida maravilhosa.’
“Frith poderia matar El-ahrairah imediatamente, mas desejava conservá-lo no mundo, porque precisava dele para brincar, divertir-se e pregar peças. Assim, decidiu tirar dele o melhor, não por meio de seu grande poder, mas através de um engodo. Espalhou a notícia de que ia promover uma grande reunião e que, nessa reunião, daria um presente a cada animal e pássaro, a fim de torná-los diferentes do resto. E todas as criaturas prepararam-se para comparecer ao local do encontro. Mas todas elas chegaram em ocasiões diferentes, porque Frith cuidou de que assim acontecesse. E quando o melro chegou, deu-lhe seu mavioso canto, e quando a vaca chegou, deu-lhe chifres pontudos e a força de não temer outra criatura. E por sua vez apareceram a raposa, o arminho e a doninha. E a cada um Frith deu a astúcia e a ferocidade e o desejo de caçar e matar e comer os filhos de El-ahrairah. E assim elas saíram da presença de Frith, sem outro impulso além do de matar coelhos”.
“A essa altura, El-ahrairah estava dançando e acasalando e gabando-se de que ia ao encontro de Frith para receber um grande dom. Afinal, partiu para a conferência. Mas, a caminho, parou para descansar numa suave colina arenosa. E enquanto repousava, sobre a colina apareceu voando o andorinhão preto, a gritar: ‘Novidades! Novidades! Novidades!’ Pois, como sabem, isto é o que ele grita desde aquele dia. El-ahrairah chamou-o e perguntou: ‘Quais são as novidades?’ ‘Ora, El-ahrairah’, disse o andorinhão, ‘eu não sou mais igual a você. Pois Frith deu à raposa e à doninha corações duros e dentes afiados, e ao gato ele deu pés silenciosos e olhos que podem enxergar no escuro, e eles saíram da presença de Frith para matar e devorar tudo o que pertence a El-ahrairah.’ E o andorinhão partiu em vôo pelas colinas. Naquele momento, El-ahrairah ouviu a voz de Frith que o chamava: ‘Onde está El-ahrairah? Pois todos os outros já receberam seus dons e saíram, e eu vim aqui à procura dele.’
“Então, El-ahrairah percebeu que Frith era mais sábio do que ele e sentiu medo. Pensou que a raposa e a doninha vinham com Frith e virou-se para o chão da colina e começou a cavar. Cavou um buraco, mas o buraco ainda estava pequeno quando Frith chegou sozinho à colina. E ele viu o traseiro de El-ahrairah saindo da toca e a areia voando por cima de seus ombros, enquanto ele cavava. Quando viu isto, gritou: ‘Meu amigo, por acaso viste onde anda El-ahrairah? Estou à sua procura para dar-lhe um dom especial.’ ‘Não’, respondeu El-ahrairah, sem se mostrar, ‘eu não o vi. Ele está longe daqui. Não pôde vir.’ Assim, Frith disse: ‘Nesse caso, sai do buraco para que eu te possa abençoar em lugar dele.’ ‘Não, não posso’, disse El-ahrairah. ‘Estou ocupado. A raposa e a doninha se aproximam. Se pretendeis abençoar-me, abençoai então meu traseiro, pois ele é que está fora do buraco.’
“ Todos os coelhos conheciam a história: em noites de inverno, quando o vento frio embarafustava pelas frinchas da coelheira e o gelo úmido acamava-se em cima de suas tocas; e, nas tardes de verão, na grama, embaixo das moitas de vermelhas e cheirosas flores. Dente-de-Leão contava bem, e até mesmo Panelinha de Barro esqueceu as aflições e perigos e passou a recordar a grande indestrutibilidade dos coelhos. Cada um via-se em lugar de El-ahrairah, que se mostrara descarado em relação a Frith e recebera sua justa paga.
“Então”, disse Dente-de-Leão, “Frith achou preferível não renunciar à sua amizade, mesmo sabendo que a raposa e a doninha estavam perto. E disse: ‘Muito bem, então eu abençoarei o teu traseiro que sai empinado da toca. Traseiro, sê forte e atento e veloz, para todo o sempre, e salva a vida de teu senhor. Assim seja!’ E enquanto falava, a cauda de El-ahrairah tornou-se de um branco brilhante e cintilou qual estrela; e suas patas traseiras ficaram mais compridas e mais poderosas, e ele pisou na encosta com tanta força que os besouros caíram das corolas. Saiu do buraco e cruzou a colina mais depressa do que qualquer criatura do mundo. E Frith gritou-lhe: ‘El-ahrairah, teu povo não pode governar o mundo, pois eu assim o quis. E o mundo será teu inimigo, Príncipe dos Mil Inimigos, e assim que te apanharem, tu serás morto. Mas, antes, terão que te pegar, meu cavador, meu ouvinte, meu corredor, meu príncipe arisco. Sê arguto e cheio de manhas e teu povo jamais será destruído.’ El-ahrairah viu então que, embora Frith não estivesse para brincadeiras, ainda era seu amigo. E, todas as noites, quando Frith faz o seu dia de trabalho e deita-se calmo e confortável no céu vermelho, El-ahrairah e seus filhos e os filhos de seus filhos saem dos buracos e comem e brincam diante da presença de Frith, pois são seus amigos e ele prometeu-lhes que jamais poderiam ser destruídos.”
(Fonte: Em busca de Watership Down, por Richard Adams, Capítulo 6)